STJ mantém condenação de Bolsonaro e o absurdo da possibilidade dele recorrer, por Matê da Luz

STJ mantém condenação de Bolsonaro e o absurdo da possibilidade dele recorrer

por Matê da Luz

Pronto. Era o que faltava pra confirmar que a vida é uma enorme quinta-série C. Façamos um exercício de imaginação: estamos todos em sala de aula, meninos e meninas, na presença de um professor. Vamos supor que temos cerca de 13 anos, pra dar um contexto no qual entendemos a força de nossas palavras e alguns significados relevantes. Um dos meninos levanta e diz, na frente de todos os outros, que tal menina não merece ser estuprada porque é muito feia. Precisa dizer mais ou dá pra entender que este contexto é agressivo o suficiente pro garoto ser expulso de sala de aula com advertência e suspensão? 

Pois bem, no Brasil, este País que há alguns anos era considerado “o país do futuro” e hoje consta na crista da onda dos mais retrógrados – a cara do golpe é essa, perceba – o amiguinho que falou isso pra coleguinha é deputado e o professor, a justiça, dá o direito dele se defender. “Oras, mas lá vem você questionando até as leis?” – uhun, sim, vou e vou muito, porque este tipo de brecha em situações tão óbvias é o que dá margem para que crimes e mais crimes continuem acontecendo. No tocante individual à violência contra a mulher, a possibilidade de recorrer perpetua o espaço concedido ao homem para que se explique, mesmo tenho tido uma atitude nitidamente opressora/violenta e, além do mais, vale dizer, contra a lei, enquadrado pelo assédio moral. 

É isso. Hoje o STJ anunciou que mantém a condenação no caso de Maria do Rosário contra o deputado e este, na maior cara de pau, pra dizer o mínimo, retruca dizendo que vai recorrer – e o que é pior, aos meus olhos, é a possibilidade disso acontecer. O deputado alega que sua fala foi proferida em um momento de forte emoção, visto que “Ela [Maria do Rosário] me chamou de estuprador e ela estava defendendo o estuprador Champinha.”, o que, em sua prática machista e agressiva, dá espaço e, mais importante que isso, o direito de retrucar com uma fala violenta. Não dá, viu, deputado? Porque em primeiro lugar o contexto não era este (o da defesa do estuprador), mas sim uma mulher falando em nome de todas as outras no que diz respeito às leis relacionadas ao estupro. E em segundo lugar porque sua opinião pessoal não é determinante e/ou deveria ser relevante para as normas de um conjunto de pessoas que vivem num país, ainda mais quando estas ideias são tão misóginas e pequenininhas. 

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirma: “A expressão ‘não merece ser estuprada’ constitui uma expressão vil que menospreza a dignidade de qualquer mulher, como se uma violência brutal pudesse ser considerada uma benesse, algo bom para acontecer com uma mulher.”

Na cabeça de Bolsonaro, assim como de alguns adolescentes da classe média –alta da quinta-série C, elas merecem sim (se bonitas forem), afinal de contas, são só mulheres.

Mas sabe o que é pior de tudo? É que tem gente falando que vota nele. Tem gente assumindo assim, na cara lavada, às claras mesmo, que ele é a solução pro nosso Brasil. 

É… no País do golpe, quando a água para de mexer é que a sujeira vem à tona. Torcendo pra que a justiça de faça rede, de uma vez por todas. 

Mariana A. Nassif

9 Comentários

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  1. Vou discordar num único ponto, Matê

    Concordo com tudo que você escreveu sobre o Bolsonaro. O sujeito é uma pústula, mistura de tiranete de quartel com napoleão de hospício. Nunca antes se viu um presidenciável tão ruim, tão perigoso e tão abjeto como ele.

    Mas discordo quanto ao direito de recorrer. Por mais clara que seja a falta, por mais evidente que seja a culpa, o direito ao recurso deve ser preservado em qualquer caso. Negá-lo a um Bolsonaro significaria a possibilidade de negá-lo a um Jean Wyllys ou a uma Maria do Rosário – ou ao Lula. Ou a lei é para todos, da mesma forma, ou então temos a Lava-Jato, o lawfare, o direito penal do inimigo.

    Lembro quando houve a condenação no Mensalão, e da grita nacional para que o STF não aceitasse o recurso dos Embargos de Declaração dos condenados. Advogados, juristas de renome, muitos defendiam que não devia ser dada a chance desse recurso a nenhum dos condenados. Não havia qualquer razão legal pra isso, e não houve (antes do Mensalão) nenhum movimento desses mesmos juristas contra o recurso. Só estavam defendendo que não fosse aceito porque era o Mensalão, e os condenados petistas…

    Se tivessemos a observância da lei estrita neste país, não haveria Lava-Jato, não haveria o golpe, não estariamos nesta situação terrível. O Brasil precisa da aplicação da Lei. 

  2. Semântica

    o problema não é ele recorrer da decisão judicial: é ele recorrer no hábito de ofender covardemente qualquer pessoa de esquerda e,  em especial, qualquer mulher de esquerda.

  3. *

    Agora só falta a instância superior decidir que  Bolsonaro tem o direito de estuprar quem ele bem entender.

    Há que se dar o direito de escolha ao cidadão, claro!

    Se ele disse que não quer estuprar a deputada do PT porque ela não merece, devemos dar a ele a opção de escolher outra, óbvio.  Afinal, o estupro é um direito de todo cidadão.

  4. O buraco é mais embaixo.

    Não está no respeito e na permissão do direito à defesa, mesmo tratando de um réu desprezível, a falha do judiciário. A falha está mais lá atrás. Quando o judiciário se omitiu, diante de sua obrigação de mandar apurar e julgar, e foi cúmplice dos crimes contra a humanidade praticados pela DITADURA. Se tivessem sido julgados e devidamente punidos esses crimes, uma figura nefasta como Bolsonaro e tantos outros simplesmente não teriam qualquer possibilidade de existir. Ele não poderia saudar em plena sessão do Congresso Nacional outro criminosos como Brilhante Ustra, como herói que torturou a sua inimiga Presidenta. Em tudo que se observa ontem hoje e sempre pode-se sempre perceber presentes os efeitos deletérios das omissões e falhas das castas hereditárias do judiciário brasileiro. 

  5. Alvíssaras

    Alvíssaras, deputado.Regozijo-me por não merecer a sua preferência, já que o senhor estupra as mulheres que lhe agradam.

    Mas se o sr. quiser, posso providenciar para o sr. passar a urinar sentado pelo resto da sua vida.

    Assim eu teria respondindo ao nobre deputado e ele ia pensar duas vezes antes de falar merda.

    Além de que judiciário seria poupado dessa ignominiosa despesa.

     

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