Câmbio e custo Brasil minam esforços da indústria naval

(Imagens de Cesar Prata e Humberto Rangel, respectivamente. Fotógrafo Pedro Garbellini)
 
JORNAL GGN – Segundo levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o setor naval vem crescendo no Brasil a uma média de 19,5% desde 2004 atingindo cerca de R$ 149,5 bilhões de investimentos no período. O avanço desta indústria, que tinha praticamente desaparecido nos anos 1990, ocorreu granças às encomendas do setor de gás e petróleo, especialmente da Petrobras, e também da política de promoção de conteúdo local. 
 
Mas o cenário ainda não é suficiente para que a indústria brasileira de equipamentos navais e de offshore se fortaleça no país e conquiste novos mercados, isso porque a cadeia não está descolada da realidade nacional, sofrendo os efeitos negativos do câmbio desfavorável e do custo Brasil. Por isso, as empresas de petróleo e os estaleiros no Brasil, estão propensos a adquirir bens de fora do país, por serem mais baratos do que os produtos nacionais. 
 
De acordo com Cersa Prata, vice-presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais e de Offshore (CSEN) da Abimaq, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, de 2003 até 2014 os investimentos da Petrobras em petróleo e gás aumentaram 500%, enquanto que os investimentos das indústrias de máquina, como um todo, cresceram 138%. Por outro lado, os recursos sobre as máquinas específicas de petróleo e gás aumentaram apenas 38% durante este período no país. 
 
Nos anos 1970 e 1980 os navios que saiam dos estaleiros brasileiros tinham mais de 90% de conteúdo local. As empresas nacionais faziam quase tudo, desde caldeira, motores principais e móveis para os navios. “Durante a década de 1990, que para nós foi chamada de década perdia, a economia foi muito ruim e muitas dessas empresas fecharam, outras migraram para outros setores e uma parte menor ficou no setor”, relembrou Prata que participou do 48º Fórum Brasilianas.org “Industria Naval”, realizado na última quinta-feira, em São Paulo.

 
Para ele o descolamento entre o que a Petrobras investiu em relação ao crescimento das indústrias brasileiras de peças navais e offshore ocorre porque produzir no Brasil é caro. Embarcações, equipamentos e maquinários de outros países, em especial asiáticos, são mais baratos e competitivos. Se não fosse a política de conteúdo local mínimo, estabelecido para que a Petrobras contrate obras e equipamentos com cerca de 60% a 65% de mão-de-obra e peças nacionais, o setor naval brasileiro não teria se revitalizado nos últimos quatorze anos.   
 
Em 2012, a Abimaq realizou, junto com BNDES, um estudo para concluir o impacto do chamado custo Brasil. A metodologia foi simples, transferiram hipoteticamente duas empresas competitivas, uma alemã e outra norte-americana, com seus funcionários, grau de produtividade e maquinário para o Brasil. Com isso, descobriram que o produto delas produzido no nosso país teria um custo aumentado de 37%, devido ao peso maior do valor de insumos, de impostos não recuperáveis na cadeia produtiva, impacto dos juros sobre capital de giro, logística deficitária, encargos sociais e trabalhistas, burocracia de custos de regulamentação, custo de investimento e energia.
 
Efeito Corolla 
 
Cesar Prata chamou o ‘fenômeno’ de efeito Corolla. “O carro produzido pela Toyota aqui no Brasil é exatamente igual ao produzido em outros países, com os mesmos robôs e tecnologias. Mas nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, custa 19 mil dólares, na Europa, 22 mil dólares e no Brasil, 38 mil dólares. Esse efeito existe sobre tudo o que é produzido no país, desde telefone celular, até Ipad, e não poderia ser diferente sobre as indústrias brasileiras”, pontuou.
 
Apesar de sua importância para a recuperação da indústria naval, o representante da Abimaq criticou a política de conteúdo local como única ferramenta incentivadora. Para ele, se tivéssemos o câmbio no lugar certo, não falaríamos em conteúdo local. “Segundo cálculos econômicos, o Real está deslocado do centro [ideal] em 30%. Só que os países asiáticos, nossos maiores concorrentes no setor, estão com suas moedas desvalorizadas em relação ao dólar em pelo menos 30%, no caso do Japão e 40% na China”, pontuou. 
 
A Abimaq tem mais de 6.800 associadas, na maioria empresas de pequeno e médio porte que faturam juntas cerca de R$ 80 bilhões por ano. Apesar de todas as intempéries, esse conjunto de firmas exportar cerca de um terço do que produzem. Os principais destinos são América Latina, Estados Unidos e Europa. 
 
“Não conseguimos exportar por causa da nossa competitividade, porque nossos preços são elevados em relação ao praticado internacionalmente. Exportamos por conta da qualidade das máquinas brasileiras que são conhecidas lá fora pela especificidade, enquanto as máquinas americanas e européias são mais genéricas”, explicou Prata. 
 
