A evolução do sistema de saúde da cidade de São Paulo, por Eduardo Bizon

Por Eduardo Bizon

Neste ano de 2015 serão realizadas a 15ª Conferência Nacional de Saúde, a 7ª Conferência Estadual de Saúde de São Paulo e a 18ª Conferência Municipal de Saúde de São Paulo. Pretendo, neste momento, me ater à Conferência Municipal e à saúde na cidade de São Paulo, ou seja, à maneira como caminhou o sistema de saúde público desde 1.988, ano da reforma constitucional e da elaboração do SUS – Sistema Único de Saúde, e, por fim como está a saúde municipal nos dias atuais.

A implantação do SUS na cidade de São Paulo tem sofrido bastante com a descontinuidade motivada pelas mudanças de prefeitos de diferentes partidos políticos. Alguns prefeitos eleitos assumem o cargo com seus programas de governo, com suas promessas de campanha e acabam nocivamente não cumprindo os mandamentos constitucionais e as diretrizes estabelecidas na cartilha do SUS. E, outros prefeitos que apesar de enxergarem com mais clareza a grandeza do SUS, acabam penalizados por divergências de ordem politica, devido a imposições de governos estaduais que enxergam o sistema de maneira diferente. E deste modo ao invés de construir o SUS, acabam gerando desorganização, desfragmentação e desbalanceamento do sistema. Na outra ponta está os 75% da população, que depende unicamente do sistema público de saúde, sendo penalizada pela desordem estabelecida.

Logo após a aprovação da Constituição de 1988, a primeira mulher a ganhar as eleições para prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, assume a prefeitura para governar enfrentando todas as formas de preconceito – por ser mulher, por ser nordestina, por ser de um partido popular, e, também por ter de enfrentar dificuldades dentro de seu próprio partido. Encontra a prefeitura em condições péssimas, herdadas da administração pouco convincente de seu antecessor Jânio Quadros. Seguindo a cartilha do SUS, aos poucos fortalece a atenção básica, inicia a construção de novos hospitais e começa a direcionar o sistema para um futuro promissor. É fato que Luiza Erundina deu a largada para construção do SUS na cidade de São Paulo.

Paulo Maluf assume o próximo mandato. De maneira desastrosa ignora o SUS, e tudo que fora feito por sua antecessora, criando uma perversidade chamada de PAS. Com cooperativas de médicos implanta um sistema de atendimento de consultas médicas imediatas, menosprezando a atenção básica. Ou seja, para Maluf prevenção de saúde é atender rápido. Esta barbaridade durou exatamente oito anos, quatro de Maluf e mais quatro de seu sucessor Celso Pitta.

O PT volta à prefeitura com Marta Suplicy. À época, a área de saúde se encontrava destruída. O SUS volta a ser enxergado na cidade, mas, com oito anos de atraso. Marta opta pela gestão plena de saúde, ou seja, a partir de então a prefeitura passaria a administrar todas as unidades de saúde encontradas em seu território. Foi dado o pontapé inicial para a municipalização da saúde. Com isso, os centros de saúde, ambulatórios e hospitais que ainda estavam vinculados ao governo estadual passariam a ser administrado pela prefeitura, com exceção dos três grandes – Hospital das Clinicas, Hospital São Paulo e Santa Casa. Tudo parecia um sonho, mas, o sonho foi tão breve que acordamos antes que fosse realizado. O governador Geraldo Alckmin, não concordou, e continuou com a maioria dos hospitais e ambulatórios de especialidades, passando para a prefeitura apenas os centros de saúde (postos de saúde), a maioria em estado precário de funcionamento. Mesmos nestas condições a administração municipal, mesmo priorizando a implantação das Equipes de Saúde da Família, e iniciou a recuperação gradativa das Unidades Básicas de Saúde. No entanto, encontrou enormes dificuldades para contratar médicos e outros profissionais de saúde, e com a impossibilidade de gerenciar com exclusividade a Central de Vagas para encaminhamento e cirurgias, consultas de especialidade e exames de imagem, ficando dependente do sistema falho do governo do estado que detinha sob sua tutela os principais ambulatórios de especialidades e a maioria dos hospitais.

