Uma esquerda sem rumo num país sufocado, por Rafael M. Felácio e Márcio R. Silveira

No Brasil, é chegada a hora de uma repactuação com vistas aos interesses nacionais e com impacto direto nas relações de capital e trabalho

Diego Rivera

O “Tombo na Gaita” e um “Furo no Fole”: uma esquerda sem rumo num país sufocado

por Rafael Matos Felácio e Márcio Rogério Silveira

É necessário lembrarmos, embora não pareça, mas no mundo e sobretudo no Brasil a luta e disputas de classes existe e está muito presente e gritante no momento. Por outro lado, a esquerda intelectual que bebe nas águas intelectivas do neoliberalismo, por meio dos relatórios da ONU, das ONGs, dos Institutos, dos relatórios de consultorias internacionais, só fala desse “conflito de classes” quando quer dar sentido aos estratos sociais (camadas de renda). Uma confusão generalizada! Soma-se ainda os discursos impostos por grande parte dos meios de comunicação de massa que têm como premissa esconder as lutas das camadas sociais, além de trabalharem diariamente (às vezes usando das piores estratégias para atacar os que estão no outro campo de luta – trabalhadores, os grupos étnicos, as lutas nacionais anticoloniais, etc.) para defender os interesses econômicos e políticos dos seguimentos dominantes que se apropriam das riquezas nacionais (recursos econômicos, como os naturais, a força de trabalho e outros). Ora, o esforço dos “senhores da mídia corporativa” para blindar o presidente do Banco Central do Brasil e sua política monetária é algo que explica essa brutal disputa de classes. Ela tem sua territorialização tanto no campo nacional quanto internacional. É aqui que o imperialismo e o colonialismo andam de “mãos dadas”.

Esse embate entre as camadas da sociedade brasileira (capital contra trabalho, mas também na esfera da busca por melhores equipamentos públicos, coletivos, racial, de gênero e outros), embora escondida, camuflada, está viva e pujante, tanto que a denominada elite/burguesia não mede esforços e tampouco meios de evitar que “Lula 3.0” governe e faça as mudanças necessárias e urgentes que o país precisa. O fato é que a luta entre as camadas sociais não está somente vinculada ao espaço nacional. Ela é também internacional e apresenta-se com múltiplas facetas. Por isso, em seu livro “Luta de Classes” o filosofo italiano Domenico Losurdo, com base em Karl Marx, afirma que a “luta de classes é o genus que, em determinadas circunstâncias, assume a forma específica de ‘luta nacional’”. A questão é que já é o momento de as elites nacionais terem essa clareza, entretanto, as condições objetivas conjunturais estão longe disto, diferentemente do que já é visível na China, Rússia, Vietnã, Índia e outros. Algo que logo chegará na França, Alemanha, Espanha, Coreia do Sul e, quem sabe, até mesmo o humilhado Japão. Já é chegada a hora de se libertarem dos pretensos ataques imperialistas e colonialista dos Estados Unidos. E o conflito na Ucrânia e o impacto disso na economia europeia aflora.

No Brasil, é chegada a hora de uma repactuação com vistas aos interesses nacionais e com impacto direto nas relações de capital e trabalho. Um projeto ambicioso de investimentos, especialmente em infraestruturas, como transportes, produção e distribuição de energia, habitação, saúde, além da reforma tributária, entre outros. Ou seja, é preciso refletir sobre a possibilidade de um novo pacto em nosso território com vistas a um projeto nacional de desenvolvimento e, com isso, preencher novamente nossa capacidade ociosa e avançar além, no rumo da expansão das forças produtivas e relações de produção mais modernas. Fatos que permitem colocar a atividade industrial em novos patamares e realizar uma ampla socialização dos investimentos que, por conseguinte, force uma reindustrialização rumo ao progresso técnico. Veja que aqui, em completa consonância com a atual conjuntura política e econômica nacional e internacional, não estamos propondo mudanças, a priori, estruturantes no âmbito do modo de produção. Por norma, estamos trabalhando nos limites do possível. E ele é uma “revolução burguesa”, do tipo prussiana, não incomum ao Brasil, como foi visível no governo de Getúlio Vargas. Até esse meio caminho é altamente complexo, pois a burguesia nacional está fragmentada, destroçada, cooptada, de “joelhos” aos interesses imperialistas e colonialistas. Prostrado, numa “humilhação sorridente”, “rezando o mantra” do “fim da história”. Recuperar isso já é um “pandemônio” e as tentativas passadas dos governos Lula e Dilma sofreram uma forte apostasia (retrocesso) pela força do império. Quiçá terá sobrado alguma memória de nossa pretensa modernização do passado, alguma rugosidade para ser resgatada. Assim, alguma luta de classe no âmbito nacional será possível.