Já o setor automobilístico, com todos os incentivos que recebe, exportar apenas 5% e emprega apenas metade de número total de trabalhadores que as associadas da Abimaq empregam. “O mais interessante é que as indústrias automobilísticas são multinacionais, remetem lucros para fora. Nossas indústrias não, na grande maioria são brasileiras, pequena e média”, disse. 
 
Outras sugestões de Prata para uma política industrial adequada é a redução da carga tributária e o incentivo à produção de embarcações de apoio no país. Hoje, a arrecadação de impostos sobre tudo o que o Brasil produz está em torno de 36%, quase o dobro da média de carga tributária dos países que compõe o grupo dos BRICs (Rússia 23%; China 20%; Índia 13% e África do Sul 18%). 
 
Os barcos de apoio são equipamentos utilizados para transpontar cargas e pessoas das plataformas até a costa. Hoje existem mais de 400 embarcações desse tipo em operação. De 2009 até 2013 a quantidade de barcos de apoio brasileiros aumentou 23%, de 143 para 176 unidades, em compensação o número de embarcações estrangeiras trabalhando na costa do país cresceu 89%, passando de  136 para 257. Para Cesar Prata esse é um nicho que o Brasil deve investir. Ele lembrou que o setor de construção naval tem dois incentivos no país para construir ou fornecer materiais para plataformas e navios que são o Repetro e REB, regimes tributários especiais que, na verdade, acabam sendo nocivos à indústria nacional, pois induzem as importações prejudicando, portanto, a criação de empregos locais. 
 
Desindustrialização 
 
Há 25 anos o peso da indústria na formação do Produto Interno Bruto (PIB) era de 35%, hoje está em 12%. Prata compreende que é muito cedo para o Brasil se desindustrializar. “Existem países no mundo que reduziram seu setor industrial, mas já estão em fase de exportarem entretenimento, tecnologia, [os Estados Unidos, por exemplo] têm o Vale do Silício, a Disney, tem boas faculdades onde nós mandamos nossos filhos estudarem. Já o Brasil está muito longe dessa realidade para desmontar a sua indústria, de 150 anos, por falta de políticas de governo que estimulem e protejam os empregos” analisou. 
 
Apesar de todo cenário apresentado durante sua fala no fórum Brasilianas.org, o representante da Abimaq acredita que esses números vão melhorar. “Nós estivemos com todos os candidatos [a presidência da república] e todos estão conscientes e comprometidos a buscar melhoras, porque nosso setor naval não está descolado da realidade brasileira. Somos mais um sofrendo as consequências das políticas que estão vigentes”, concluiu. 
 
Reflexos positivos da política de incentivo ao setor
 
Apesar de todos os problemas apresentados por Cesar Prata, não há como negar a importâncias das políticas realizadas para revitalizar especificamente o setor naval e a criação de novos estaleiros no país. 
 
O processo de retomada recente do setor ocorreu a partir de 2003, com as encomendas de plataformas da Petrobras P51 e P52. Além disso foram criados instrumentos legais de incentivos federais, estaduais e municipais, organizado o apoio financeiro a partir do Fundo da Marinha e a política de conteúdo local. 
 
Com todo esse arcabouço legal e financeiro, desde 2004 foram entregues sete navios do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef). No momento são nove estaleiros de grande porte em operação, além de sete em processo de implantação e 29 sondas para o grupo Sete Brasil no portifólio de construção dos sindicatos patronais do setor. Humberto Rangel, diretor de Relações Institucionais e Sustentabilidade do estaleiro Enseada, também presente na mesa de debates do evento, lembrou ainda que 23 dos 50 maiores projetos de offshore do mundo estão no Brasil.
 
Os investimentos totais desde 2004 alcançaram R$ 150 bilhões, com R$ 22,7 bilhões desembolsados pelo Fundo da Marinha Mercante desde 2001. Hoje o setor possui uma carteira com 389 encomendas, sendo que as demandas por equipamentos para exploração e produção de petróleo em águas profundas prosseguirão por mais 20 anos, pelo menos.     
 
Para Rangel, os principais fatores que devem ser observados para consolidar o setor hoje é a contínua qualificação da mão de obra, investimentos em melhoria de infraestrutura, inovação tecnológica além da adequação da política de conteúdo local, que está perto de completar dez anos. No tocante a inovação tecnológica, Rangel destacou a importância dos acordos de transferência de tecnologia com empresas japonesas, com décadas de experiência ininterruptas no setor, a exemplo do contrato realizado entre o estaleiro Enseada e a Kawasaki.  
 
O empreendimento, situado no município baiano de Maragogipe e constituído em 2010, é um dos maiores investimentos privados que a Bahia recebeu nos últimos dez anos, no total de R$ 2,7 bilhões. Sua carteira de encomendas que deverão ser entregues até 2020 é de US$ 6,5 bilhões. 
 
Hoje o Enseada responde pela geração de 11 mil empregos diretos. O setor naval como um todo emprega diretamente no Brasil 82 mil trabalhadores atualmente. Veja a seguir o quadro de evolução de empregos nos últimos anos dentro da cadeia produtiva naval.
 
