Classes sociais distintas votando no mesmo candidato no Brasil?, por Alexandre Tambelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Classes sociais distintas votando no mesmo candidato no Brasil?

por Alexandre Tambelli

Comentário ao post ‘Xadrez da República Fundamentalista do Brasil, por Luis Nassif

Estudaremos no futuro como foi possível a junção no voto de boa parte dos neopentecostais, pastores midiáticos e seus rebanhos de classes populares, e de boa parte da classe média e médio-alta tradicional com seu esoterismo e sua ligação com o Espiritismo e a busca pela liberdade irrestrita, que o fundamentalismo religioso repelirá.

Duas forças, a primeira: do Fundamentalismo Religioso, da Vida regida pela leitura ao pé da letra do Antigo Testamento com a segunda: da busca por uma liberdade absoluta, sem nenhuma vontade de acatar regras, de se sentir pertencente a uma sociedade, que é contra a ingerência do Estado e do individualismo extremo.

 

Um voto inconciliável dentro da razão. Por isto, acerta, creio eu, quem diz que a irracionalidade permeou a Eleição, claro, que dentro de um processo de construção dela, que vem, com maior força e sem muitos anteparos, desde 2012 com o Julgamento do “Mensalão”, e o desespero da Direita liberal de retomada do Poder a qualquer custo, não possível via urna com o sucesso das administrações do PT. 

Associou-se no voto em 2018 o incluído da sociedade de castas dos tempos de FHC para trás e o incluído na Era petista.

O sujeito que ia na Paulista protestar contra o Governo do PT e o sujeito da ascensão social pelos anos petistas no Governo Federal juntos no voto.

O que tinha ódio do pobre, da sua ascensão e concorrência nas universidades e mercado de trabalho e o pobre que ascendeu socialmente, em parte significativa, se juntaram no voto. O que quer que o pobre continue pobre e o pobre que sentiu, pós-Golpe, um novo declínio social, se deram as mãos em um abraço de afogados.

O contra o Bolsa Família se juntou do que recebe ou tem parentes que recebem Bolsa Família. 

E assim caminharemos:

O classe média tradicional adentrando em uma realidade comandada por um fundamentalismo religioso e restrição das liberdades individuais e o neopentecostal caminhando para a degola plena nos seus direitos sociais.

Duas partes inconciliáveis. A da patroa e a da faxineira se deram as mãos e, agora, ficamos todos perdedores.

Como pode ser racional esse voto casado?

Como é que uma Luta de Classes se transformou na irracionalidade do voto? Do voto contra si mesmos. É um voto sem vencedores. Gente de todas as classes sociais irmanadas em uma mesma candidatura? Em um país, onde, a marca registrada do voto foi o voto profundamente marcado pela Luta de Classes nas eleições presidenciais deste Século?

Não é um processo racional o que a nossa sociedade vive, e, por isto, nasce uma união de opostos, que não são duas metades, acreditando que se faça um inteiro, são dois opostos que não se juntaram jamais e que juntos caem no chão num strike único, logo na primeira bola arremessada. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Neofascismo à brasileira
    A explicação é muito mais psíquica, decorrente de sentimentos coletivos de medo e ódio, do que racionais ou pragmáticas. Tem a ver com o desmonte que o capitalismo provoca, não apenas nas bases materiais das sociedades, mas também em suas bases culturais e simbólicas.

    As duas reações, da classe média e dos pentencostais são, na verdade, contra o capitalismo, mas de forma incosnciente: eles desviam seu ódio para bodes expiatórios.

    Ainda escrevo um artigo sobre isso.

    1. seria uma boa um artigo sobre isso…

      até hoje não entendi como é que essas classes não se revoltaram com a quebra forçada de nossas principais empresas

      será que são contra o capitalismo produtivo tradicional?

      será que dão importância apenas  às respostas financeiras fáceis e imediatas?

      o lucro com a produção perdeu o encanto?

       

      permita-me acrescentar que além do medo e ódio que você colocou devemos considerar também a maldade e a estupidez, porque no velho fascismo, histórico, elas não se misturavam com o medo e ódio, principalmente a estupidez, o que, a meu ver, faz o neofascismo ser muito mais perigoso do que o tradicional.

      No tradicional havia uma visão tecnológica considerável e no neofascismo não há, apenas o interesse em ganhos fáceis e rápidos, o que num país como o nosso pode gerar destruição ou danos ambientais irreversíveis

       

      por aqui ainda pensamos Brasil, no perigo da boçalidade que vai governar, mas lá fora já estão pensando Planeta

  2. Não sei ao certo, colega, mas

    Não sei ao certo, colega, mas é preciso cultivar essa perplexidade.

