Desafios para a interiorização da saúde

A Organização Mundial de Saúde recomenda a proporção de um médico para cada mil habitantes. No Brasil, os 357.015 médicos ativos inscritos no Conselho Federal de Medicina estão muito mal distribuídos: na Região Norte há um profissional para cada 872 habitantes; no Sudeste, um para cada 358 habitantes.

No Estado de São Paulo, em um quarto de século o aumento do número de médicos foi o dobro do crescimento populacional. Havia 1,06 médico/1.000 habitantes em 1980, passando a 2,25 médicos/1.000 habitantes em 2006. Na capital paulista há 2,3 médicos/1.000 habitantes. O município de Botucatu, onde fica a escola médica da Universidade Estadual Paulista (UNESP), tem a maior concentração de médicos do Brasil: 6,1 profissionais/1.000 habitantes.

Aparentemente, os salários elevados para contratação emergencial – às vezes com moradia incluída no pacote – oferecidos por várias prefeituras até atraem os médicos, mas não são o bastante para que eles se fixem de mala e cuia no interior. O que falta, então?

É fato que em diversas localidades, sobretudo pantaneiras e amazônicas, pesam a menor disponibilidade de recursos tecnológicos em muitos hospitais, a ausência de Internet banda larga, os problemas de deslocamento, a distância dos familiares e amigos e a falta de opções de culturais e de lazer. Isso faz com que muitos profissionais tenham receio do isolamento e da sobrecarga emocional e de trabalho.

A disparidade regional de recursos tecnológicos na área médica fica evidente nos dados atualizados dos Cadernos de Informação de Saúde do Governo Federal. No Sudeste há duas vezes mais aparelhos de ressonância magnética e tomógrafos computadorizados e quase três vezes mais aparelhos de raios-X para cada mil habitantes do que na Região Norte. Portanto, os profissionais com aptidão para realizar transplantes de órgãos, diagnósticos por imagem, cirurgias cardíacas ou outros procedimentos que dependem de alta tecnologia acabam por permanecer nas áreas urbanas do Sul e Sudeste. Esse panorama só será revertido se nossos governantes tiverem espírito genuinamente empreendedor e arrojado para disseminar a banda larga, os programas de diagnóstico e discussão de casos por Telemedicina e os centros de excelência para assistência, ensino e pesquisa na área da saúde.

Cabe lembrar que a má distribuição geográfica não se restringe aos médicos. No Norte do Brasil há carência também de fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A proporção de psicólogos atuantes no SUS em relação ao total de habitantes daquela região é um terço da encontrada no Sul e Sudeste do Brasil.

Em setembro passado, o Ministério da Saúde designou uma comissão encarregada de elaborar a proposta de um plano de carreira no SUS para atrair ao interior do País mais recursos humanos na área de saúde. A medida é muito bem vinda, pois a perspectiva de um piso salarial digno, de estabilidade na função pública e de promoções semelhantes às da magistratura vem de encontro aos anseios dos profissionais.

Por fim, é necessário aprimorar o espírito social e solidário do ensino médico. Durante a graduação, muitos alunos são incentivados pelos familiares e mesmo por alguns docentes a se direcionarem para especialidades cirúrgicas ou ligadas à estética, nas quais a remuneração é melhor. Isso tem se refletido na procura cada vez maior pelos programas de residência médica em Cirurgia Plástica e Dermatologia, enquanto sobram vagas nas áreas de Clínica Médica e Pediatria.

Nesse contexto, a experiência acadêmica de interiorização da Medicina fica restrita a um breve período de férias, por meio do engajamento voluntário no Projeto Rondon. Além disso, ao contrário de outros países o Brasil não exige dos recém-formados das universidades públicas o cumprimento de um ano social para prestar serviços comunitários mediante recebimento de bolsa de aprimoramento de estudos. Perdem-se oportunidades preciosas de despertar nos jovens o amor pelo povo e a vocação para a prática generalista nas áreas carentes de assistência médica.

Esse talvez seja o maior desafio para assegurar a interiorização da saúde, pois quem não tem o Brasil enraizado no coração não se dispõe a mudar os destinos do coração do País.

 

Dra. Aracy P. S. Balbani é otorrinolaringologista, Doutora em Medicina pela USP. CRM-SP 81.725

 

Luis Nassif

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