Obrigado, PSDB

 

Obrigado, PSDB 


Sempre estudei na escola pública de São Paulo.

Tenho vinte e cinco anos e um amigo escreve para mim, pois sou “analfabeto funcional”.

Várias vezes tentei aprender.

Mas na escola não precisava se esforçar.

Era só comparecer.

Às vezes, nem isso.

Aparecia duas vezes em janeiro. Recuperação. E tudo se resolvia.

Obrigado, PSDB.

 

 

“Aprovação automática” é o nome de passar sem saber.

A gente é expulsa para o ano seguinte.

O governo quer fazer economia às nossas custas.

Diz que fazer de novo a mesma série é oneroso.

Não sei não. Desconfio que não adiantou muito eu ter ido todos aqueles dias da minha vida.

Tinha semana que a maioria dos professores faltava.

Quando você vai ver já é sexta-feira. A semana tinha acabado e aula, nada.

Obrigado, PSDB.

 

 

Terminei o ensino médio há três anos.

Este ano entrei numa dessas faculdades que a galera chama de caça-níqueis.

Foi engraçado. Acompanhei um colega que procurava informação de um curso.

O sujeito da portaria me pediu um documento.

Achava que era para eu poder entrar no prédio.

No momento em que ele devolveu, falou que eu estava matriculado.

O nome do curso era esquisito, mas acabei gostando da ideia.

Obrigado, PSDB.

 

 

Isso faz uns meses, mas o mês passado fiquei aborrecido.

O professor me chamou a atenção.

Eu respondi que trabalhava e não podia fazer o que ele pedia.

Ele disse que no trabalho eu dava satisfações para o meu chefe.

Mas na faculdade eu devia fazer as tarefas solicitadas.

Que os outros colegas também trabalhavam e mesmo assim fariam.

Ainda veio dizer que “trabalhar não é pecado”.

Obrigado, PSDB.

 

 

Mas esse professor é o único que fica pegando no pé da gente.

A maioria não está se importando muito se aprendemos ou não.

O “Exigente” diz que é preciso ter mérito.

Que nós fomos acostumados a “passar de ano sem merecimento”.

Nisso ele está certo.

Porém é tarde para vir cobrar da gente uma coisa dessas.

Tantos anos sem ser cobrado de nada e de repente ele vem querer tirar toda a diferença.

Obrigado, PSDB.

 

 

A cara de desânimo dos outros mestres é evidente.

Eu nem desconfio porque eles ficam assim.

Alguns dizem que eles ganham pouco.

Talvez seja isso mesmo. Vivi ouvindo todo mundo dizer que professor ganha pouco.

Desde o começo quando entrei no fundamental. No ensino médio piorou um pouco mais.

Fingia-se de lado a lado que estávamos aprendendo.

Mas os professores falavam que senão aprovassem todos não ganhariam um tal de “bônus”.

Obrigado, PSDB.

 

 

Esse último mês foi difícil.

Os alunos repetiam para os professores que pagavam e então tinham o direito de ser aprovados.

Eu mesmo acabei reproduzindo essa ideia e gritava: “EU TÔ PAGANDOOOOOO.”

Aí veio o “Exigente” e disse que nós tínhamos direito “à prestação de serviços educacionais”.

Não poderíamos simplesmente querer ordenar a nossa promoção.

A galera ficou alvoroçada, mas quieta. No fundo, ela queria apenas matar aula.

O “Exigente” ainda disse que era preciso ter educação e não tratar s pessoas de forma desrespeitosa.

Obrigado, PSDB.

 

 

Ontem resolvi escrever essa carta.

Mas não consegui sair da primeira linha.

Eis que me surge o “Exigente” e fica conversando comigo por mais de três horas.

No início achei que ele ia me dar uma bronca.

Ele só perguntou se eu estava bem e se precisava de alguma coisa.

Rapaz, isso me desarmou. Dialogamos sobre tudo que é assunto.

Ele acabou escrevendo para mim esta história. Espero que entendam o recado.

Obrigado, PSDB.

 

 

Por ter passado por suas escolas e ter aprendido tão pouco.

Por ter perdido tempo com tantas aulas sem profundidade e esperança.

Por fazer um plano deliberado para eu ser responsabilizado pela formação distorcida que me ofereceu.

Por dizer aos quatro cantos que o ensino em São Paulo é excelente.

Por mentir descaradamente na propaganda na televisão.

Por deixar marcas profundas de desconhecimento no meu trajeto escolar.

Por abusar inúmeras vezes das crianças que de boa fé vão à escola acreditando que lá vão aprender.

Obrigado, PSDB. Sou obrigado a pedir para alguém escrever por mim, como sou obrigado a carregar para cima e para baixo aquelas caixas pesadas todos os dias lá no trabalho.

 

 

Mas vai chegar um dia, me disse o “Exigente”, que eu vou poder me livrar das caixas pesadas e serei capaz de suportar a caneta e escrever minha própria história.

Aí vou aproveitar e me livrar também de você, PSDB, que tanto me obrigou a ficar marcando passo em minha vida.

Não serei mais obrigado a amargar tantas agruras.

Terei conquistado dignidade e autonomia.

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador