Os oitenta anos de Tom

Crônica publicada em 8 de dezembro de 1994, por ocasião da morte de Tom Jobim

O que separa homens de animais (e de burocratas) é a aspiração à imortalidade. Alguns através de filhos, outros através de empresas, intelectuais através de livros, esportistas através de recordes, probos através de exemplos.

Os jornalistas se esfalfam diariamente quebrando pedras, cometendo ousadias e perseguindo furos, pela compensação modesta de sobrevida de alguns anos ou, no máximo, de algumas décadas, na memória restrita de seu público.

Por isso mesmo, a figura do músico popular evoca tanto encantamento. Não por perpetuar-se como peça de museu, mas por manter-se viva, como fonte permanente de emoção.

Nos anos 20, com apenas algumas horas de inspiração o maestro Pedro de Sá Pereira compôs “Chuá Chuá” e conquistou a imortalidade, enquanto centenas de ricaços inescrupulosos, intelectuais pedantes, parlamentares emplumados, magistrados solenes e jornalistas deslumbrados da época desapareciam na penumbra do tempo.

Um a um, os compositores populares comportaram-se como pedreiros diligentes, erguendo tijolo a tijolo os fundamentos da nacionalidade.

E o que não dizer dos maiores?

Passaram as teorias raciais, as crises econômicas, as quarteladas e a repressão policial, mas ficou a música de Pixinguinha. Desapareceram os barões do café, a casta canavieira e a elite mercantil carioca do início do século, mas ficou Villa Lobos.

Ontem desapareceu a última pessoa da Santíssima Trindade Musical brasileira do século, o maestro Tom Jobim. Durante quatro décadas ele deu mais ao Brasil do que sua música eterna. Com seu refinamento harmônico, seu rigor estético, sua idoneidade musical, com a clareza geométrica de suas composições ele ajudou a alavancar uma nova estética e a projetar para o mundo a imagem de um país moderno.

À imagem do brasileiro desorganizado, alegre mas irresponsável, ele contrapunha o rigor detalhista de sua música. A um nacionalismo envergonhado e submisso, sua música tão internacional e tão brasileira.

No momento em que o país ambiciona a integração competitiva e a conquista dos mercados mundiais, sem abdicar de suas características culturais, quando a cidadania amadurece e reconquista-se a capacidade de sonhar e de inovar, Tom Jobim projeta-se como símbolo maior da nação.

Luis Nassif

14 Comentários

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  1. O Sister, um amigo meu, me
    O Sister, um amigo meu, me viu, me abraçou comovido e me disse: “Perdemos nosso Ayrton Senna”. Isso porque o Senna tinha morrido um pouco antes, causando uma comoção nacional. Mas, com todo respeito pelo corredor, nosso Senna era o Jobim.

  2. não se esqueça de comentar
    não se esqueça de comentar suas observações quando morador em Poços.Lembro-me de vc ter comentado a ída em Poços da Banda dos Fuzileiros Navais,e a lembrança que te marcou aquela visita.Eu do alto dos meus sessenta e tantos “carnavais”,também fiquei deslumbrado com a vinda daquela banda em minha querida,sofrida e esburacada Bauru/SP.As reminiscências fazem-me bem já que o resto,a esperança encarregou-se de esvair.Conforta-me muito molhar a bunda na praia,e o resto que se arda…

  3. Antonio Carlos, tem pessoas
    Antonio Carlos, tem pessoas que gostam do que escrevo e pessoas que detestam. Você é o primeiro que diz que escrevo o mesmo que meus colegas.

  4. Nassif,

    o homem era muito
    Nassif,

    o homem era muito sacado mesmo, certa vêz vi uma entrevista que perguntaram o que ele achava dos Estados Unidos, (resposta exatamente com estas palavras):
    –É legal mas é uma %!@$&@#
    E quanto ao Brasil?
    –É uma %!@$&@#mas é legal.

  5. é, quanto ao comentário do
    é, quanto ao comentário do FHC, Jobim escrevera anos antes uma obra chamada Urubu, o principe deve ter se inspirado no disco para fazer tal declaração. Coitado do Urubu.

  6. Eu, que sou comum, aprecio
    Eu, que sou comum, aprecio por demais esse mestre.

    E , não posso deixar de citar, fico maravilhado com as possibilidades da internet. Baixei , via P2P, a discografia do que Chico Buarque diz ser “Seu maestro”.

    obs: Eu não poderia comprar todos os discos de Tom Jobim.

  7. Faltou o aspecto do Tom que
    Faltou o aspecto do Tom que mais admiro depois da música. Acho magnífico o amor que ele demonstrava ter pelos pássaros, pelas árvores e pela Natureza (do Brasil e, certamente, do mundo). Há uma graça quase infantil nos documentários que o mostram ensinando a reconhecer o canto de cada pássaro.
    Numa época de aquecimento global, é importante não esquecer que Tom foi um grande lutador pela preservação do meio-ambiente.

  8. Fui ao Memorial assistir a
    Fui ao Memorial assistir a Jazz Sinfônica interpretar Tom Jobim mas não consegui entrar, apesar de ter chegado 45min antes. Confesso que não fiquei chateado, pois percebi que a boa música ainda vive no coração das pessoas.

  9. Algo interessante na figura
    Algo interessante na figura do Tom era a sua simplicidade. Ele era muito humano. Um exemplo gostoso disso está na biografia escrita pela sua irmã que trazia encartado um CD com gravações caseiras do Tom… Uma delícia ele tocando piano, tomando um uísquinho, dando risada, cantarolando…

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