As ideias de Thierry Gaudin sobre revolução no mercado de trabalho

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Maria do Carmo

Adeus emprego: Revolução no trabalho

Do Brasil 247

A era do emprego se encerra. Começa a era da prestação de serviços e dos trabalhadores pluriativos. Hoje, segundo mostram as pesquisas, há mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico.

Como nossos filhos trabalharão amanhã? Mais do que nunca, esta pergunta ocupa os corações e as mentes de todos os pais e mães empenhados na preparação de seus filhos prestes a se lançar na vida profissional. A preocupação é justa: as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho no mundo não configuram um panorama de simples transformações, mas sim de uma verdadeira revolução.

“Já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico”, afirma o francês Thierry Gaudin, fundador e presidente do Foresight 2100, uma das mais importantes organizações mundiais de prospecção de tendências econômicas e socioculturais. Ele explica que o modelo de organização do trabalho desenvolvido ao longo do século 20 passa por um processo radical de transformação.

Tudo será diferente para as próximas gerações. “Para começar”, diz Gaudin, “já agora, em todos os países desenvolvidos, observamos um grande número de pessoas evoluírem para: um retorno ao campo; o trabalho à distância, como a tecnologia permite cada vez mais; organizar a vida a partir de uma renda modesta; desempenhar algum trabalho mas, ao mesmo tempo, cultivar um pomar no fundo do quintal; reformar a casa com suas próprias mãos; viver a partir de pequenos serviços informais; ganhar a vida desempenhando funções e tarefas temporárias”.

Um posto de trabalho no seio de uma multinacional

Essa descrição de um mundo do trabalho completamente diverso do até agora vigente, no qual ainda pontificam advogados, médicos, engenheiros, técnicos em informática, empresários, especialistas em aplicações financeiras e coisas do gênero, é mesmo surpreendente. Nas últimas décadas, toda a cultura ocidental, através da mídia e da educação, tentou nos persuadir de que o objetivo maior da existência era a ocupação de um posto de trabalho no seio de uma multinacional. E agora chega alguém para nos dizer que o futuro não mais pertence aos especialistas das modernas tecnologias, mas sim aos que, além de saber mexer num computador e surfar na internet, são pluriativos e souberam conquistar um bom know-how de ofícios considerados rudimentares, como cultivar a terra, trabalhar a madeira, a pedra, refazer um telhado, instalar painéis solares!

As visões de Gaudin vão ainda mais longe. Na questão dos salários, por exemplo. A prestação de serviços contra uma remuneração, bem como o dinheiro, não estão destinados a desaparecer amanhã. Mas a ideia de um assalariado colocado sob a autoridade de um patrão durante oito horas por dia está destinada a sumir. O modelo ainda vigente de uma semana de trabalho de 44 horas e de um emprego formal está superado.

Mas sem essa estrutura organizativa, como financiar os sistemas de assistência social, as aposentadorias, os salários desemprego, as greves? Gaudin sugere, como um primeiro passo para a solução, a simplificação dos processos administrativos e o estímulo às micro-organizações de menos de dez pessoas. “É necessário parar de acreditar nas informações oficiais que afirmam, por exemplo, que o crescimento cria empregos. Isso é falso. A transformação atual do sistema técnico nos faz passar da civilização industrial para a civilização cognitiva”, diz ele.

Período crucial de transformações

As prospecções do Foresight 2100 apontam a década entre 2010 e 2020 como o período crucial dessas transformações. Os estudos revelam que estamos encerrando um ciclo: metade da espécie humana vive agora num meio urbano, e a maior parte do consumo energético acontece nas cidades (entre 70 e 80%). Mas já é possível imaginar uma adaptação urbana, ou de zonas rurais urbanizadas, mais autônoma e pluriativa. Muitos cidadãos já são pluriativos. Nesse sentido, Gaudin lembra um ponto crucial: os novos sistemas de comunicação que permitem, por exemplo, o trabalho à distância ainda não produziram os seus efeitos sobre a estruturação de territórios e a repartição entre cidade e campo.

