Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A noite dos gatos pardos na política brasileira, por Aldo Fornazieri

A noite dos gatos pardos na política brasileira, por Aldo Fornazieri

A política brasileira vive uma noite de gatos pardos. Não há mais luminosidade sobre a cena. Os atores políticos se tornaram irreconhecíveis. Solertes, muitos desses autores agem à esguia, na escuridão, para se salvarem da prisão e para salvar o botim que tomaram dos cofres públicos. Cínicos, outros negam os seus crimes mesmo que pegos com o resultado em suas próprias mãos do esbulho que praticaram. Terceiros continuam a abarrotar suas contas com propinas até mesmo enquanto são investigados.

Os partidos, em sua maior parte, se tonaram associações para traficar a política como negócio privado. Os inimigos de ontem são os amigos de hoje e os inimigos de hoje eram os inimigos de ontem. Na noite escura da política brasileira a fisionomia da maioria dos políticos e dos partidos se desfigurou. São poucos os que ainda mantêm a sua dignidade e ousam confrontar a degradação da vida pública. Sejam quais forem os desdobramentos dessa crise política artificial, o povo terá que pagar a alta conta pelo ajuste de economia em crise.

Os democratas de ontem são os conspiradores de hoje. Os corruptos de hoje eram os moralistas de ontem. Os moralistas de hoje não têm moral. Sob o comando de Aécio Neves, o PSDB tornou-se o partido da mendicância judicial e do uso de mecanismos legais para surrupiar a soberania do povo. O Brasil está de joelhos diante das chantagens do presidente da Câmara, sobre o qual já pesam robustas evidências de atos ilícitos, conforme mostra a imprensa diariamente. Ao negociar a salvação do governo e do próprio Cunha com Cunha, do antigo PT só restam escombros morais e políticos.

O PSDB e a Mendicância Judicial

O PSDB, de partido promessa de socialdemocracia brasileira e de partido da responsabilidade fiscal, tornou-se um partido mendicante judicial. Instado pelo inconformismo e ressentimento de Aécio Neves, que não aceita os resultados eleitorais, o PSDB reuniu em seu entorno moralistas sem moral, juristas dispostos a galgar as páginas da história mediante uma ação sem méritos, incitadores do golpe militar e políticos que apedrejam a casa do vizinho sem possuir a necessária honradez para tanto.

O PSDB dos últimos tempos tornou-se uma espécie de UDN mediocrizada. Deixou de exercer o protagonismo político e programático para descarnar a atividade política de sua essência através de sua tribunalização. A antiga UDN, além de ser conhecida como “as vivandeiras dos quartes”, apelou várias vezes aos tribunais e ao processo de impeachment para tentar cercear a democracia pelo golpe militar ou pelo golpe institucional.

Em 1950, a UDN tentou impedir a posse de Getúlio Vargas apelando para o Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o PSDB faz o mesmo, querendo que o TSE casse a chapa Dilma-Temer. Em 1954, a UDN tentou afastar Vargas com um processo de impeachment. O PSDB tenta recorre a idêntico expediente agora contra Dilma, mesmo que líderes tucanos, a exemplo de FHC, reconheçam que a presidente é pessoalmente honesta e mesmo que vários juristas argumentem que não há nenhum motivo jurídico para a abertura do impeachment. O golpismo da UDN se renovou na tentativa de evitar a posse de Juscelino Kubitschek e ao ombrear com os militares em 1964. Não é mera coincidência o fato de que os que apelam ao golpe militar hoje se associarem ao PSDB. O PSDB quer viabilizar através de um golpe dos tribunais aquilo que os direitistas querem viabilizar com a intervenção das Forças Armadas, mesmo ao arrepio da vontade dos líderes militares de hoje.

Políticos e juristas do PSDB confundem o papel dos tribunais. No sistema republicano democrático, os tribunais devem estar a serviço da democracia e da Constituição, não acima dela. A democracia se fundamenta no princípio da soberania popular. A própria Constituição tem seu limite nos direitos do povo, como bem demonstraram os Federalistas – Pais Fundadores dos Estados Unidos. Se não há nenhum fundamento jurídico para incriminar Dilma, a soberania do povo deve prevalecer sobre a vontade dos inconformados. Os tribunais e os juízes atentarão contra suas funções constitucionais se atenderem as demandas pessoais e partidárias dos ressentidos.

