O jesuíta que teria sido delatado por Bergoglio na ditadura

Do O Globo

Jesuíta que teria sido delatado por Papa queimou prova

Franz Jalics confidenciou a amigo que esta foi a única forma de esquecer o trauma da tortura

GRAÇA MAGALHÃES-RUETHER

BERLIM — Enquanto o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa na última quarta-feira, um dos seus antigos críticos, o também jesuíta Franz Jalics, que teria sido denunciado à ditadura militar nos anos 1970, quando era professor de Teologia Fundamental e Dogmática em Buenos Aires, está incomunicável, segundo seu porta-voz até o dia 10 de maio. Mas o motivo do desaparecimento súbito do religioso, de 85 anos de idade, não foi a eleição do cardeal Bergoglio como Papa, mas sim um retiro espiritual na Hungria, que já estava programado antes da eleição de seu ex-amigo Pontífice.

Franz Jalics emigrou para a Argentina quando ainda era jovem. Pouco depois do golpe da junta militar, Jalics e um jesuíta argentino, Orlando Yorio, foram sequestrados e torturados durante cinco meses. Depois de libertados, teriam acusado o então chefe provincial dos jesuítas na Argentina, Bergoglio, de tê-los entregue à ditadura ao expulsá-los da ordem em reação à militância política dos dois jesuítas nas favelas de Buenos Aires.

Vítima ou protegido?

Yorio não pode mais falar porque morreu no ano 2000. Já Jalics teria perdoado Bergoglio e queimado as provas, conforme revelou um colega dele da Casa Gries, o centro de retiro espiritual dos jesuítas alemães, que fica na cidade de Wilhelmsthal, na Baviera. O padre Jalics teria dito ao colega que só com a queima dos documentos e o perdão a Bergoglio, com quem ainda tem contato, teria tido condições de esquecer o trauma da tortura nos anos 1970.

O colega não sabe dizer, no entanto, se Jalics interrompeu seu retiro na Hungria para entrar em contato com o novo Pontífice, e parabenizá-lo pela eleição.

Libertado pela ditadura argentina em 1978, Franz Jalics veio para a Alemanha, onde fundou o centro de exercícios espirituais Casa Gries. Desde que o cardeal Bergoglio foi eleito Papa e o assunto começou a ser divulgado pela mídia internacional, os jesuítas alemães – que conhecem bem Jalics – evitam fazer comentários sobre o caso.

Indagado pelo GLOBO se Jalics foi vítima ou protegido de Bergoglio – já que uma das versões conta que o então chefe dos jesuítas da Argentina teria avisado seus colegas da ameaça e ajudado também na fuga para a Europa – o porta voz do centro, fundado por Jalics há mais de 28 anos, disse:

– Nós não podemos fazer comentários. Aguarde o retorno do padre Franz Jalics, que é o único que pode contar a verdade.

Programa de retiro e contemplação

Também os historiadores alemães estão divididos sobre o papel do novo Papa na ditadura argentina. Segundo o historiador Nikolaus Werz, da Universidade de Rostock, a Igreja argentina era dividida em três grupos: um apoiava o regime, outro reagia com resistência, como o bispo Enrique Angelelli – que morreu em um misterioso desastre automobilístico em 1976 —, enquanto o terceiro, do qual fazia parte a maioria, inclusive o futuro Papa, silenciava sobre os crimes da ditadura.

Franz Jalics nasceu na Hungria, em 1927. Durante a Segunda Guerra Mundial, onde lutou como soldado, embora fosse ainda muito jovem, ao ver as cidades europeias destruídas pelas bombas ele tomou a decisão de ser jesuíta. Autor de três livros sobre reflexão espiritual, depois da experiência como professor de Teologia e militante nas favelas de Buenos Aires passou a dedicar-se “ao alimento espiritual dos famintos”, como chama o seu programa de retiro e contemplação.

Luis Nassif

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