Como agir diante dos simulacros políticos?, por Fran Alavina

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Foto: Heloísa Ballarini/SECOM-PMSP

Do Outras Palavras

Como agir diante dos simulacros políticos?

Alarde em torno da candidatura de Dória empresta-lhe suposta seriedade. Para enfrentar este fenômeno, não se pode recorrer aos métodos tradicionais da polêmica política

Por Fran Alavina

Este artigo sobre João Dória como fenômeno político é precedido por outros, nos quais tentamos estabelecer uma teia de compreensão deste inusitado fenômeno político-midiático. Desde o primeiro – “Eleições em tempo de neobarroco: um simulacro em São Paulo” – apontávamos o caráter farsesco do então candidato a prefeito, bem antes que se fantasiasse de gari. Sua primeira fantasia foi estabelecida pela publicidade eleitoral quando o apresentou como trabalhador. Mais recentemente – em “Dória: a política sob a forma do ridículo” – apontávamos a gênese de um governo que se baseia na imagem, ou seja, na política como gestão de imagens, de qualquer tipo: das absurdas às ridículas. Governar torna-se então uma manipulação de visibilidades midiáticas e virtuais.

Agora, porém, esta política dos simulacros chega a um novo patamar. Talvez, este simulacro político tenha alcançado o começo do êxito que quisera desde o princípio. Trata-se das recentes polêmicas sobre a pretensa candidatura de Dória à presidência da República. Que um simulacro tenha ganhado o centro das atenções e dos debates políticos, isto é por si só um mau sinal. Significa que a mentira institucionalizada alcançou o posto que sempre almejou: aquele da seriedade. Quando uma farsa se torna o centro do debate, estamos em um terreno escorregadio, no qual nossas posições podem ser facilmente movidas contra nós.

Ademais, quando uma farsa tem posição central, ela reveste-se do seu contrário: passa a ocupar o lugar do real. Ou seja, seu desmascaramento lhe empresta o índice de veracidade que ela não teria se não ocupasse o centro das discussões, ainda que de modo negativo. Tal ocorre agora: a polêmica em torno da candidatura de Dória empresta-lhe a seriedade que ele não teria se continuasse a operar como um simples simulacro político dos paulistanos. O resultado é que como uma farsa nunca pode ser verdadeira fica-se a discutir, com ar de certeza, apenas imagens de coisas sem um fundo certo de verdade: simulacro de simulacros. O que agora se discute não é uma candidatura já existente, mas uma possível. Isto é, não algo real, mas virtual.

Na torrente política dos simulacros, arraste-se para longe do alcance dos olhos as divisas limites entre o real e o simulado, entre a coisa e sua imagem, entre o feito e o fingindo. Isto demonstra que a estratégia imagética e a gestão da visibilidade adotada por Dória não é algo superficial, como poderia se supor de uma farsa qualquer. Sua profundidade está na própria forma de sensibilidade no presente: que se move por uma abolição da diferença entre o verdadeiro e o falso, o real e o virtual. Por isso, enquanto, por exemplo, inventa-se um caçador de notícias falsas para combater a tal pós-verdade, incentiva-se um tipo de comportamento que prima pela imagem fingida da felicidade, por uma ostentação de uma vida cada vez menos autêntica. Paradoxos de um tempo de sentido histórico que diz querer a verdade, mas se deleita com o fingimento.

Nesse sentido, uma oposição tradicional ao simulacro, daquele tipo que se contenta em apontar e denunciar a não verdade, irá surtir pouco, ou nenhum efeito. Esta oposição tradicional e suas armadilhas exemplificam-se no caso do recente artigo do Professor André Singer: “Candidatura de Dória é uma aventura desesperada”.