Ademais, os pedidos de impeachment parecem ter uma clara inflexão machista. A indignação dos moralistas sem moral, por exemplo, não se manifesta contra Eduardo Cunha, contra o senador Agripino Maia, que foi tesoureiro de Aécio Neves, e tantos outros políticos indiciados e investigados. Aécio sempre se mostrou valente contra mulheres: na campanha, colou o dedo em riste no rosto de Luciana Genro. Mas por enfrentar uma mulher de coragem levou uma descompostura histórica. Agora se mostra valente contra Dilma e pianinho em relação a Cunha.

A Política como Tráfico

A maior parte dos partidos não representa os legítimos interesses de grupos sociais. As contendas partidárias não refletem as contendas que ocorrem na sociedade. Esses partidos representam os seus interesses e negócios próprios, ligados com interesses e negócios próprios de grandes grupos econômicos privados, aos cargos no setor públicos, aos polpudos empréstimos a juros subsidiados que podem ser concedidos e auferidos e aos privilégios, benesses e propinas que pedem ser amealhados.

O PT, partido que tinha uma sólida e combativa base social, se desfez do seu patrimônio moral e político para buscar outros tipos de patrimônios. Quando negocia sua salvação e a salvação do próprio governo com Eduardo Cunha é porque o caminho da antiga dignidade chegou realmente ao fim. À boca grande e à boca pequena se fala que esta negociação está em curso. Cunha, em sua desgraça, negocia com a oposição e com o governo e acertará o acordo com aquele ator que pode lhes oferecer mais tábuas de salvação. Lula, recentemente, encontrou-se com Cunha. Não há nenhuma justificativa institucional para tal encontro. Afinal de contas, Lula não ocupa nenhum cargo público. Tratou-se de negociata política.

Alguns líderes petistas de proa jogaram suas histórias e suas biografias na lata do lixo da história. É lamentável e triste, pois foram pessoas que escreveram páginas louváveis de lutas pela democracia e por direitos. Os petistas deveriam saber que melhor ser derrotado com dignidade do que vencer sem honra. A crise em curso já pôs Lula vários degraus abaixo em relação aos patamares alcançados no final de seu governo. Ariscar-se-á Lula a descer mais? Seria lamentável, pois ele é um líder que emergiu das autênticas lutas do povo e de alguma forma ou de outra, melhor as representou na contemporaneidade. As lutas progressistas e republicanas querem conferir um melhor sentido à história. Os sentidos de futuro autênticos se ancoram nas melhores lutas e nos melhores líderes do passado. Será uma imensa derrota para o futuro das lutas progressistas e republicanas se Lula tiver sua biografia destruída pela crise em curso.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

12 Comentários

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  1. Sei não, mas não consigo

    Sei não, mas não consigo dissociar as figuras do Sergio Moro, do Rocha Mattos e do Lalau. Porque será? Síndrome do Pânico?

  2. Que bobagem….

    “Quando negocia sua salvação e a salvação do próprio governo com Eduardo Cunha é porque o caminho da antiga dignidade chegou realmente ao fim.”….depois de ler uma bobagem dessa, todo o artigo do articulista perdeu valor…Será que ele acredita na grande mídia, que espalhou esta bobagem para que idiotas acreditem ?? Sugiro ao articulista que se informe melhor…..

  3. Excetuados os jornais das

    Excetuados os jornais das empresas de pessoas partidárias do PSDB – Folha, OESP, Abril e Globo – ainda não encontrei nada que sugerisse que o PT negocia com Cunha sobre os crimes que pesam sobre o deputado. Sobre projetos do governo, por exemplo a nova CPMF, sim. Afinal Cunha ainda é o presidente da Câmara. Mas se o PT se dispusesse a interferir no Judiciário e no MP, instâncias em que Cunha está em risco, por exemplo Dirceu teria sido condenado?

    Agora, Cunha é homem-bomba, disposto a explodir tudo em volta caso seja “explodido”. Se é para ficar nas ilações, talvez o que Lula tenha buscado em Cunha, além do apoio aos projetos do governo, seja que Cunha não poupe ninguém da “oposição raivosa”, Aécio, Aloysio Nunes e que-tais. E esse pedido não precisaria nem ser expresso, basta a presença de Lula para passar a Cunha a impressão de que o PT o apoiaria em caso de delações. Ou seja: que Lula está buscando em Cunha algo bom para o PT e para o governo, disso não há dúvida – Lula sempre busca algo bom para o PT. O que não se sabe é se esse “algo” buscado seria esconder mal-feitos do PT ou garantir a revelação de mal-feitos da oposição.

  4. É piada ou é sério?
    O

    É piada ou é sério?

    O articulista num tom crítico,quase indignado,dá uma longa volta para atirar o Cunha no colo do Lula.