Essas consequências se farão sentir na segunda metade desta década: as pessoas irão fazer novas escolhas quanto à maneira de organizar e equilibrar suas vidas, de desfrutar do seu tempo livre, de fazer a trouxa e partir quando sentir necessidade disso, de pôr termo à corrida desabalada em direção ao sucesso. Essa é uma postura que já se observa num número crescente de pessoas.

Quais são as causas dessa revolução no mundo do trabalho? Em primeiro lugar, segundo as pesquisas, o progresso técnico e a globalização. Hoje, em todas as áreas, produzimos muito mais com menos trabalho. Existem, no entanto, alguns limites: setores como as indústrias têxtil e alimentar, que utilizam matérias-primas “leves”, de tratamento mais delicado, são mais refratários à mecanização. Além disso, num curtíssimo tempo, boa parte delas foi transferida para países emergentes como a China e a Índia, onde a mão de obra é menos cara. Nos dois casos, o resultado é o mesmo: no mundo ocidental, as grandes empresas não param de descartar seus empregados.

A globalização da economia de mercado exportou o modelo ocidental de trabalho para esses e outros países emergentes, os quais exploram hoje sua força de trabalho de maneira quase escravagista, com o objetivo de conquistar uma revanche econômica sobre os países do Ocidente. Mas isso, para os especialistas, não durará muito tempo.

Na China, já pode ser verificado um número crescente de manifestações de protesto, em geral reprimidas com extrema violência. O que é certo é que, também nesses países, os ofícios que podem ser mecanizados serão fatalmente desempenhados por robôs. “Se acrescentarmos a tudo isso os efeitos do aquecimento global”, explica Gaudin, “que não permitirá que a produção cresça a níveis delirantes, compreenderemos que será necessário prestar muita atenção às consequências globais”.

Emprego, menos frequente e mais precário

As consequências desses fatores sobre o trabalho já podem ser verificadas. O emprego se torna cada vez menos frequente e mais precário, até mesmo para as profissões mais bem qualificadas. É comum, hoje, consultores profissionais aconselharem a seus clientes: “Procurem trabalho, não procurem emprego.” Na maior parte dos países ocidentais, um número cada vez maior de engenheiros trabalha em projetos temporários, que podem durar um, dois ou três anos, e após esse período são demitidos. Então, que faremos das pessoas que vivem essa situação ou que veem seus parentes vivê-la? Elas se dirão: “Atenção, não podemos mais contar com um empregador, é preciso se virar por nossa conta, diversificar nossas possibilidades de entradas financeiras.” Essa é a razão pela qual o mundo do trabalho de nossos filhos e netos será aquele desenhado no início deste texto por Thierry Gaudin.

E em relação aos jovens nos quais os pais e a escola incutiram o desejo de segurança, de carreira estável, a convicção de que a melhor e mais segura profissão é a de funcionário público? Gaudin responde que a maior parte deles estará condenada à decepção: “Os humanos são, como quase todos os primatas, animais tribais. No passado, pertencíamos a uma tribo por nascimento; hoje, a empresa tomou o lugar da tribo. Mas como ser fiel a um patrão infiel? O modelo da empresa ‘patriarcal’ se quebrou.” Evidentemente, uma parte da população não conseguirá administrar as exigências de uma postura profissional “diversificada”, e necessitará de um sistema de trabalho mais enquadrado.

Felizmente, para esses, os grandes empreendimentos estruturais, em que os Estados continuarão a investir para amenizar as crises, permitirão a colocação de um certo número de pessoas que não conseguem se adaptar à nova economia “leve”, ou que, por razões psicológicas, precisam de um emprego para se sentir seguras. Mas para os outros (que serão a maioria), e graças às novas tecnologias, a solução passará pela multiassociação, as conexões múltiplas, outras formas de organização baseadas na amizade, na proximidade física ou, via internet, na proximidade virtual.