Enquanto denunciava a farsa e o absurdo de uma possível candidatura, enfrentava-se o simulacro como se uma realidade fosse. A artilharia concreta de Singer por mirar uma farsa e se mover no campo do inimigo, ou seja, no amplo espaço da mídia hegemônica e sua fábrica de simulacros, deu o ar de seriedade e de realidade para uma eventual candidatura de um simulacro. Realizou, pois, o cumprimento da potência latente de todo simulacro: ocupar o lugar do real e ser tratado como se fosse uma coisa concreta, dotada de veracidade. No momento em que o trouxe à baila, tornou a farsa real.

A resposta de Dória, ainda que provando realmente o que havia sido apontado por Singer, fez deste também um simulacro: o reduziu à imagem de um oponente político menor e fora do poder institucionalizado que brada contra um homem de sucesso. Portanto, reduzindo-o ao jogo opositivo das imagens do despeitado e do exitoso. Possuindo uma imagem de maior alcance que a de Singer, Dória o rebateu com sua arma própria: simulacros, pois, sabe que não se trata mais de operar opondo imagens contra dados reais, mas de imagens contra imagens. Trata-se daquele tipo de disputa em que um dos oponentes ainda que possua a boa estratégia não vence completamente, posto encontra-se no terreno do inimigo, nunca o retirando de seu próprio círculo.

Como agir ante um simulacro, mais particularmente: como agir ante os novos simulacros políticos? Não há uma resposta pronta, pois como dissemos: estamos em terreno escorregadio. Contudo, o primeiro passo será ter claro as dubiedades e as armadilhas de enfrentarmos os novos simulacros políticos valendo-nos das formas tradicionais. Subestimar este novo tipo de simulacro será, além de míope, abrir espaços para novos simulacros, mesmo quando já se combate os já estabelecidos. O caso do apresentador global que deu entrevista no mesmo veículo no qual Dória e Singer se “enfrentaram”, dizendo querer que sua geração “ocupe o lugar político que lhe cabe”, é a prova inconteste do insucesso desta miopia.

Fran Alavina
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP. Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP.
 
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Redação

11 Comentários

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  1. como….

    Não construimos realmente nada nestes 30 anos.! Nossa farsa de democracia não tem como enfrentar um factóide como Dória? O homem da vasoura e roupa de gari sumiu depois da 1.a chuva ( e de outono, não de verão) que parou a cidade de São Paulo. Parou a cidade mas não o rodízio e sua indústria de multas. O rodízio pôde ser parado para combater a Greve Geral. Dória, de Cracolândia traficando e viciando milhares,  à mão armada, em pena luz do dia a poucos metros da Prefeitura, em baixo da janela de 8 sedes de Delegacias? Se um país inteiro não consegue ter argumentos contra um impostor inventado nesta farsa de representação popular que temos, realmente estamos muito pior que pensamos.  

    1. É que você não combate um
      É que você não combate um criminoso com argumentos, o criminoso não vai jamais admitir que ele está errado. Um criminoso se combate com o uso da força.

    2. Sempre crítico.

      Ô Zé,

      sempre crítico, ácido, destruidor…

      Cê não viu a moça explicar sobre a pós-verdade?

      Viver como pedra já era.

      Vamos construir.

      A realidade é dura, você sempre nos lembra disso.

      Chegou a hora de aprender a segurar a onda!

      1. sempre….

        “…crítico, ácido, destruidor…”, principalmente porque sei qie as soluções no nosso Brasil são muito simples. E começam por você ou eu ou qualquer cidadão comandar nossas vidas. Quanto mais tivermos liberdade para isto melhor será nosso país. Não precisamos de Salvadores da Pátria ou Factóides. Quem mais pode e deve defender o povo brasileiro é o próprio povo brasileiro. Mas então para que sustentar tantas elites de tantas cores e ideologias?  

  2. Acredito que o melhor seria

    Acredito que o melhor seria ignorá-lo por competo, independente dos factóides que produza. Pessoas como doria,  não gostam de ser ignorada, porém,  existe um probleminha, é a mídia sempre colocando-o em evidência. 

  3. Acabar com essa alegria dele

    Acabar com essa alegria dele ´s simples:

     

    fiscalizar o horarios em que ele diz que trabalha de gari, e colocar na net, que horas chegou atpe que horas ficou?

