A quartelada de 15 de novembro de 1889

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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15 de novembro de 1889

O golpe militar

 

Onde estava o povo?  

É vergonhosa a comemoração da quartelada de 15 de novembro de 1889. Naquele dias os militares se uniram ao que de mais atrasado existia no Brasil, os latifundiários escravocratas que se opuseram à abolição. A derrubada da monarquia e o exílio da família imperial foi um retrocesso. A partir dali o Brasil mergulhou em décadas de instabilidade e os estados tornaram-se feudos doscoronéis da política. Muitos dos males que ainda se abatem sobre o nosso país têm como gênese o golpe militar contra o imperador D. Pedro II.

                                                                         
                                                                                                                                                                                                 As recorrentes intervenções militares que ocorreram a partir desse momento, com origem no totalitarismo positivista que inspirava os quartéis, colocou o Brasil sob tutela dos militares durante quase um século. A ideologia de Comte considera a sociedade como um organismo no qual cada um deve desempenhar o seu papel específico sob o domínio e direção do Estado, o grande guia, controlado pelas elites econômicas e intelectuais. Ao povo caberia o lugar de bicho de estimação desses líderes. Pura ditadura! Um tipo de darwinismo sociológico.

Nos estados o poder foi tomado por grupos, muitas vezes familiares, que se perpetuavam e em geral agiam apenas em benefício próprio, muitos deles ressentidos com o fim da escravidão. Ainda restam exemplos deste sistema político arcaico e quase feudal, como o clã dos Sarneys. Basta analisar os indicadores sociais do Maranhão sob o domínio do coronel Zé Ribamar, há quase meio século ditando a política local, para ver como o efeito foi e ainda é nefasto.

O regime republicano teve como batismo uma das mais criminosas páginas da nossa história. O massacre de Canudos. O governo no Rio de Janeiro temendo que o arraial chefiado pelo beato Antônio Conselheiro era um levante monárquico mandou os escrúpulos às favas e ordenou a sua total destruição. Velhos, mulheres e crianças foram exterminados. Muitos dos que não morreram durante o bombardeio e a invasão do exército foram degolados. Quase não restaram sobreviventes. Os temores infundados da perda dos cargos e benesses levou-os à solução final para aqueles sertanejos.

Após quase cinquenta anos de estabilidade interna durante o II reinado, embora o Brasil tenha nesse período participado da mais destrutiva e mortífera guerra ocorrida na América Latina, reagindo à invasão do nosso território por tropas paraguaias comandadas pelo ditador Solano Lopez, mergulhamos no caos. No meio século seguinte aconteceram as guerrilhas do Tocantins, a revolta da armada, a revolução federalista, a guerra de Canudos, a guerra do Contestado, “revoluções” em 1923, 1924, 1930 e 1932. Levantes dos comunistas, dos integralistas e outros. Igualando-nos às repúblicas bananeiras da América Central. Um confronto militar interno a cada 5 anos em média. Desses 50 anos em pelo menos 20 anos brasileiros foram mortos em combates travados em nosso território. Esse foi o efeito mais visível do regime, mas os que não ficaram tão à vista não foram melhores.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. A MONARQUIA

    foi responsável pelas dimensões continentais que hoje temos. Hoje estamos revisitando o nosso passado. Observemos a revisão do caso Jango. Esses artigos são importantes para entendermos um pouco o que somos e porque somos o Brasil de hoje.

  2. Gênero, Número e Grau

    Prezado Rebolla,

    Concordo em gênero, número e grau. É até difícil de explicar para um estrangeiro, que a nossa república foi proclamada pelo que havia de mais atrasado no nosso país, pelo apoio dessa elite escravocrata enfurecida com a família imperial.

    Mas este é o Brasil, que, como Tom Jobim falava, não é para principiantes.

    Como explicar que nós fomos a capital do império português, com a família real aqui, antes de sermos independentes? Como explicar que a independência foi proclamada pelo filho do rei de Portugal? Como contar a história dessa república que já era velha antes de ter nascido? Como dizer que direitos trabalhistas foram concedidos por um ditador, que estimulava a formação de sindicatos (!)? Como explicar que nossa ditadura militar foi nacionalista e desenvolvimentista, ao ponto de se indispor com os americanos que a criaram? Como contar que o primeiro presidente eleito depois disso era do estado mais atrasado, de uma das famílias mais retrógradas, com um pai senador que havia assassinado outro senador em meio ao plenário e nunca foi punido? Como dizer que depois disso tudo ainda elegemos um presidente ex-operário e agora temos uma torturada pela ditadura como presidente? Parece até história da carochinha, mas é muito engraçado ver a cara de espanto do sujeito.