    Hipoteticamente, a doméstica hipotética poderia votar no Bolsonaro pois ela teria ideia dele como um defensor da família (não se trata aqui de ser verdadeiro aquilo que o Boça diz, mas o que a empregada entende). A patroa hipotética poderia votar no Boça por causa de seu antipetismo desenfreado.

    Neste exemplo hipotético, poderia se questionar qual o papel da “consciência de classe”. Ora uma pessoa pode se sentir como elite, mas esta elite não fazer parte de uma coletividade na concepção da pessoa, mas a pessoa se compreender ou se sentir como uma pessoa específica e acima dos demais (ela não é membro de um coletivo que poderia ser chamado de elite, os “demais” indistintos são o coletivo… elite aqui, é “apenas” um “adjetivo”, como lindo, feio e por aí vai… os professores vão me matar). 

    Ora, tenho exemplos concretos e exemplifiquei aqui algumas vezes: os piores puxa-sacos, submissos de toda ordem votando no Haddad? Surpreso com exemplo ao inverso? Pois sim. Pessoas que votam no Boça que conversam com estes puxa-sacos numa boa, mas são votantes opostos. Esperteza do votante do Boça, não declara seu voto pra não ficar mal com eles e manter a boa imagem. E nada pode ser pior: o mais crítico dentre os críticos, que vota no Haddad, é tratado pelos puxa-sacos como um marginal, um bandido a ser eliminado, pois o “líder” dos puxa-sacos mandou.

    Mais uma vez, entre o microssociológico, o micropolítico, e o macropolítico e os fenômenos de massa há um hiato que não é “preenchido” adequadamente. Irracional simplesmente onde a gente não compreende é um caminho fácil, mas não o mais adequado. 

     

  3. As vítimas votaram nos algozes…

    O pobre votou no neoliberal pra lhe retirarem os poucos direitos que restavam. Como alguém já disse: “Não é que sou contra o presidente eleito, é que tenho absoluta convicção de que é impossível que seu governo dê certo”.

  4. Rasgaram a fantasia e passamos ao segundo grupo, e com razão

    A resposta é que  a vida é mais complicada que divisões estáticas, e mesmo considerando a intersecção entre classe e identidades, como faz o admirável Boaventura de Sousa Santos no vídeo abaixo, parece que em ambos os aspectos, o pólo negativo, e aparentemente contraditório, foi o aglutinador de vontades. 

    Conto um fato que me ocorreu no dia do segundo turno da eleição: ao sair de casa, no extremo da periferia de sampa, portanto, lugar de gente pobre ou remediada, fui surpreendida com uma cena de teatro do absurdo: um rapaz jovem, negro de pele clara, se vangloriava numa rodinha em gestos de catarse que simulavam sua autoafirmação, que votava no farsista sim porque “não gostava de preto, de pobre, de viado, de velho”. Tudo em tom de galhardia e orgulho, enquanto os da rodinha, dentre os quais pessoas negras e idosas, todos homens, riam de gargalhar como se se tratasse de algo liberador, sem gravidade e digno de claque da platéia. Mesmo perplexa com a cena, reagi sem conhecê-lo e enquanto fazia seus rodeios na rua e eu passava por ele, bati em seu braço e lhe disse que ele era loiro, em tom de ironia com sua declaração de racismo orgulhoso, ao que nada respondeu porque sua cena tinha que continuar, rs. E ainda perplexa, poucos metros à frente, me lembrei de olhar para trás e dizer alto: “e rico!” Mais alguns metros, um homem adulto, com o mesmo tom de pele parda, lavava sua calçada e de passagem comentei com ele o absurdo do que acabara de ouvir, ao que ele respondeu com balançar de cabeça negativo em direção ao grupo mais atrás, pensativo e silencioso. Senti um alívio de que não estava sozinha diante daquele espetáculo bárbaro e incompreensível. Na volta, ainda no outro bairro em que estou registrada para votar, fui provocada na rua por um típico coxinha antipetista, um velho branco dono de boteco, que gritava que Lula estava preso e eu seria a próxima, ao que retruquei à altura da situação. Diante do bate-boca, outro jovem, de pele preta retinta, noutro boteco jogando sinuca – boteco, igreja e esquina dominam a paisagem periférica e são os pontos de encontro preferidos -, bradava o nome do farsista como se fosse o de um artilheiro do Corinthians. Perplexidade e revolta tomaram conta de mim: retruquei dizendo que preparassem a testa e o bumbum para o tiro ao alvo, porque seriam os primeiros. 

