The Walking Dead e os genocidas israelenses, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Não ver a si mesmo cometendo um crime de guerra é uma maneira confortável de continuar a praticar crimes de guerra.

The Walking Dead e os genocidas israelenses

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Exterminar crianças inocentes em prédios residenciais, escolas, creches e abrigos improvisados é um crime de guerra tão evidente, que não me pareceu necessário até agora comentar de maneira específica esse aspecto horroroso da invasão e bombardeio de Gaza por tropas israelenses. O que eles estão fazendo terá que ser investigado e eventualmente julgado pelo Tribunal Penal Internacional.

Chefes de estado e oficiais militares devem conhecer e respeitar as regras da guerra. Isso se aplica inclusive e principalmente às Forças Armadas de um país que acintosamente se recusa a interromper crimes de guerra evidentes que estão sendo cometidos diariamente contra crianças indefesas. Toda a cadeia de comando de Israel, do primeiro-ministro ao piloto e ao oficial encarregado no teatro de operações, passando pelo ministro da defesa e pelos comandantes militares, pode e deve ser responsabilizada.

Mas a questão que eu quero discutir aqui é outra. Os militares de Israel sabem que ficarão sujeitos às sanções do Tribunal Penal Internacional. Eles têm o direito de se recusar a cumprir ordens ilegais. Mesmo assim, até a presente data não temos conhecimento de que alguém das Forças de Defesa de Israel se recusou a cumprir ordens. Por que os oficiais militares israelenses seguem cumprindo ordens que poderiam ser desobedecidas?

Não é fácil encontrar uma resposta para essa pergunta. Tudo o que nós podemos fazer é especular.

Alguns desses genocidas israelenses agem motivados por ódio cego e irracional. Outros acreditam que o profissionalismo militar não deixa espaço para qualquer reflexão que possa ser considerada traição. Muitos mais provavelmente apenas tem medo de não fazer o que os colegas estão fazendo e agem mecanicamente como se não precisassem refletir sobre seus atos. Alguém os chamou de filhos de Adolf Eichmann e isso me parece bastante apropriado.

No meu blogue do GGN comentei certa feita como uma série norte-americana ajudou a fragilizar a ideia de democracia. Hoje me ocorreu que algo semelhante pode ser dito em relação ao genocídio das criancinhas palestinas.

No capítulo 2 da 8ª temporada da série The Walking Dead o protagonista Rick Grimes e seus homens invadem o casarão onde funciona o comando dos inimigos deles. Eles vasculham o local à procura de armas pesadas e não encontram nada no térreo. Quando conseguem chegar ao andar superior, Rick se separa de Daryl e luta ferozmente com um inimigo matando-o. Após fazer isso, ele entra num quarto e encontra o bebê Gacie no berço e vê no espelho a imagem dele mesmo todo sujo de sangue.

Nenhuma arma pesada foi encontrada por Rick. Mas é possível imaginar que o bebê (que o faz refletir sobre sua própria filha pequena) e o espelho (que o obriga a encarar a si mesmo após matar um homem com as próprias mãos) podem funcionar como “armamentos ideológicos” capazes de desarmá-lo. O líder dos inimigos dele é inescrupuloso, mas Rick Grimes acredita ter escrúpulos e parece demonstrar isso ao longo da série.

Voltemos à guerra em Gaza. Os oficiais militares de Israel que seguem exterminando crianças como se isso não fosse crime, como se não pudessem se recusar a fazer o que estão fazendo, certamente não conseguem se olhar no espelho. A mídia tem uma parcela de culpa, pois se recusa a enquadrar o que está ocorrendo como um genocídio comparável àquele que foi praticado contra os próprios judeus durante a II Guerra Mundial.

Não ver a si mesmo cometendo um crime de guerra é uma maneira confortável de continuar a praticar crimes de guerra. A inexistência do espelho (ou a criação de um espelho destorcido pela mídia) impossibilita os militares de Israel de recobrarem os escrúpulos como o protagonista de The Walking Dead? Mas existe outra pergunta ainda mais perturbadora que podemos fazer nesse caso usando a cena do capítulo 2 da 8ª temporada da série. Os genocidas israelenses exterminam crianças porque as consideram armas de destruição em massa de efeito retardado?

Ao ver o bebê e sua própria imagem no espelho Rick fica pensativo. Ele não é capaz de esboçar qualquer hostilidade em relação à criança inocente. Mesmo sabendo que o bebê pode ser filho de seu inimigo, o protagonista da série The Walking Dead não molesta Gracie e parece se sentir envergonhado porque é visto por ela armado e coberto de sangue. Acostumado a matar homens adultos violentos e zumbis, Rick tem escrúpulos e não quer ver a si mesmo ou ser visto como um agressor ou assassino de inocentes.

Os militares israelenses estão no espectro oposto. Alguns deles certamente não se sentem bem assassinando crianças palestinas inocentes e as consideram dano colateral inevitável. A imprensa obviamente legitima a racionalização que alguns deles usam para se distanciar dos próprios atos criminosos e hediondos: quem colocou as crianças nessa situação foram os inimigos de Israel. Mas podemos supor que alguns deles sentem prazer em matar seus futuros inimigos ou se consideram virtuosos justamente porque fazem isso de maneira profissional sem demonstrar qualquer emoção.

Joe Biden se recusa a condenar enfaticamente os crimes de guerra cometidos por militares israelenses. Os EUA segue vetando uma Resolução no Conselho de Segurança da ONU e votou contra a cessação das hostilidades por razões humanitárias aprovada pela Assembleia Geral daquela organização internacional. O senhor dos exércitos está contente ou os “negócios como de costume” dos fabricantes de armamentos made in USA não podem ser desafiados?

Uma coisa é certa. O dono da Fox provavelmente deve estar orgulhoso. A empresa dele criou e veiculou a ideia de que um bebê pode ser transformado no “armamento ideológico” que desarma um guerreiro virtuoso ele plantou a semente do genocídio que nós estamos vendo diariamente na internet e na TV.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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