Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Eleger pretos e pretas, por Ion de Andrade

O problema do morticínio de negros e negras no Brasil é considerado secundário pelos governos estaduais que fazem cara de paisagem diante das estatísticas

Eleger pretos e pretas

por Ion de Andrade

A cada dia o Brasil produz uma quantidade imensa de agressões racistas contra negros e negras. Todo ano um pequeno número dessas agressões, humilhações extremas e homicídios produz indignação da parcela saudável da sociedade que, no entanto, não logra uma ação mais organizada e definitiva contra o racismo.

Vale dizer que há iniciativas legais ou de gestão tomadas na esteira desse massacre de corpos e de almas e há as quotas que melhoram um acesso sabidamente dificultado para negros e negras ao ensino ou ao mercado de trabalho. Vale citar a proposta de lei que modifica a  Lei nº 1.890/1992, que “dispõe sobre a concessão e renovação de licença para localização de estabelecimentos que mantenham serviços de segurança em suas dependências” da cidade do Rio de Janeiro que passa a responsabilizar o estabelecimento no qual um crime de racismo é cometido por um de seus funcionários ou ainda o uso de câmeras frontais pelas polícias de alguns estados , dispositivos que vem poupando a vida de muita gente pobre e, sobretudo a vida de negros e negras.

Porém muito há ainda por ser feito. Como esquecer que o problema alcançou a gravidade de inibir maternidades de mães negras? De fato, muitas mães negras estão desistindo de ter filhos com medo do racismo! Imaginemos por um momento a profundidade dessa catástrofe…

Temos que salientar também que o problema do morticínio de negros e negras no Brasil é considerado secundário pelos governos estaduais que fazem cara de paisagem diante das estatísticas para não terem conflitos com as suas tropas e que isso independe do matiz político do governador ou governadora. Ou seja, enquanto no campo progressista reina o silêncio, no conservador reina, nesses anos de trevas, um apoio ora aberto, ora tácito…

Tão secundário é esse tema que a violência letal contra negros vem crescendo de maneira sustentada desde 1996, sem qualquer exceção.

O mapa abaixo, do IPEA, mostra como evoluiu a situação dos homicídios de homens negros em cada unidade da federação:

Fonte IPEA, disponível em https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/144

No front do emprego dá-se o mesmo e nele não somente a empregabilidade é mais difícil para pretas e pretos, mas os salários, para função igual, são mais baixos.

Ora precisamos considerar essa aberração como um problema prioritário a ser enfrentado nesse processo de recuperação da democracia no Brasil para que pretos e pretas não continuem vivendo sob um fascismo silencioso enquanto o resto do país vai adiante orgulhoso da sua democracia. O risco da invisibilidade é um verdadeiro câncer a corroer toda a institucionalidade no Brasil.

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Nossa democracia deve garantir, como questão prioritária e inegociável, a redução robusta e sustentada desse massacre, ou a democracia nada significará para uma parcela expressiva da nossa sociedade, um fato gravíssimo que não somente a instabiliza, como despolitiza o povo, pois não será possível entender um governo popular que lave as mãos, silente,  ao massacre de pretos e pretas pelo Estado.

Vale destacar que o mecanismo pelo qual o problema perde prioridade na institucionalidade advém em grande medida do fato de que, por melhores que sejam as intenções dos candidatos não negros do campo progressista, esse problema não faz parte do seu repertório pessoal de experiências. Por óbvio eles não têm como dimensionar a gravidade do problema do racismo com base em sua experiência vivida, pois esse problema INEXISTE para ele, exceto nos jornais.

Noutras palavras, para que o problema não perca prioridade, é preciso eleger para o legislativo um grande número de deputados e senadores cuja a experiência pessoal inclua uma capacidade inata de dimensionar o racismo e de atribuir a ele a devida e inadiável prioridade: PRETOS e PRETAS.

Isso significa que há uma necessidade imperiosa de votarmos maciçamente em candidatos pretos e pretas. O panorama histórico que temos já é largamente suficiente para demonstrar que não há outro caminho.

É importante salientar que ao votarmos em candidatos pretos e pretas estaremos apenas assegurando a eles condição de serem eleitos de forma prioritária, sem prejuízo, no entanto, para a federação partidária progressista que continuará elegendo o mesmo quantitativo de eleitos. Trata-se, pois, de uma espécie de mecanismo de lista, onde exprimimos a ideia de que, em primeiro lugar queremos escolher pretos e pretas, fazendo deles a locomotiva para os demais.

Vamos considerar também que as correntes e partidos pré-definem, bem antes dos eleitores, quais são as suas candidaturas prioritárias. Esses pré-escolhidos que contam com verdadeiros exércitos de militantes, serão provavelmentee leitos em qualquer cenário e provavelmente não sairão prejudicados.

Porém, o eleitor independente, que persiste sem candidato até a urna e que vota numa esquerda genérica através do voto de legenda, esse eleitor que é a alma de uma esquerda menos fragmentada, aliás, poderia dar gás e muito gás às candidaturas dos pretos e pretas.

O que eu proponho aqui, para aqueles que são independentes das correntes, que votam na esquerda e que normalmente dão um voto de legenda, que estudem a nominata de candidatos do campo progressista e ESCOLHAM SEUS CANDIDATOS PRETOS E PRETAS.

Essa pedra rejeitada pelo Brasil racista é que deve se tornar pedra angular.

Temos que mudar o Brasil!

Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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