    Mais perto de casa, numa esquina, um grupo de homens entre idosos e de meia-idade, com perfil antipetista, comentava sobre o apoio de Joaquim Barbosa à frente progressista, que ouvi an passant como algo a ser considerado. Antes um pouco, de novo num boteco, um grupo de mulheres conversava e uma, que dava como certa a vitória do farsista, dizia que quem votou nele ia quebrar a cara  e comentava coisas que ele tinha dito “no Jornal Nacional”. 

    Cheguei em casa ainda revoltada, perplexa, e descrente do que as periferias viraram nos últimos anos. Ou sempre foram e eu não tinha percebido. 

    Disse tudo isso porque acho necessário perdermos a ilusão do pensamento retilíneo: quando a diferença ou pertença de classe dividiu, a comunhão em (má)fé ou em conservadorismo desinformado ou malicioso uniu, e vice-versa, em favor do farsista. Ou seja, foi a vitória do negativo, da discriminação de classe, cor, credo e sexo/gênero, e até faixa etária! Foi a vitória do desejo de morte, de destruição, de separação, de alienação, de afirmação da desigualdade em todos aqueles aspectos. E mais que um voto “contra tudo que está aí”, antissistema e antiinstitucional, foi um voto antissocial, antipopular, antisolidário, autorreferente em negação de si mesmo (a autoafirmação pela negação, rs), egoísta e orgulhoso de se saber irresponsável – quando brasileiro teve que se responsabilizar por seu voto? -,  em suma, um voto capitalista neoliberal – é peculiar nessa ideologia a capacidade de convencer as pessoas que o que as define ou caracteriza é defeito, e portanto, algo a ser condenado como tal, para que  a legitimação dos ideiais da sociedade de consumo – homem, branco, hetero, jovem, rico ou empreendedor (pouco se fala de por que o funk ostentação substituiu o rap como cultura de periferia) justifique o descolamento do que se é, ruim, em busca desse vir-a-ser coxinha, rs (não se busca a superação da pobreza pela luta social e coletiva por melhores condições de vida, mas pela busca insana de mudar de classe pela “meritocracia”, pela luta intraclasse, pelo espírito empreendedor individualista, rs, por isso a questão da luta de classes “clássica”, aqui embaixo, tem outra conotação, do que me dei conta de maneira flagrante ao conversar com ambulantes sobre o rapa, e ao falar da necessidade de se organizarem para regulamentar a venda nos trens, todos pularam fora dizendo que não funcionava, o que funciona é o “corre” individual, o que é compreensível porque aquilo não é visto como trabalho permanente, mas uma situação precária que mal sabem ser o futuro do emprego, intermitente e inseguro; o individualismo com tintas de cumplicidade pra fugir dos fiscais prevalece).

    A ideologia da propaganda de banco venceu. (O professor Alysson Mascaro, que merecia ser entrevistado pelo Nassif, falou da questão do gozo imediato e da implicações dessa nova ideologia, do fast tudo descartável, na vida política, numa excelente entrevista ao site Tutameia.jor.br, dos jornalistas Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena). 

     

    BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS | O intelectual de retaguarda

    Canal Leituras Brasileiras 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=dlZbLjCz_mU%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=dlZbLjCz_mU

     

    Grande Dona Ivone Lara 

     

    Jorge Aragão e Dona Ivone Lara – Enredo do meu Samba

     

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=1CyGLScM6eE%5D

    https://www.youtube.com/watch?v=1CyGLScM6eE

     

    Sampa/SP, 18/11/2018 – 23:04  (alterado às 23:15, 23:42 e 00:05 de 19/11/2018). 

  5. Está claro

    Assuntos comportamentais, do dia a dia, da familia,da religião e etc., foram utilizados para que o eleitor evangélico e conservador em costumes, votasse inadvertidamente pelo lado conservador político e ideológico.

    Uns votaram pela linha abaixo da cintura, outros por ideologia neoliberal, recaindo os votos numa única pessoa, o Bolsonaro.

    A única tecla SAP que poderia reorientar os votos comportamentais para o seu destinho normal, na esquerda, era o Lula. Por isso ficou incomunicado.

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