A elite/burguesia, ou se preferirem, o dito mercado, está preocupado e atento buscando controlar o orçamento público. Lutou tanto pelos seus interesses que detesta a ideia de reduzir taxas de juros e coloca seus tentáculos no Banco Central para que isso não ocorra, usam da política monetária para fazer com que o Estado brasileiro drene grande parte da riqueza socialmente produzida para uma banca mercadológica nada desenvolvimentista, especulativa, reacionária e nada nacionalistas. Portanto, nesse campo de forças a luta nacional cai por terra. Esse nó górdio precisa ser resolvido, inclusive é fundamental para um país que queira alcançar independência política e econômica em um mundo bipolar nascente e em uma “nova globalização” “mais regionalizada” e fruto de uma reorganização espacial das cadeias globais de valor. E os BRICS e o MERCOSUL são sintomáticos quanto a isso! Contudo, há elementos determinantes que precisamos pôr na conta dos acontecimentos internacionais, como: qual será o tipo de desfecho do conflito da Ucrânia e o que se tornará a Rússia, o conflito de hegemonia entre Estados Unidos e China e a requalificação da União Europeia nas relações políticas e econômica internacional. Ainda temos que visar nos países asiáticos e nas suas capacidades econômicas e geopolíticas.

Essa burguesia brasileira e internacional consegue, em partes, controlar o antagonismo social que existe, mas nas eleições não ganhou essa luta, pelo menos não totalmente. Foi o povo trabalhador consciente dessa disputa que elegeu o presidente “Lula 3.0”. Foi o povo consciente dessa brutal clivagem social que levou Lula ao seu terceiro mandato de presidente da República. Ainda assim, a vitória do atual presidente só foi possível devido as crescentes contradições no ceio da própria burguesia. Lula não faz parte da burguesia, essa que utilizou uma ampla gama do judiciário, representado por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, no intuito de prender por 580 dias, não somente Lula da Silva, mas qualquer esperança de uma “luta nacional”. Veja que o recado do imperialismo e colonialismo é claro! Não tenham esperança, pois esse é o resultado! Mesmo assim, ajoelhar-se diante do império é uma opção e a contradição está posta! Não são todos que permitem subjugar-se e nem que na indefinição se jogam aos prantos. Por um instante e claro por algumas ações do governo, há dúvidas: estamos desacorçoados, aos prantos ou estamos em “condicional” ou “prisão domiciliar”? Algo que, em alguns momentos, parece ser a posição de “Lula 3.0”.

Portanto, “Lula 3.0” precisa urgentemente articular seus ministros, alguns com forte flerte com o neoliberalismo, mas é o ônus de construir uma base parlamentar para fazer com que seja criada as condições institucionais, sociais, econômicas e políticas para forçar o capital especulativo ao investimento produtivo. Uma dura, senão impossível missão. A questão dos caminhos do desenvolvimento é complexa e algo que deixamos fragmentado em outros artigos.

Ora, o capitalismo brasileiro não se sustentará sem reprodução material do capital, da ativação das forças produtivos do país, da riqueza nacional drenada para a produção de bens sociais e coletivos, da reprodução do capital a partir da reprodução material. Parece que essa elite monetária do Brasil não entendeu nada do que está se passando com os bancos nos Estados Unidos e na Suíça. Afinal, não é todo local do mundo que a elite financeira tem um presidente do Banco Central para chamar de seu, não é mesmo? Contudo, não é crível acharmos que as pretensões imperialistas, de conflito permanente, não tenham capacidade de enfrentar nossas revoltas. Sim, ele tem e demonstra isso constantemente.  Essa é uma das contradições que pode, como possibilidade, levar a uma mudança de hegemonia. Uma possibilidade conhecida a não ser achamos que o “culto” do império é ingênuo. Apesar de haver muitas indefinições presentes, apesar das incertezas e descréditos, o futuro está no campo das possibilidades, como destaca o filosofo soviético Alexander Cheptulin, afirmando que “a possibilidade, realizando-se, transforma-se em realidade, e é por isso que podemos definir a realidade como possibilidade já realizada e a possibilidade como realidade potencial”. Com isso, é prescindível entendermos que a história de uma nação não se resume ao tempo presente. O desmonte do Estado, na atualidade, é iminente, mas ainda não conclusivo. Conforme Luiz Gonzaga Belluzzo, “a crise que aflige a economia brasileira hoje é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica”.

Não é novidade ou pelo menos não deveria ser que na perspectiva do capitalismo, e Marx categoriza muito bem isso, que para termos crescimento o investimento deve superar o consumo e o crescimento do investimento depende da lucratividade, e o investimento depende de decisões de planejamento do Estado. Ora, desde 2016, com o governo Temer e Bolsonaro, o Brasil estava inserido em uma brutal queda dos investimentos em todas as áreas, só não faltava dinheiro para atender e financiar o mercado especulativo e meia dúzia de famílias da Faria Lima, o dito e estreito mercado nacional. O resultado desses sete anos de políticas neoliberais foi fazer o Brasil sair da posição das dez maiores economias do mundo, privatizar empresas estratégicas de fundamental importância para o desenvolvimento nacional. Os governos neoliberais e de extrema-direita (Temer/Bolsonaro) chancelados pela burguesia nacional colocaram novamente o país no mapa da fome, fez com que 33 milhões de pessoas estejam passando fome e mais milhões na insegurança alimentar, além de perdermos 700 mil brasileiros para o COVID.

