O golpe de 2023 foi derrotado… e daí?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Considerar Jair Bolsonaro culpado por liderar o Exército Brancaleone que preparava um golpe de estado e operou a ABIN paralela é inevitável.

Celular de Mauro Cid

O golpe de 2023 foi derrotado… e daí?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O vídeo da reunião governamental em que o presidente da república e seus ministros e assessores discutiram abertamente dar um golpe de estado já entrou para a história da infâmia.

Referido vídeo prova satisfatoriamente que tudo o que ocorreu antes e depois da eleição (ataques sistemáticos ao TSE e ao STF, reunião de Bolsonaro com embaixadores, mobilização intensa dos bolsonaristas mediante Fake News, fuga do líder derrotado para o exterior sem inequívoca aceitação do resultado das urnas, invasão de Brasília pelas hordas terroristas, omissão de autoridades policiais e militares durante o quebra-quebra no STF, Palácio do Planalto e Congresso Nacional em 08 de janeiro de 2023) fizeram parte de uma série de eventos encadeados que culminariam com o golpe de estado, a declaração de estado de sítio, o fechamento do Congresso, a dissolução do STF e, eventualmente, o enforcamento público do Ministro Alexandre de Moraes.

A farsa do Impeachment sem crime de responsabilidade protagonizado pelo usurpador Michel Temer, Estadão, Folha, Rede Globo sugou Bolsonaro para o centro da arena política. Cavalgando nas costas dos evangélicos o capitão boquirroto emergiu como líder de expressão nacional durante o golpe de 2016 “com o STF com tudo”. O resto é história.

 Favorável à ditadura e incentivador da tortura, quando era apenas um inexpressivo parlamentar de extrema direita ele chegou a prometer, quem sabe, a eliminação física de dezenas de milhares de brasileiros. A grande imprensa sabia que ele não era igual a Fernando Haddad, quando espalhou aquela Fake News equiparando-os. Nada do que aconteceu entre o fim de 2022 e o início de 2023 pode ser considerado surpreendente. O próprio Bolsonaro sempre se posicionou como inimigo mortal da democracia brasileira e chegou a proclamar que ele mesmo era a constituição.

Considerar Jair Bolsonaro culpado por liderar o Exército Brancaleone que preparava um golpe de estado com ajuda da quadrilha menor que estruturou e operou a ABIN paralela é inevitável. Mas ele não agiu sozinho. Muita gente que não estava no entorno dele ajudou a criar condições para a consolidação do bolsonarismo como uma força política ameaçadora.

Na verdade, qualquer pessoa pode dizer sem correr o risco de ser ridicularizado, que o bando bolsonarista teria sido capaz de destruir nossa democracia não fossem dois acidentes de percurso. Um deles foi o hacker de Araraquara, que torpedeou a Lava Jato acarretando o inevitável declínio do antipetismo. O outro foi a pandemia, que Bolsonaro poderia ter utilizado para aumentar sua popularidade comprando imediatamente vacinas, aconselhando o uso de máscaras e editando decretos para impor restrição a aglomerações. Todavia, ele preferiu agradar os pastores fanáticos e perseguir o objetivo financeiro macabro vocalizado pelo presidente do Banco Central.

A CPI da Covid obviamente enfraqueceu muito o líder do golpe de 2023. Mas é evidente que ela não teria ocorrido se a pandemia tivesse sido gerenciada pelo governo dentro dos parâmetros recomendados pela Organização Mundial de Saúde.

O STF ajudou a derrubar Dilma Rousseff em três oportunidades: impedindo-a de nomear Lula Ministro da Casa Civil; mantendo Eduardo Cunha em liberdade até ele iniciar o Impeachment e; se recusando a julgar imediatamente a legalidade daquele procedimento que foi iniciado com base em acusações frágeis e fraudulentas por um presidente da Câmara que usou o cargo para se vingar pessoalmente da presidenta da república.

De certa maneira, o STF entregou a presidência ao capitão genocida golpista ao afastar Lula da disputa eleitoral em que Fernando Haddad foi derrotado por Bolsonaro. Arrogante e ativa contra Dilma Rousseff, a Suprema Corte brasileira escolher ser cordial e inativa contra Bolsonaro. Ela não deu prosseguimento da ação em que foi pedida a interdição do presidente da república (Petição 9657) e arquivou pelo menos uma denúncia de genocídio que foi feita contra ele antes do início da CPI da Covid (Petição 9.387). Augusto Aras foi responsável pelo arquivamento de mais de uma centena de representações feitas contra Bolsonaro no STF. Chamado de poste de Bolsonaro, o PGR processou um professor de Direito da USP.

O sistema de justiça brasileiro demorou para restaurar a legalidade ou ajudou desde 2016 a criar e expandir um estado de anomia cujo desfecho poderia ter sido o golpe de estado de 2023 planejado por Jair Bolsonaro e pelos generais Heleno e Braga Netto? Não existe uma resposta simples para essa pergunta.

Muitos dos que protagonizaram o golpe contra Dilma Rousseff, ajudaram Bolsonaro chegar ao poder e se omitiram enquanto ele preparava o assalto final contra a democracia brasileira se esforçam agora para reescrever suas próprias biografias. Fatos curiosos e desconhecidos do público também começaram a vir a público (como a resistência firme e silenciosa de Luis Fux e Augusto Aras contra a articulação golpista).

Todavia, os verdadeiros responsáveis pelo esvaziamento da Constituição de 1988 não podem deixar de ser incomodados. Os mesmos erros serão cometidos no futuro se a história deles não for contada e recontada com mais detalhes. Assim que os líderes civis e militares do golpe de 2023 começarem a ser condenados e eventualmente encarcerados, será necessário começar a rediscutir o que a PGR e a Suprema Corte fizeram, deixaram de fazer e poderiam ter feito em defesa da democracia desde meados de 2015.

As empresas de comunicação tem que começar a ser responsabilizadas pelas campanhas de Fake News que impulsionam para fragilizar a democracia e impor a agenda neoliberal de seus donos e anunciantes. Se a democracia não for capaz de se defender desses canalhas, o país continuará flertando com o fascismo sempre que o Estadão, Folha e Rede Globo não gostarem do resultado de uma eleição presidencial.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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