A ligação não será mais jurídica, para tornar-se informal. Isso já pode ser observado em várias organizações: o chefe não é um líder à antiga, mas sim um organizador; as pessoas funcionam em “socioanálise”, ou seja, juntas elas analisam suficientemente bem uma situação até que cada um dos membros saiba o que deve fazer, sem ser preciso que ordens lhe sejam dadas. As pessoas de uma equipe não mais funcionarão a partir de relações de força ou de influência, e sim pelo esclarecimento.

Nesse novo contexto do mundo do trabalho, como ficará a questão crucial da “realização de si mesmo”? Para Gaudin, há uma formidável ambiguidade no modo como utilizamos a palavra trabalho. Ela implica, ao mesmo tempo, a ideia de esforço, de emprego, e de realização de si. “Todo trabalho, inclusive aquele sobre si mesmo, requer perseverança e disciplina.” É preciso trabalho para se desenvolver um talento pessoal, para se praticar uma atividade artística ou esportiva, ou até mesmo para se praticar ioga! Por outro lado, nem todo emprego possibilita uma realização de si mesmo.

A preparação das crianças

No plano da consciência coletiva, uma nova filosofia começa a eclodir. Cada vez mais, ela deverá nortear todas as atividades humanas, inclusive o mundo do trabalho. É a ideia de que a espécie humana é apenas uma entre muitas outras espécies, mas o que a diferencia é a sua posição de guardiã do ecossistema. Esse papel é absolutamente vital, sobretudo agora, quando a natureza é cada vez mais uma “tecnonatureza” em boa parte modelada pela mão do homem.

Quanto à preparação de nossas crianças para esse futuro que já bate às portas, ela começa em casa e na escola. Até agora, como a escola era formatada para preparar as pessoas a empregos que não mais existem, todas as coisas essenciais eram aprendidas fora da escola, no mundo exterior.

A nova escola deverá, é claro, proporcionar aos alunos os conhecimentos básicos para eles poderem ter acesso aos resultados da ciência e da cultura. Mas deverá também lhes dar as ferramentas que possibilitarão o desempenho de um mínimo de atividade artística, para que cada um deles possa exprimir sua própria personalidade. Será também necessário ensinar a eles o que é e como funciona a natureza, suas leis, os animais e as plantas, bem como o know-how básico de várias técnicas práticas. Como lembra Gaudin, uma coisa é certa: já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico!

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. Viva!

    Então “especialistas” como Thierry Gaudin nos colocarão na “nova realidade” do emprego precário, das multi tarefas, do passar o “tempo livre” trabalhando cada vez mais. De um lado ele nega, mas de outro fica claro que ele chega a dizer que fora os ricos de sempre, viveremos todos malucos atrás do mínimo para viver… Afinal segundo o texto não precisamos de emprego para comprar comida, roupas e gêneros de primeira necessidade, mas sim porque as pessoas “por razões psicológicas, precisam de um emprego para se sentir seguras”…

    Que cândido!

    Então o dinheiro ficará cada vez mais concentrado, o cidadão comum não terá direitos trabalhistas, e apenas trocará de patrão quando um devorar o outro.

    Viva, a evolução(?)… A Idade Média está chegando!

    Um abraço.

     

  2. Esta é a realidade da

    Esta é a realidade da Europa

    Um continente dominado pelo neoliberalismo selvagem, administrado pelo FMI. Empregos precários, alto índice de desemprego, perda de direitos trabalhistas.

    O Brasil, tem uma realidade totalmente diferente, de pleno emprego desde que em 2002 teve a coragem de votar no PT. Isto explica porque o PT sempre tem vencido todas as eleições, num país onde a a maioria depende de empregos para sobreviver.

    Isto explica também porque a oposição neste país nunca ganha, pois a bandeira e proposta da oposição aqui no país (leia-se PSDB, Aécio Neves) é a do neoliberalismo, Aécio promete que se eleito aumentará o desemprego para “reduzir a inflação”, já que na opinião dele o trabalhador no Brasil está com “salário muito alto”.