    Abraços

    1. Muito interessante o seu

      Muito interessante o seu comentário, Ademario. Só duas resalvas. Primeiro, os EUA, apesar de requisitados pelos militares brasileiros, não tiveram absolutamente NADA a ver com o golpe de 64. Isso é uma lenda urbana sem NENHUM fundamento histórico. E o segundo ponto é na verdade um complemento à sua menção à Dilma Rousseff por ter sido ela torturada pelo regime militar, dando a parecer que ela é uma santa que deu a volta por cima. Você deveria ter incluído que ela e seu ex-marido, Carlos Araújo, foram os membros da VPR responsáveis pela explosão terrorista que matou o praça Mário Kosel Filho, da 5ª Cia de Fuzileiros em 26 de junho de 1968, e também foram os autores do assalto à casa do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros em 1969, levando US$2.600.000,00, cujo paradeiro não se sabe até hoje.

  3. República

    A análise do Rebollah está parcialmente correta e parcialmente tendenciosa. Nem tanto nem tão pouco. Quase com certeza foi influenciado pela leitura de “Os bestializados” de José Murilo de Carvalho, que fala sobre a (não) participação do povo, que ficou assistindo a tudo sem entender direito. A “estabilidade” que a monarquia nos concedeu (incluindo aí a integridade territorial) é uma análise correta do Rebollah, se compararmos com os conflitos internos constantes dos vizinhos latino-americanos (o que ocorreu depois da República no Brasil), mas nunca é demais lembrar os problemas do Império, com a Revolução Farroupilha, os levantes em Pernambuco, Pará, Bahia, e por aí vai.

    A forma de imposição de poder das oligarquias nos trouxe muita dor e atraso, mas o “golpe” da independência (golpe monarquista-continuista, se me permitem o termo)), foi um tremendo avanço, lógico, uma benção, mas também foi um golpe conservador, permacendo a mesma classe dominante, a mesma família (ou famílias) no poder, escravidão, latifúndios, voto censitário, e outras cositas.

    Concordo que a República nos moldes positivistas não nos trouxe nenhuma bafejada de modernidade absoluta, e que o Império nos ajudou na integridade territorial, unidade política (ainda que forjada na repressão de diversos movimentos), mas há que se tomar cuidado ao se analisar esta questão delicada com uma visão por demais “monarquista”.

  4. Temos de parar de avaliar os

    Temos de parar de avaliar os eventos históricos baseados apenas no acúmulo político atual.

    Até parece que a direita, algum dia soube o que era povo.

    Se for assim, a Revolução Russa também pode ser diminuída para um simples golpe de Estado.

    Tem de contextualizar o antes, o durante e o depois. Só o durante, de fato foi uma quartelada.

    Nesta mesma lógica, o governo do Getúlio poderia ser reduzido como “ditador”. Foi ditador também, mas foi também democrata, foi também moderno, foi também progressista, nacionalista, etc.

    Por “pior” que fossem os republicanos, com todos os defeitos aqui citados, ainda assim, foi uma ruptura necessária e inerente do processo político/econômico. Para ser sincero, foi até menos que uma quartelada, a monarquia caiu de podre e literalmente com um grito no lugar que é hoje o Campo de Santana em frente à Central do Brasil no Rio. Por sinal, um lugar bem bonito. Lá inclusive, pelo menos quando morei lá, era um lugar onde se desacartavam gatos.

  5. O Império.

    Qual o legado do Império? Durante 60 anos, Pedro II praticou o governo dos sonhos do PSDB, estado mínimo! Só havia os ministérios da Marinha, Guerra, Justiça e Fazenda. Não havia educação pública, saúde pública, univesidades, nada! Apenas o Colégio Pedro II, se o que li for verdade. Em 1800 Brasil e Estados Unidos estavam no mesmo nível sócio-econômico. Noventa anos de reinado e império, os Estados Unidos já eram uma potência mundial e o Brasil, um exportador de café. Caixões de defunto eram importados da Inglaterra e até 1930, menos de 5% da população usava papel higiênico, também importado. No Palácio Imperial de Petrópolis não há sequer banheiro. Suas altezas sentavam-se numa cadeira com um buraco e um urinol recebia urina e fezes imperiais que eram retiradas por escravos. O imperador que se orgulhava de ter instalado uma das primeirsas linhas telefônicas do mundo, não tinha banheiro no palácio. Para explicar as “vantagens” do Império, Mr. Jorge vai ter de Rebollar. E muito.

  6. Golpista mas sempre contra o país

    Muitos dos males que ainda se abatem sobre o nosso país têm como gênese o golpe militar contra o imperador D. Pedro II.

    Uma pena que o autor não tenha tocado nas causas da tendência ao golpismo na Terra Brasilis:  A  ganância secular de uma elite prá lá de burra e  atrasada,  o julgamento farsesco do “mensalão” é prova disso, a imprensa sempre atuou como parte dessa sanha golpista, sempre perfilada aos interesses dos regressistas, na ditadura a Folha emprestou seus carros para torturar e matar resistentes, o Globo teve um compartamento vergonhoso: 

    A vitória do golpe, por Miguel do Rosário, em O Cafezinho

    Sem comentários por hoje. Analise as manchetes das edições do jornal O Globo dos dias 2 a 17 de abril (saltei uma edição ou outra) de 1964, e compare-a com a desta quinta-feira 14 de novembro de 2013. Se quiser ler as matérias, e entender a história, de ontem e hoje, entre no acervo do jornal.