O governo Temer e principalmente o desastroso governo de extrema-direita do ex-presidente Bolsonaro, destruiu parte considerável da capacidade produtiva do país e não manteve e não aumentou a capacidade das infraestruturas no Brasil. Todo esse contexto de anos recessivos para o desenvolvimento nacional, sobretudo afetando a população vulnerável, coloca o governo do presidente “Lula 3.0” com obstáculos e desafios enormes, mas que nos permite mostrar alguns caminhos para resolver vários problemas. Vamos ao que pensamos ser urgente e necessário ainda este ano, não obstante, deve-se ponderar que deveria ocorrer no primeiro semestre ainda.

O presidente Lula está focado na ideia de colocar o BNDES para financiar também micros, pequenas e médias empresas com foco na geração de emprego. Esse debate, entre muitos outros, é de fundamental importância. Porém, para explicitar aqui o alerta anteriormente citado trago em questão as ideias de Ignácio Rangel sobre os pactos de poderes e dualidade econômica, pois esses caracterizam um certo arcaísmo das forças produtivas que podem ser barreiras para o desenvolvimento econômico do país. Ninguém questiona ou tem dúvida de que o Brasil precisa urgentemente de um novo marco e formas de industrialização, e o presidente “Lula 3.0” está afirmando de forma clara e assertiva que colocará o Estado brasileiro atuante nesse processo. 

É aqui que pensamos ser o caminho e a saída para o governo. Manter sua base social de apoio coesa e com força política para sustentação do seu governo para quando precisarmos sair às ruas em sua defesa, tão logo vamos precisar. Lula sabe que o Banco Central que comanda a política monetária não atuará com o seu governo na política fiscal. Portanto, ele precisa urgentemente colocar os bancos públicos e chamar os empresários que ainda acreditam e pensam no país para drenar, conforme Rangel, sua capacidade ociosa de investimentos e fazer parceria públicas e privadas na geração de emprego e renda. Algo nada fácil, ver que o empresariado brasileiro tem reproduzido cada vez mais seus lucros no mercado financeiro, na liquidez imobiliária, na fuga de capital, na sonegação fiscal e no juro da dívida (e a SELIC alta é um elemento). Outrora, os juros altos trazem efeito negativos até mesmo para o capital produtivo que amplificam seus ganhos no setor financeiro. O exemplo é a indústria automobilística (e toda sua cadeia produtiva) e o varejo (como foi repercutido pela mídia, por meio das reclamações da Luiza Trajano do Magazine Luiza conta o presidente do BACEN) gritando contra os juros altos.

Investimentos em obras que de fato melhorem a vida do provo trabalhador como: saneamento básico, infraestruturas de transportes, melhorias urbanas, projetos de investimentos pesados em agricultura familiar (máquinas, equipamentos, insumos, genética, etc.) e empresarial com foco em produção e na agroindústria brasileira. É preciso uma ativação do mercado de consumo interno para dinamizar a produção da indústria de bens de capital e bens de consumo. Só tem uma saída para esse processo, usar os fundos nacionais (todos abocanhados, usurpados, esvaziado, em parte, pelo governo Bolsonaro) como o FGTS, FAT, via BNDES, usar o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, parte das reservas internacionais, usar os recursos que não dependem do Banco Central e de arrecadação para forçar o crescimento e consumo e a requalificação das forças produtivas. Contudo, o campo das relações internacionais é fundamental. Ou o governo de agora usa dos instrumentos que lhe cabe urgentemente para gerar emprego, renda e focar um crescimento por demanda para pressionar o Banco Central e mexer nos juros, ou os juros altos serão o tamanho do tombo que o Brasil dará esse ano na sua economia. Uma coisa é certa, o governo tem que ter uma estratégia para lidar com o BACEN e com seu presidente. Só que essa estratégia não pode ser a de esperar o término do mandato do “dito cujo”.

Parece que os dados sobre PIB, inflação, emprego e diminuição do custo de vida divulgados nesse primeiro semestre de 2023, corrobora com as ideias aqui levantadas de que esse é o caminho do atual governo. Um caminho que até aqui é frágil, em um governo que anda na “corda bamba” (das relações políticas), construído castelo de cargas (o arcabouço fiscal do ministro Haddad e, por conseguinte, um bom exemplo de tudo isso) e regime de ventos intensos (geopolítica e geoeconomia) internacionalmente.

Jaguaruna/SC e Florianópolis, 13 de julho de 2023.

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Redação

1 Comentário

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  1. Com a devida vênia , Lula não “ganhou” , Bolsonaro “perdeu” , Lula governa ciente disto.
    Minha opinião.

    Se quisermos ter uma indústria este terá quecser do século atual, temos de sair dos anos 1980.

    A saída no Brasil será pelo Estado, não consigo ver nossos capitalistas enxergando além do trimestre, nem falo de ano.

    Mas também não acho que Estado consiga.

    Sou um pessimista torcendo para estar errado …

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