    Redução de emprego, e de salários (arrocho salarial) são a bandeira do PSDB. Ainda pregam uma união econômica com os EUA (ALCA), lembrando que o México entrou nesta e está com índices de miséria altíssimos. Some-se isto à uma fúria arrecadatória (FHC aumentou na época a carga tributária de 25% para 36%) (Alckmin infestou o Estado de SP de pedágios), e uma febre de privatizações. E de quebra traria de volta o FMI para o Brasil para fazerem com nosso país o que estão fazendo com a Europa.

    Fique a lição europeia como uma severa advertência aos eleitores do que seria o Brasil na remota hipótese de Aécio ganhar.

    1. Na mosca! Não sei nem se na

      Na mosca! Em teoria,  é tudo muito chique, pós-moderno e tal. Na prática, é o famoso “só que não”. São palavras bonitas para mascarar, justificar, precarização do trabalho. Mas, esse tipo de teoria tem respaldo de boa parte da nossa sociedade (inclusive da Academia).

  3. Minha forma de trabalho já é assim

    Sou músico, portanto autônomo. Lendo o q Thierry Gaudin fala  fica a clara impressão que tudo isso que ele prevê para os profissionais de outras áreas já acontece com os músicos e artistas a muito tempo. Onde existe emprego para um músico? Pior ainda se for músico popular…

    Todo o meu rendimento vem de trabalhos de curta duração, contratados por uma miríade de clientes que vão desde colegas de profissão a empresas, passando por autônomos, intermediadores. Mas infelizmente ainda somos considerados sub emprego, ou mesmo diletantes alienados , mas nunca profissionais! Não temos proteção das leis trabalhistas, não temos sindicato, não temos voz política. O resultado é claro somos explorados a níveis absurdos que fazem nossa remuneração cair abaixo dos serviços menos especializzados do mercado ( hoje em dia em Belo Horizonte o valor em reais que se paga a uma faxineira diarista é superior ao que é pago a um músico profissional com 20 anos de estudo e usando seu próprio equipamento musical, que custa no mínimo 5 mil dólares).

    Portanto vejo com enorme preocupação e tristeza as profecias de Thierry Gaudin para o mercado de trabalho. No fundo o que ele diz é que vamos continuar a ser explorados e cada vez mais as grandes corporações vão ganhar força e nós, autônomos, sobre somente e a miséria!! 

  4. Não faz muito tempo um desses

    Não faz muito tempo um desses “visionários” vaticinou o fim da história, agora é o fim do emprego, quando chegará o dia do fim dos profetas e profecias fajutas?

  5. Peloamor…!!Fala sério???

    Peloamor…!!Fala sério???  Quer dizer então que Gaudin vê o mundo em duas castas…..os que trabalharão com o mínimo necessário……e os que viverão com o máximo obtido, fruto do trabalho dos trabalhadores e me perdoem pela redundância.  Fácil hein??  O 1% continuará com sua vida nababesca, enquanto aos reles mortais, só sobrará  a prestação de serviço, vulgo trabalho…… e nada mais.  

  6. a muito tempo atras alguem

    a muito tempo atras alguem chamou isso de superpopulacao relativa estagnada. Sem as tintas roseas do autor do artigo, trata-se do enorme crescimento do exercito industrial de reserva resultado das mudancas tecnologicas. O problema e que quando nao existe mais a perspectiva de universalizacao do assalariamento e o que o autor aponta e justamente o contrario disso, a sociedade nao pode mais basear suas relacoes economicas em uma renda obtida pelo mercado, a custa de sua autodissolucao ou de uma enorme regressao. Em outras palavras, as perspectivas positivas que o autor aponta sobre o fim dos empregos sao quase impossiveis de se realizarem sob o capitalismo. Basta ver a beleza que e a falta de emprego na europa hoje; no capitalismo menos emprego e mais miseria e nao mais autorelizacao. 

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