Sobre ONGs e ONGs

Por Alberto Manuel Ruchell Filho 

Desde o nascimento das primeiras Ongs no Brasil, muita gente faz campanha contra elas. Lembro-me de matérias de página inteira no Estadão, denunciando um modelo que pode ser ideal para solucionar alguns dos nossos mais sérios problemas sociais.  

Naqueles tempos, obvio, com as editorias encontravam uma forma de ligar as Ongs aos Movimentos Sociais. Seria de se esperar. Para o Estadão, o Satanás, claro, também tinha uma Ong.

E, mesmo assim, elas proliferaram, tornaram-se um modismo, ficou chique fazer parte de alguma delas. Eu mesmo, procurando minha turma, fui a várias reuniões regadas a chá com docinhos onde senhoras com cinco ou seis sobrenomes falavam sobre modelos de maridos.

Apareceram, comentaristas e articulistas especializados. Grandes empresas e bancos descobriram a importância de ligarem suas imagens às iniciativas sócio-ambientais.

Apareceram prêmios e instituições avaliadoras desta ou daquela obra social. Mas, pouca gente estava atenta ao caminho percorrido pelas grandes somas de dinheiro envolvido. Todos achavam lindo aquele trabalho de Robin Hood, embora sem procurar saber se o romântico herói, no caso, tinha caráter.

Na época, capacitava educadores na área de Educação pela Arte na Zona Norte de São Paulo., e muitos equipamentos sociais contavam com o auxílio e recursos de instituições deste tipo. E elas, realmente ajudavam. Na verdade, para não esperar pelos Pitta ou Martas da vida, o nosso trabalho dependia das Ongs.

Porém, seu resultado dependia mais ainda das creches (assistidas pelas Ongs) aplicarem os recursos com honestidade e proficiência.

Interessado, fui freqüentar um curso sobre o Terceiro Setor na FGV, assisti às palestras do Merengi, para aprender melhor como se fazer a coisa, conversei diretamente com gestores das mais renomadas instituições.

E aprendi que ali também existiam grandes “pegadinhas”, seria a história do joio e do trigo. As Ongs podiam ser sérias ou nem tanto.

No meu caso, tinha eu uma vantagem. No dia a dia das minhas atividades, ao prestar meu serviço voluntário convivendo com as pessoas da área e nas creches, podia selecionar as mais corretas. E haviam poucas. As doações eram desviadas.

No tocante aos doadores, havia um problema e uma diferença.

Financiando alguns dos projetos pontuais, já existiam “atravessadores” ganhando seus 10% de comissão e, ainda pior, liberadas as verbas, nem empresas ou pessoas físicas, enviavam um representante para cobrar os resultados. Era um custo contar com a presença deles na hora de mostrar o trabalho feito.

Num lodaçal de vaidades, sem informações concretas do resultado do investimento dos recursos, era o fator emocional que, nublando e obstruindo as eventuais necessidades de avaliação, definia tudo.

Donos, diretores de empresas e pessoas queriam mesmo era “comprar um terreninho no céu” Mas, depois de “despacharem” suas contribuições, nunca mais se interessavam por saber como era feita sua aplicação. Ou melhor, nem queriam saber saber se a corretora do terreno a ser comprado tinha endereço, ou se o terreno tinha seus papéis em ordem. Esta, era, foi e será, a questão mais séria.

É um abismo.

De um lado, o doador, sensibilizado, mas inconsciente, alheio, até por indesculpável comodidade e, do outro, a Ong (ou Instituição) sabendo muito bem do fato e explorando o sentimento de culpa dos doadores, seu medo da Ira Divina. Doadores,

Meio que Pilatos, aqui gente doando sem sujar as mãos e lá, instituições de méritos questionáveis fazendo uso das doações para pagar, por exemplo, altos salários a seus funcionários mais amigos.