    Isso é a mesma tatica com que desmacaram aqueles patetas que se acorrentaram, falaram que iam ficar sem beber e comer, foi só ficarem fiscalizando que desistiram rapidinho, vamos assistir o joão trabalhar gente………

  4. Sim, tudo é imagem, porém…

    Dória já não enfrenta uma maré tão fácil. Após assumir o cargo político de prefeito, ficou mais difícil se dizer apolítico (coisa que, por sinal, não existe). Dória começou a entregar o jogo com a marketice patética do 99/Uber tentando furar a greve (que de acordo com a patota dele, não existiu), seus comentários sobre os protestos contra a “reforma” (destruidora) da previdência pública (logo, nossa, construída com o NOSSO dinheiro, do NOSSO TRABALHO!), e ainda quis convocar manifestações a favor de Temer! Dória já mostrou que tem lado, e esse lado está sendo rejeitado por já quase 90% dos brasileiros!!!!

     

    (Opinião minha: com esses últimos números, se os donos da Globo e seus colegas perceberem que não tem jeito, eles abandonam o barco pra se safar com a opinião pública. A única coisa que a Globo teme é o povo, e sempre recuaram, nunca desistiram, quando foi hostilizada na rua por associação com regimes totalitários golpistas. Chegando nesse momento, vai ser um festival de vira casacas. De repente, vai ser todo mundo anti Temer, desde o golpe, que de repente, finalmente, vai até ganhar o nome verdadeiro: golpe! Segundo passo vai ser negar o passado veementemente, se dizendo defensora da democracia, contra corrupção, contra monopólio das comunicações, blá, blá, blá… Já tivemos o primeiro a fazer isso, que foi o Renan. Quem será o próximo?).

  5. Parece, Mas Não É

    Perfeito, não se pode dar-lhe doses de seriedade, portanto, deve ser combatido com a indiferença pelos “sérios”, que devem ignora-lo, esquece-lo, por mais que sintam-se compelidos a um tratado para explicar ou combater a figura, e pela assertividade irônica (nunca a contrariedade explícita) humorada e hilária, pelos “não sérios” e os sérios que conseguirem agir como “não sérios” de vez em quando.

    Exemplificando, Singer e companhia (os “sérios”) devem esquecer o “John trabalhador”, para esses ele não pode existir, senão é mais água para mover o seu moinho, por melhor que seja a crítica.  PHA e companhia (os “não sérios”), perfeitos para enfrentarem o “gestor não político”, que deve ser rebatido a cada investida marqueteira com o esculacho, a piada e a hilaridade, assertivas, ou seja quem conclui pela seriedade critica implícitas no assunto é o receptor, não o emissor.

    É plantar a semente da seriedade através da não seriedade, para que a rejeição critica nasça e cresça na cabeça do receptor e não se tente lá enfia-la de forma direta, pois será rejeitada. Está ai o Trump, para não deixar ninguém em dúvida quanto a opção, mais destinada a políticos reais e não aparentes como o “nosso” Prefake Denorex (“parece, mas não é”), que até na aparência engana, um sessentão, como quarentão e novidade. 

  6. Esse João Doria é meio burro.

    Esse João Doria é meio burro. Esperto mesmo é o Alckmin. Vê se ele fica dando declarações estapafúrdias por aí. Já é governador há não sei quantos anos só na base desse comportamento insosso. O comportamento de Doria é falsamente esperto, pois é algo de alto risco, e hoje se ganha, amanhã se perde. Não deu nem quatro meses e esse cara já queimou todas as fichas. Não sei se a melhor tática é ignorar ou atacar, só sei que, ao que parece, Doria é somente um fenômeno paulista. E o que se deve fazer é fortalecer o campo popular, e aí vai o trabalho lento mesmo dos argumentos, do convenciiento político, que é o único que presta. Não para que esse campo fique mais inteligente e melhore do ponto de vista eleitoral, mas para que conheça a força que tem.

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