Quatro anos depois assume o prefeito José Serra. Imaginava-se que, como governos estadual e municipal eram do mesmo partido, talvez facilitasse o processo de municipalização. Triste engano. A situação continuou na mesma. Hospitais e ambulatórios de especialidades continuaram com o governo estadual, e, aí surgiam perguntas de quais eram as razões para que fosse assim. Obviamente que o governo estadual não queria perder a autonomia nos agendamentos, uma vez que municípios de todo o estado utilizavam destes hospitais estaduais e ambulatórios localizados na cidade de São Paulo para suprir as deficiências regionais encontradas. Além do potencial politico de captação de eleitores residentes do interior que eram, e ainda são, trazidos aos montes em caravanas de Vans patrocinadas por deputados, prefeitos e vereadores destas localidades. Em sua administração, Serra, contribuiu para o desmantelamento do funcionalismo público na área de saúde. Vorazmente iniciou a terceirização passando o gerenciamento das unidades de saúde para Organizações Sociais. Argumentava que desta forma facilitaria a contratação de médicos e demais profissionais pelo regime CLT, dispensando a realização de novos concursos públicos. Se o motivo real era mesmo esse, Serra se equivocou, pois a situação atual nos permitiu concluir que a dificuldade em contratar profissionais médicos continua cada vez mais complicada. Serra também iniciou a implantação das AMA’s (Atendimento Médico Ambulatorial) com características de pronto atendimento com funcionamento de 12 horas. Contrariando o SUS, invadiu a área física de Unidades Básicas de Saúde, subtraindo parte de sua área física para lá instalar um serviço que não tinha características de atenção básica, mas, sim de atendimento emergencial com consultas médicas imediatas. Dizia que as AMA´s ajudariam a diminuir o numero de pacientes dos hospitais, mas, com o passar do tempo verificou-se que traziam um inconveniente. Como funcionavam até às 19 horas, diariamente por volta das 17 horas, os pacientes que ainda não tinham sido resolvidos nas AMA’s eram levados em ambulâncias para os hospitais locais sobrecarregando os setores de urgência/emergência.

Na sequencia assume o vice-prefeito Gilberto Kassab que posteriormente foi eleito para mais quatro anos. Continuou com a politica das AMA’s e incrementou com AMA’s de especialidades para tentar suprir os encaminhamentos de casos que não poderiam ser resolvidos nas UBS’s. Ajudou mais não foi suficiente para acabar com o problema, pois o governo do estado ainda continuava detendo a maioria das vagas. Ampliou a terceirização para Organização Social, permitindo um domínio territorial destas OS’s que atualmente ultrapassa em números o funcionalismo público, detendo mais de 50% das vagas de empregados na área de saúde municipal. Não existe plano de carreira nem para um nem para outro. Funcionários públicos trabalham com colaboradores, que é assim que eles designam seus empregados, com diferenças salariais inexplicáveis, gerando desconforto e decepção. E ainda mais grave é a concorrência entre as próprias OS’s onde não há padrão salarial e cada uma paga o valor que acha que deve pagar aos seus colaboradores. Ou seja, médico de uma OS não recebe o mesmo que o de outra. Isso é competição neoliberal.

