Desespero da seca: indígenas no Amazonas usam a pouca água que têm para apagar incêndios

Falta de água castiga aldeias sem poços artesianos, e mortandade de peixes atrai invasores, denuncia liderança

Imagem da seca no município de Benjamin Constant, no Alto Solimões. | Foto: Defesa Civil

do Brasil de Fato

Desespero da seca: indígenas no Amazonas usam a pouca água que têm para apagar incêndios

por Murilo Pajolla, de Lábrea (AM)

Na Vila de Betânia, lar dos indígenas Ticuna, o barco deixou de ser o veículo adequado para trafegar pelo rio Içá, afluente do Solimões. Com a seca extrema que atinge o Amazonas, os moradores da comunidade utilizam motocicletas para andar sobre o fundo do rio, que agora é um imenso areal. 

No Amazonas, a estiagem que se aproxima de níveis recordes secou rios e igarapés, as principais fonte de água em comunidades indígenas sem poços artesianos. Sem abastecimento adequado, a captação é feita em áreas enlameadas e insalubres, aumentando a proliferação de doenças.

Lideranças indígenas do estado ainda estão contabilizando a extensão do impacto. Enquanto isso, reivindicam um encontro com integrantes do governo federal e pedem que o gestão Lula (PT) declare emergência climática na região. 

Segundo Mariazinha Baré, coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), outro ponto vulnerável é a segurança territorial. Ela diz que não indígenas estão se aproveitando da seca para invadir os territórios e fazer a pesca ilegal. 

“Os peixes estão morrendo nos lagos. Nas regiões do médio Solimões, de Fonte Boa (AM) e Jutaí (AM) comunidades relataram que o pescado das áreas de mangue já está desaparecendo”, afirma a coordenadora da Apiam. 

“E tem mais um agravante”, alerta a Mariazinha Baré. “Os não indígenas invadindo os territórios para retirar os peixes que estão morrendo. Realmente é melhor que esses peixes sejam aproveitados, mas por que não dar condições para que os próprios indígenas façam isso, para garantir a alimentação deles?”, questiona a liderança. 

Na Aldeia Porto Praia, no município de Tefé (AM), um dos mais atingidos, os indígenas estão isolados. Está difícil conseguir água, alimentos e acessar a cidade para sacar benefícios sociais, como o Bolsa Família. As aulas das crianças estão paralisadas. Os barcos, inutilizados, acumulam-se em pequenos lagos no que já foi o fundo do rio Solimões.

Fumaça alimenta preconceito contra indígenas, diz liderança   

A fumaça das queimadas que encobre Manaus (AM) também atingiu as comunidades de povos originários no Amazonas. Indígenas tiveram que correr para salvar casas, animais e plantações. Nos territórios, eles usam a pouca água que resta para tentar apagar os focos de incêndio.

“Só não sabemos dizer se são incêndios criminosos ou não. Em Coari (AM), me relataram achar ser incêndio criminoso, feito justamente para culpar os indígenas, porque infelizmente é uma realidade. Não gostam dos povos indígenas, então, vão fazer o que puderem para criminalizar os povos indígenas”, diz Mariazinha Baré.  

Caos no Vale do Javari

A situação é descrita como caótica no Vale do Javari, terra indígena no extremo oeste do Amazonas. Os indígenas da região vivem sob ameaças de narcotraficantes e pescadores ilegais que assassinaram o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira. A batalha agora é contra a seca, que impede o transporte de alimentos.

“A gente precisa de ajuda com combustível e alimentação”, disse o coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bushe Matis. 

“Quanto mais seco o rio, mais o preço de combustível aumenta. Com isso, os preços de produtos também estão crescendo. Porque as embarcações já não chegam até a cidade para abastecer município. A nossa situação aqui é muito caótica”, afirma o coordenador da Univaja. 

Na última semana, o vice-presidente Geraldo Alckmin anunciou obras de dragagem do leito do rio Solimões, no trecho que liga Manaus ao Vale do Javari. O governo do estado do Amazonas afirmou que fornece cestas básicas às populações afetadas. 

Luta por visibilidade

Mariazinha Baré afirma que o movimento indígena do estado articula, com intermediação do Ministério dos Povos Indígenas, uma visita à Brasília para expor o drama a representantes do Governo Federal. Ela lamenta que a situação dos povos indígenas não mobilize a opinião pública no estado. 

“Não vi nenhuma reportagem sobre o impacto nos povos indígenas, mesmo a gente se manifestando e falando sobre essa situação. Mas vimos muitas sobre a morte de botos e dos problemas em comunidades ribeirinhas. Não desmerecendo essas causas, porque estamos todos juntos nessa luta. Todos nós vivemos da floresta”, avalia Mariazinha Baré, liderança da Apiam. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Redação

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