 
 

 

 

Redação

14 Comentários

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  1. Nada é suficiente

    Porque pois mais esforços que se faça como diminuir custo de energia,isenção tributaria , desoneração de folha de pagamento e garantia de compra de sua produção é suficiente para dar competitividade a produção nacional?

    Efeito Corola !Poderiam explicar também o efeito Camaçari ou Gravataí ou zona franca de Manaus, que tem incentivo fiscal ,para suas industrias locais mas que não aparecem nos preços finais aplicados no varejo ?

  2. Quando o blog de Nassif se inspira na grande mídia

    E tome-lhe pessimismo e o tal copo meio vazio.

    No início a critica, ao final os dados:

    Hoje o Enseada responde pela geração de 11 mil empregos diretos. O setor naval como um todo emprega diretamente no Brasil 82 milhões de trabalhadores atualmente. Veja a seguir o quadro de evolução de empregos nos últimos anos dentro da cadeia produtiva naval.  

    Os slideshare são imperdíveis

    Aliás, é muito difícil entender Nassif, quando há 4 dias publicou o link:

    Brasil contará com uma indústria naval avançada em até dez anos”

    Essa falta de linha editorial está provocando a debandada de comentaristas.

    1. “Essa falta de linha

      “Essa falta de linha editorial está provocando a debandada de comentaristas.”

      Assis fazendo petice, ameacando, senão voltar a proteger o governo nós vamos embora.

      1. AL. Para você não ficar na ignorância

        Felipe Pena, professor de Jornalismo na Universidade Federal Fluminense, assim define o que é linha editorial:

         “a lógica pela qual a empresa jornalística enxerga o mundo; ela indica seus valores, aponta seus paradigmas e influencia decisivamente na construção de sua mensagem”

    2. O post do Nassif  parece algo

      O post do Nassif  parece algo resultante dos ditados populares: “olho no padre e olho na missa”, “meia pedra, meio tijolo, “é preciso agradar gregos e troianos” e por aí vai. Dá para entender, né? Mas a compreensão mais adequada é a advertência de  Delfim Neto, há uns trinta anos atrás e, que eu me lembre, é mais ou menos assim: “jornalismo econômico não é jornalismo, nem economia”.  Tá explicado?

    3. debandada

      A  debandada que o Assis se refere deve ser dos adoradores do PT, mas tem o blog do Paulo Henrique Amorim que os receberá de braços abertos, um blog com nenhum teor crítico ao poder  apenas uma disputa entre os fanáticos do PT de quem escreve a frase mais engraçada e crítica mas somente contra a oposição.

    4. Tem algo errado neste slide

      Tem algo errado neste slide ou na sua interpretação, de acordo com o IPEA a População Economicamente Ativa em 2012 era de 96 milhoes, se destes, 82 milhoes trabalham na Industria Naval sobram 14 milhoes para todo o resto.

      Algo não esta certo.

  3. O cara que tem mercado

    O cara que tem mercado grarantido e Petroiras tá obrigada a apagar o quanto quiserem, ainda fica fazendo beicinho na mídia

  4.  o que importa para o país é

     o que importa para o país é a criação de empregos e a possibilidade de manter a indústria naval viva.

     

  5. Nassif relembrando seus tempos de Folha!

    Época de eleição o gene mineiro do  Nassif pesa muito KK!!

    Olha aqui o custo Brasil:

    Como é possível um carro fabricado no Brasil ser vendido, com lucro, por menos da metade do preço em outro país?

    A Honda lança no México o novo City. O sedan brasileiro, produzido na fábrica da Honda localizada em Sumaré – SP, com o preço equivalente a menos da metade do cobrado no Brasil.

    Por lá, a versão de entrada será oferecida por 197 mil pesos mexicanos, o que equivale a cerca de R$ 25.800. No Brasil, o City LX com câmbio manual (versão de entrada) que não conta com freios ABS, tem preço sugerido de R$ 56.210.

    fonte:http://carplace.virgula.uol.com.br/honda-city-brasileiro-e-lancado-no-mexico-com-preco-inicial-de-r-25-800-como-e-possivel/

     

     

  6. Algumas análises são

    Algumas análises são engraçadas, na minha opinião, a matéria deveria ser, em tão curto tempo o Brasil conseguiu colocar de pé uma indústria naval que praticamente não existia. No entanto, vem falar que o país ainda não está em condições de competir com o mercado internacional. Evidente que não está, a indústria naval foi, diga-se aqui, recriada pela decisão do presidente Lula, de fabricar no país os navios, plataformas e sondas, necessários para exploração e distribuição do petróleo brasileiro, para ganhar o mercado internacional é necessário maturidade, e maturidade exige tempo, tempo para melhorar sua eficiência, para encontrar  meios de baratear seus insumos, logística e para tornar nossa jovem indústria naval, competitiva no mercado internacional.
     

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