O que ocorrerá quando o ChatGPT causar danos ou for usado para causá-los? Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os advogados devem ser extremamente cautelosos ao utilizar esse novo recurso tecnológico

Reprodução

Por Fábio de Oliveira Ribeiro*

Aqui mesmo no Jornal GGN comentei alguns testes que fiz com o ChatGPT. Vários outros foram feitos em língua inglesa e publicados no LinkedIn. Num deles a OpenAI falhou, em outro ela começou mal e na segunda fase do teste conseguiu aprender (ou simular que aprendeu) algo importante. Hoje, porém, quero falar de outro assunto importante.

O crescimento da utilização dessa nova ferramenta está sendo exponencial. Em pouco tempo o ChatGPT começou a atrair novos investidores e a ser transformado numa ferramenta lucrativa por seus usuários. O criador da Open AI prometeu aos seus clientes que eles ficarão ricos

É evidente que o impacto econômico dessa nova tecnologia será grande. Todavia, é improvável que todos os usuários do ChatGPT consigarão obter lucros. Alguns certamente amargarão prejuízos em decorrência da Open AI. Sendo assim, uma pergunta jurídica essencial deve ser feita: quem será responsável pelos danos provocados pelo ChatGPT?

A indenização por dano material e moral é garantida pela Constituição Federal (art. 5º, incisos V e X). O Código Civil brasileiro prescreve que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (art. 927). 

A expressão “Aquele que” presente no início do art. 927, do CC pode referir-se tanto à pessoa natural quanto às pessoas jurídicas privadas e públicas. Os pais são responsáveis pelos danos causados a terceiros por seus filhos. Os empregadores podem ser responsabilizados pelos prejuízos causados por seus empregados. Os danos impostos ao terceiro pelo mandatário devem ser atribuídos ao mandante se tiverem sido cometidos no exercício dos poderes que foram outorgados. E assim por diante…

De maneira geral, podemos dizer cada qual responde pelos danos que causa a terceiro. Mas essa afirmação se torna problemática quando o ato é praticado com a utilização de uma plataforma virtual. 

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Quem é responsável por um golpe praticado com ajuda do Facebook ou em decorrência de transações feitas no website da Lojas Americanas? O primeiro cobra por anúncios publicitários e nem sempre verifica a credibilidade de quem os faz para iludir consumidores. A segunda vende produtos anunciados por terceiros que nem sempre cumprem suas obrigações empresariais. 

A jurisprudência ainda está muito dividida. É possível responsabilizar a Lojas Americanas se o produto comprado e pago não foi entregue pelo parceiro dela. Mas existem decisões em sentido contrário. No caso do Facebook a questão é mais delicada. A rede social tem lucro fazendo propaganda, mas é quase sempre considerada irresponsável pelos danos causados a terceiros pelos seus anunciantes. No caso do ChatGTP a situação jurídica será ainda mais delicada.

O ChatGPT não é uma rede social que possibilita o contato entre seus usuários e entre eles e os anunciantes de produtos e serviços. Nem tampouco vende produtos na internet como uma se fosse uma loja virtual. O que ele faz é disponibilizar uma ferramenta virtual poderosa que pode ser utilizada pelos interessados. Existem duas versões da Open AI: uma delas é gratuita a outra só pode ser utilizada mediante pagamento. 

Em razão de sua estrutura, o ChatGPT não pode cobrar participação nos lucros auferidos por seus usuários. Portanto, em tese ele não poderia ser responsabilizado pelos prejuízos causados a terceiros. Todavia, existem exceções. 

Quem paga o ChatGPT e aufere lucro utilizando essa ferramenta pode responsabilizar a empresa caso ela fique off line. Mas ninguém é obrigado a seguir as orientações financeiras dadas pela Open AI e todos devem suportar os riscos que decidem correr. Além disso, quem investir no mercado financeiro com ajuda da Open AI poderá tanto ter prejuízo quanto lucro dependendo das flutuações que ocorrem nos preços das ações por fatores alheios à vontade humana.

Aqueles que eventualmente usarem o ChatGPT para aplicar golpes nas pessoas incautas são responsáveis pelos danos que causarem. Todavia, me parece evidente que a sofisticação dos esquemas desonestos proporcionada pela Open AI aumentará as chances de sucesso dos criminosos virtuais. Portanto, é plausível admitir que o ChatGPT tem sim uma parcela de culpa (caso a Open AI não tivesse sido colocada à disposição do público a eficácia dos crimes virtuais não teria aumentado). 

Mas para que não exista dúvida quanto à possibilidade da empresa ser responsabilizada será necessário modificar a legislação de maneira a obrigar o ChatGPT a monitorar o uso da Open AI. Suponho que seja possível treinar a própria Open AI para detectar usuários maliciosos e potencialmente desonestos. Mas se isso for feito, a violação de privacidade dos usuários e dos segredos das rotinas lucrativas que eles criarem com ajuda da Open AI serão obviamente levantados.

Existe uma zona cinzenta em relação ao ChatGPT que merece ser objeto de maior atenção. A exploração lucrativa do vício induzido pelo uso de redes sociais já foi estudada por Shoshana Zuboff. A Open AI também é um recurso tecnológico extremamente perigoso, com grande potencial de viciar seus usuários. Os danos cognitivos que o vício no ChatGPT pode produzir em crianças e adolescentes são maiores ou menores do que aquele causado pelo uso contínuo do TikTok, Facebook e Twitter? A responsabilização da empresa por danos dependerá da resposta que os psiquiatras e psicólogos derem a essa questão. 

De qualquer maneira, uma coisa é certa. Além de se deliciar com a nova tecnologia e utilizá-la para realizar testes (meu caso) ou para transformá-la em ferramenta de trabalho como alguns advogados, os juristas terão que se debruçar sobre as questões jurídicas que surgirão em decorrência do uso do ChatGPT. Alguns deles podem ser solucionados com base na legislação e na doutrina em vigor, outros merecerão o desenvolvimento de novos conceitos. Mudanças legislativas me parecem indispensáveis. 

Os advogados devem ser extremamente cautelosos ao utilizar esse novo recurso tecnológico. Eles são pessoalmente responsáveis pelos danos que causam aos seus clientes. E não me parece que seja plausível ou aconselhável um advogado culpar o ChatGPT por um erro profissional grave que ele mesmo tinha obrigação ética de evitar. O mesmo pode ser dito em relação aos médicos e Hospitais.

*Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. Artigo arcaico, se fosse escrito no século 16 e trocasse chatgbp por calculadora teria o mesmo sentido, fala de alguém que desconhece tecnologia e seus usos e mal sabe o que é uma IA.

  2. As observações do Daniel seriam relevantes se ele provasse que é um jurista ou tivesse demonstrado “expertise” na área de Inteligência Artificial. Tal como enunciada, essa crítica é apenas um ataque pessoal provavelmente feito por alguém que aplaude qualquer produto que um gringo coloque no mercado. 😃😃😃

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