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    http://www.ocafezinho.com/2013/11/14/a-vitoria-do-golpe/

     

  7. Muito boa

     

    A analise do Rebolla é 10, pode-se dizer sem medo de errar que a proclamação da república foi um tremendo retrocesso, só senti falta da menção ao golpista PRP, o percursor da participação da poderosa elite cafeeira paulista nos processos de desestabilização de governos que prejudicassem  seus interesses, infelizmente uma “tradição” que  nos persegue até os dia de hoje.

  8. A desastrada proclamação da república.

    A proclamação da república foi mais uma demonstração dos efeitos maléficos da elite deste país, neste caso a elite dos latifundiários escravocratas, cafeicultores de São Paulo e do Rio de Janeiro, como já disseram anteriormente.

    Dom Pedro II era um homem doente (diabético) e tinha poucos anos de vida pela frente, podiam esperar sua morte e poupá-lo desse desgosto. E nem ao menos tiveram a decência de dar condições da família real ter uma vida digna na Europa. Dom Pedro viveu  seus últimos dias de favor no castelo do pai de seu genro Conde D’Eu.

  9. Logo quem

    Um eleitor declarado do bolsonaro chiando de quartelada e criticando a instabilidade da milicada durante a república. Até parece que é crítico das oligarquias ao falar do clã Sarney. E os Maias potiguares, os Bornhausen, o carlismo baiano, fala nada, não? São da sua “base aliada”, eu sei.  Os coronéis oligarcas e os gorilas golpistas estavam todos reunidos, no dia 1° de abril de 1964, na inauguração do regime, do qual ele permanece como viúva inconsolada até hoje.

     

  10. A comemoração das efemerides

    A comemoração das efemerides deve ser sempre questionada. O melhor viés deve ser o de buscar a relativização dos chamados fatos historicos que são celebrados, no sentido de se buscar outras versões além, do que é oficilamente produzido/comemorado. O processo de construção dessa memória não é simples nem aleátorio. A proclamação da republica no Brasil é evento marcante no sentido de desnudar de que forma a memoria é construída no País. Porque comemoramos (com feríado) o dia 22 de abril (dia de Tirandentes) e não o 21 de abril (dia do descobrimento)? Por que o evento fundador do Brasil atual não foi a chegada dos protugueses por estas bandas e sim o dia em que nos livramos dele e neste sentido ceebrar o homem que melhor sintetizou “a luta” por esse “ideal” é fundamental para se consolidar um tipo de memótia coletiva.

    Para quem quiser mais detalhes e maior aprofundamento no tema José Murilo de Carvalho é fundamental. Em A formação das almas ele explica todo o procsso de construção desse imaginário que se impos como memoria em relaçao aos simbolos do novo regime.

    Se a discussão, entretanto, utrapassar os limites traçados a coisa pode ficar bem prigosa, se atribuirmos valor aos regimes depostos ou implantados no sentido de uma competição do que é melhor aí estaremos no fio da navalha. Achar que viviamos uma maravilha no período imperial é um absurdo. As base do coronoleismo foram implantadas no segundo reinado basta ver o citado Jose Murilo de Caralho (A construção da ordem e O teatro das sombras), alem de Faoro (Os donos do poder) e Vitor Nunes Leal (Coronolismo, Enxada e Voto). O que a quartelada de 15 de novembro fez foi nos livrar de (minuscula é verdade) parte de uma elite parasitária que nada acrescentava ao país, ja imaginaram se taé hoje tivessémos que pagar tributos aos Orleans e Bragança? Que nossas elites são conservadoras até as pedras sabem, que elas elas são responsaveis por  grande parte dos problemas do país todos sabemos, mas isso não quer dizer que não deveriamos ter nos livrado daquela excrescência que era a familia real portuguesa abrigada por aqui.

    Resumo da opera, como diz o outro: uma coisa é uma coisa, outra é coisa…  

  11. Jorgito, assim não. Você é

    Jorgito, assim não. Você é capaz de melhor… Vai dizer que no plebiscito, votou pela volta da monarquia Orléans e Bragança 🙂 

    Claro que a independência brasileira foi arrancada da familia real na força dos que detêm o poder econômico. Infelizmente, foi através deles, mas precisava-mos sim dessa independência, e que bom que não tenha sido com mais sangue, como foi nos paises del Plata. 

  12. 15 de Novembrao de 1889, o entardecer da Pátria

    Concordo plenamente com tudo o que já se disse contrário a Proclamação da Republica, visto que a história republicana foi mesmo um retrcesso para o Brasdil. A Republica não desenvolveu o nosso pais, assim como os sonhadores golpistas  achavam que o Brasil seria uma potencia como os Estados Unidos da America. Os fatos historicos mostraram totalmente o contrario: ditadura, corrupção…. etc. Que horror!

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