Por fim, atualmente temos à frente da Prefeitura, Fernando Haddad. Quando assumiu, surgiu novamente a esperança de que fossem corrigidas as distorções do sistema através da municipalização. E mais uma vez veio decepção. O atual secretário de saúde municipal não respondeu à altura da expectativa dos Movimentos Populares de Saúde e dos Conselhos Gestores. Recuou num momento que não poderia recuar, ainda mais porque tem a seu favor o fator de que a união é dirigida por presidente do seu partido. Haddad tinha tudo para acertar no alvo, mas, não foi assim. Existe uma confusão muito grande que por questões politicas impedem Haddad de avançar em direção daquilo que preconiza o SUS. Num primeiro momento a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) mostrou-se contrária a continuar com as gestões das OS’s, e retornar às gestões diretas por funcionários públicos recrutados através de concursos. Enquanto uma ala dos cargos de confiança do prefeito na SMS era contrária às OS’s, prefeito e secretário diziam que não pretendiam alterar o sistema de gerenciamento. Esse impasse provocou uma inércia inaceitável, pois as alas contrárias às OS’s emperram o sistema não facilitando em nada o andamento dos trabalhos destas OS’s. Nestes dois anos e meio de governo, Haddad ainda não deixou sua marca. Fala-se em UPA’s, serviço de emergência com utilização de recursos federais. Fala-se em UBS’s integrais em substituição às AMA’s. A resolutividade é muito baixa. Como esse governo ainda tem um ano e meio pela frente, ainda dá tempo de corrigir. Assim espero.

Bom, ou talvez mal, todos esses exemplos foram apresentados com a intenção de passar o entendimento de que a saúde em nosso país é uma enorme Torre de Babel. Cada prefeito assume sem dar continuidade no que foi feito de bom pelo antecessor. Alguns prefeitos ignoraram a existência do SUS e o assassinaram. Outros assumiram com a intenção de ressuscitar o SUS assassinado pelo antecessor, mas, ficam empacados à frente de um mata-burro para que de fato sejam chamados de burros por uma população que está cansada.

Vem aí a 18ª Conferência Municipal de Saúde. Talvez essa seja a Conferência mais necessária dos últimos anos. O empenho dos Movimentos Populares e dos profissionais de saúde que acreditam no SUS é fundamental para que saiam resoluções positivas. Quer seja na questão do financiamento com a parametrização dos recursos a serem aplicados na saúde pela união, dos recursos de estados e de municípios. Quer seja na questão dos planos de carreiras pra profissionais de saúde. Quer seja na questão do gerenciamento por administração direta ou terceirizada desde que fique de acordo com o que preconiza o SUS, ou seja, de que a terceirização de serviços deva ser complementar e não integral. Quer seja nas questões de fiscalização sobre os recursos aplicados, com prestações de contas periódicas e obrigatórias. Quer seja no controle de gastos com recursos humanos de forma que seja respeitada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quer seja na implantação de um modelo definitivo onde a descentralização oriente para a aplicação de recursos financeiros diretamente aos municípios com a criação dos fundos municipais de saúde, e que esse modelo não permita a competição, mas, sim a cumplicidade da união, estados e municípios da construção do SUS.

Redação

1 Comentário

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  1. Esse problema não é apenas de

    Esse problema não é apenas de São Paulo, nem apenas da Saúde. Em todos os âmbitos da vida brasileira que dependem mais diretamente do pacto federativo onde União, Estados e municípios tem responsabilidades conjuntas, a possibilidade de se construir políticas de longo prazo e efetivas são muito pequenas. As divisões político-partidárias chegam sem mediações aos especialistas e profissionais que deveriam ter mais autonomia para decidirem sobre a atividade fim. No caso de áreas onde se depende mais dos governos estaduais, a profissionalização e autonomia de especialistas comprometidos é ainda menor, a terceirização é maior, aumentando a importância das lutas partidárias e de rivalidades políticas sobre a avaliação e o diálogo entre os diferentes especialistas. Há um hospital inteiro construído em Santana do Ipanema, interior de Alagoas, sertão, que nunca teve saúde de alta complexidade, que poderia atender toda uma região, mas está vazio, sem funcionários e com equipamentos estragando. Não é culpa da Dilma. O governo federal aliás, nesse caso, fez bastante, mas as disputas entre União, Estado e Municipíio, e, principalmente, no interior do Estado e no interior do município são um entrave à redução do sofrimento humano. O pacto federativo precisa ser rediscutido urgentemente, mas não apenas no que tange aos tributos, mas também em relação à saúde, justiça, segurança, transformação de menores e, principalmente, Educação. Não haverá dinheiro que chegue sendo desperdiçado na lógica de poder irracional e sem direção de muitas instância brigando entre si e sem direção alguma.

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