    Me engana que eu gosto.

    Cunha_golpista

    Aécio_golpista

    Gilmar_golpista

    FHC_golpista

    Caiado_golpista

    Agripino_golpista

  5. Também não sei como o

    Também não sei como o articulista pode afirmar com tanta convicção de que o Lula se encontrou com o Cunha, e que o assunto era o “salva a Dilma, que a gente te salva”. Pelo que sei nem o pig afirmou que tal encontro aconteceu.

    O que se divulga é que o Jaques Wagner encontrou-se com o dito cujo. O assunto segundo o ministro é a votação dos vetos presidenciais. Quem quiser especular que houve negociata para “mútuas salvações” que o faça. Mas não consta que Lula estivesse presente.

    Além do mais, como o governo, o PT e o Lula podem salvar o Cunha da lava a jato? Se eles são na maioria das vezes os alvos preferenciais do super Moro e seus procuradores intocáveis? Ajudá-lo na processo por quebra de decoro? O PT não tem força para praticamente nada no Congresso atualmente.

    Claramente o morto-vivo Cunha vê no prolongamento do impasse, ‘dou ou não inicio ao impeachment”, sua chance de sobrevida. Para que eu não sei. A morte está anunciada. E Lula é burro para querer salvar um morto?

    1. Eu sei como…

      Eu sei como o articulista pode afirmar com tanta convicção de que o Lula se encontrou com o Cunha: MENTINDO!

      Esse post é apenas uma diatribe tentando jogar o Cunha no colo do PT, quando todos sabem que muito pelo contrário, é a oposição que está com seus gordos rabos firmemente presos ao do Cunha.

      O desespero da mídia para jovar o Cunha no colo do governo é evidente melas manchetes e capas de revistas escandalosamente mentirosas e apelativas que podem ser encontradas nos últimos dias.

      Este monturo de estrume colocado aqui a guisa de post é apenas mais uma faceta do mesmo desepero.

      Dá nojo…

  6. dos motivos de não haver futuro para o Brasil sob o lulismo (2)

    Lula se encontrou com Cunha?

    Lula se encontrou com Sarney. Lula se encontrou com Collor. Lula se encontrou com Renan Calheiros. Lula se encontrou com Maluf. Lula se encontrou com Bush. Lula é o cara!

    são todos Lula.

    p.s.: e Dilma continua se encontrando com Levy e Tombini.

    .

  7. Vidência

    Só uma dúvida: onde o articulista encontra tanta certeza nesses arranjos entre PT e Cunha? O cenário me parece claro: o Cunha, desde que se elegeu presidente, aponta uma arma para o governo. A oposição grita atira e o PT pode fazer o quê? Negociar, ora! Quem tem legitimidade? O acuado ou o achacador e a turba “revolucionária” do impeachmente?

    Quem embalou o Cunha – a oposição – é quem deveria se mostrar mais indignada e pedir seu afastamento. O governo, por certo, tem que pedir governabilidade e o PT, óbvio, tratar o Cunha como sempre tratou: como um adversário que, cometendo falta gravíssima, deve ser retirado da política pela cassação. Isso não significa que deva, unanimamente, assinar pedidos e fazer discursos inflamados diários. Como partido do governo, há de se ter bom-senso.

    Dizer que o PT fez qualquer negociata me parece legítimo somente se algum membro do partido o apoiar publicamente – tal como fizeram os oposicionistas – ou o preservarem no conselho de ética. Se isso acontecer, aí sim o partido acaba.

    Neste momento, entretanto, qualquer ilação nesse sentido é transformar o boato da grande mídia – a quem interessa o “todo político é igual” – em fato, uma aberração que não podemos consentir.

  8. dar espaço a possíveis candidaturas 2018 pois já começou

    o GGN devia começar a dar espaços a outros articulistas que tragam reflexões sobre 2018. Articulistas sobre as prováveis candidaturas, pois claro que a campanha já começou. Não deve ser espaço simpático a um partido só. Basta ( ” basta ” ? ) serem textos de senso crítico. Houve um encontro “curso” em que compareceram desde Tarso Genro a Marina Silva. Ciro Gomes poderia (deveria) ter um analista sobre sua provável candidatura. Já opinio: Lula candidato é adiar por décadas a rearrumação do PT e um novo presidente ou presidenta. Uma frente popular, ou de esquerda, ou democrática não deve ter como cabeça, nem sempre, o maior partido. Isso é tão elementar que me acanha, que me dá vergonha ter que “falar”.

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