(Para que não pareça que estou destilando unicamente veneno, para quem se interessar, como exemplo, sugiro informar-se sobre a Fundação Schwab focada na promoção da prática do empreendedorismo social a nível nacional global. O trabalho deles, premiar as boas idéias sem envolver dinheiro, mas, promovendo os lincks necessários para torná-las realidade, me parece uma boa idéia. No mínimo, pedagogicamente correta.)

Foram anos, vivenciando estes assuntos e, a cada dia que passava, mais Ongs surgiam. E mais Ongs eram denunciadas como sendo armadilhas para os bem intencionados e incautos compradores de terrenos vizinhos dos santos mais prestigiados pela turma lá de cima.

E para estas, as mais misteriosas, que eu tentava ajudar, com segundas intenções e querendo moralizar um pouco a coisa, haveria uma solução:

Empresas de Consultoria e Auditoria atuando junto a elas.

Mas quem disse que alguém queria financiar, por exemplo, a impressão dos relatórios?

Ouvi sempre a mesma coisa “Ninguém lê relatório e, com o preço da impressão e envio deles, poderemos comprar mais material e alimentação para nossas crianças.”

Na região Serrana do Rio, muitas Ongs e nomes ligados a elas, estão ajudando em várias atividades, outras, pelo jeito, apareceram para “aparecer”.

Hoje, minha experiência me obriga a lembrar aos doadores interessados:

Aplicar e investir em causas sociais, eu disse “aplicar e investir em causas sociais”, não quer dizer aplicar a fundo perdido! Quer dizer acompanhar com responsabilidade o caminho de sua doação, averiguar a competência e honestidade de quem vai direcionar e utilizar o donativo, e se possível, exigir relatórios e prestação de contas. Se não for assim, se não nos interessarmos por ele, este “fundo”, provavelmente, estará perdido mesmo.

Assim como estão perdidos, para sempre e no meio do barro, os documentos, rgs e certidões de nascimento de tanta gente que ficou viva, mas que, por meses, vai sentir-se morta, sem alma, totalmente desprovida de identidade ou referências de vida, sem saber quem é ou será no futuro.

Gente que, sem poder fazer nada, viu sua vida escorrendo por entre os dedos das mãos e a lama no momento de, escorregando, subir pelo barranco para escapar das correntes.

Pessoas que, salvas, olhando pra trás, viram seus parentes agarrados a um pedaço de madeira sumindo noite à dentro, enxurrada a baixo pela curva do rio. Este “fundo” de gente, que depois da tragédia tornou-se do dia pra noite a raspa das nossas camadas sociais. Gente sem emprego, nome, parentes, teto ou comida, mas,  que amanhã poderá mudar de endereço.

Melhor será que no fundo, desde logo, sem culpas e conscientes de nosso papel, estejamos investindo no futuro de cada um deles, De repente, serão exatamente eles nossos futuros vizinhos.

O caso é simples, “meu distinto passageiro”, investindo neles, por lei natural você estará investindo em si mesmo. Tudo porque, para o bem ou para o mal, o nosso (?) planeta, queiramos ou não, estará cada vez menor.

E de nada adiantará o famoso “eu fiz a minha parte…”, sua parte é maior que você pensa.

Inexoravelmente haverá o risco de muita água vir rolando por baixo e por cima das nossas mal construídas pontes e consciências.

 

(Dúvida : Alguém saberia dizer qual o faturamento da Rede Globo com o “Criança Esperança”? As cotas de patrocínio, eu sei que são caríssimas e, certamente cobrem, com sobras, o custo de produção do espetáculo que usa muitos dos seus já contratados.

A arrecadação nas ligações para as doações são outra montanha de dinheiro.  O espírito solidário, pra mim nunca ficou muito claro.

Quanto, onde, como, era o que eu gostaria de saber.

Aliás, tenho uma lista de nomes de Fundações sobre os quais gostaria de me informar melhor. Ler seus relatórios e conhecer seu funcionamento.)  

Luis Nassif

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