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Apesar dos ruídos e ataques internos, risco-país permanece estável pós-eleição. Por quê?, por Daniel Consul de Antoni

O que pode estar por trás dessa trajetória em mar calmo do risco-país, apesar dos últimos acontecimentos relatados?

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Apesar dos ruídos e ataques internos, risco-país brasileiro permanece estável pós-eleição. Por quê?

por Daniel Consul de Antoni

O primeiro mês do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado por diversos acontecimentos no campo político. Além das naturais e esperadas mudanças na estrutura de gestão do Poder Executivo brasileiro, o ataque golpista às sedes dos três poderes ocorrido no dia 08 de janeiro dominou o cenário político e midiático nesses primeiros trinta dias de governo.

No campo econômico, os desafios ao presidente eleito e ao Ministro da Fazenda Fernando Haddad são enormes: a substituição da principal regra fiscal do país, o teto de gastos, que sobreviveu à base de “furos” ao longo dos últimos anos,[1] expondo a força do conflito distributivo nacional, e a esperada reforma tributária são questões que se impõem logo no curto prazo, para o primeiro semestre do ano corrente. Sem contar de início com a benevolência de setores relevantes do mercado financeiro e empresarial, muito por conta da reorientação prometida no que tange à gestão econômica do país, o novo governo tem trabalhado com vistas à concretização de diversas propostas da época da campanha eleitoral. O foco tem sido as acima citadas reformas e o cuidado para com os âmbitos social, principalmente no que diz respeito ao mais importante programa de renda básica do país, o Bolsa Família, e ambiental.

É importante, ao analisarmos o início deste novo governo, destacar que diante da omissão do ex-presidente Jair Bolsonaro após a derrota eleitoral do dia 30 de outubro, Lula começou sua articulação político-econômica ainda no mês de novembro de 2022, dias após ser eleito. Tal articulação redundou na aprovação da Emenda Constitucional nº 126/2022 (outrora chamada de PEC da Transição), a qual permitiu a recomposição de certas rubricas do orçamento federal para 2023 bem como o cumprimento de promessas de campanha, como a elevação do salário-mínimo – congelado em termos reais nos últimos anos. Essa articulação, entretanto, não ocorreu sem ruídos com certos setores da sociedade. No dia 10 de novembro, o presidente eleito questionou, em alusão ao sistema de “metas de inflação” que existe no Brasil desde a implementação do tripé macroeconômico em 1999, a ausência de um sistema de “metas de crescimento” para o país. No dia 16 de novembro, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin entregou ao Congresso Nacional a referida PEC da Transição. Tanto a fala do presidente eleito quanto a entrega da PEC ao Congresso Nacional parecem ter causado volatilidades no mercado financeiro, com o principal índice do mercado acionário, o Ibovespa, desvalorizando, a taxa de câmbio depreciando e as taxas de juros sofrendo pressões altistas. O risco-país, por sua vez, quando mensurado pelo índice EMBI+ Brazil (Emerging Markets Bond Index Plus), não apresentou grandes oscilações no período, conforme explicita o gráfico a seguir:

Quando da última divulgação do índice até a escrita deste texto, dia 24 de janeiro, a mensuração em pontos-base encontrava-se até mesmo em patamar inferior ao verificado às vésperas do primeiro turno. O que pode estar por trás dessa trajetória em mar calmo do risco-país, apesar dos últimos acontecimentos acima relatados?

Trabalhos empíricos que exploram os determinantes do fluxo de capitais e do risco-país de economias emergentes como a brasileira costumam utilizar a abordagem teórica push e pull para analisar a trajetória dessas variáveis. Fatores do tipo push são aqueles relacionados à macroeconomia global – fatores exógenos, portanto, e fora de controle das economias emergentes. Fatores pull, por sua vez, são fatores domésticos, específicos dos países; mais suscetíveis, portanto, às ações de política macroeconômica interna.

Entre os fatores do tipo push é possível destacar o VIX Index. Este é um índice usualmente tomado como proxy de instabilidade esperada nos mercados financeiros internacionais. Pode ser tomado também como proxy de aversão ou apetite ao risco por parte de investidores externos. De acordo com dados do CBOE (Chicago Board Options Exchange), esse índice encontra-se atualmente em tendência baixista, com uma queda acumulada de 18,4% nos últimos seis meses.

No que diz respeito aos fatores pull, destacam-se principalmente aqueles relacionados à solidez das contas externas das economias emergentes. Nesse quesito o Brasil se destaca. Atualmente, o estoque de reservas internacionais equivale a aproximadamente 17% do PIB do país [2]; esse estoque, além disso, equivale a 456% da dívida externa bruta de curto prazo (com vencimento até um ano) e 138% da dívida externa bruta de longo prazo (com vencimento superior a um ano) do país.[3] Ainda no âmbito das contas externas, o Boletim Focus do Banco Central do Brasil de 20 de janeiro prevê um superávit de 58 bilhões de dólares na balança comercial brasileira em 2023, além da entrada líquida de 80 bilhões de dólares via investimento estrangeiro direto. A manutenção de sólidas contas externas é condição essencial para que um país emergente cresça sem restrição de balanço de pagamentos – um fantasma que assombrou o Brasil no último quarto do século passado. O acúmulo de um alto estoque de reservas internacionais ao longo dos últimos vinte tem sido fator estabilizador para afastar os fantasmas de outrora. Isso, por sua vez, conforme demonstram diversos trabalhos econométricos, contribui para a manutenção do risco-país em baixos níveis.

Por fim, vale destacar que há evidências empíricas de que political noise, isto é, problemas políticos internos de um país têm potencial de impactar diretamente no risco-país. As respostas contundentes por parte do governo federal, das polícias e do judiciário à invasão violenta às sedes dos três poderes em Brasília certamente têm contribuído para afastar receios e manter a previsibilidade na trajetória política e econômica brasileira ao longo dos próximos meses. Nesse sentido, considerando o cenário externo benigno e as trajetórias saudáveis atual e esperada das contas externas nacionais, é compreensível que o risco-país venha se mantendo sem grandes oscilações ao longo das últimas semanas. A manutenção desse cenário é condição essencial para a retomada sólida do crescimento e desenvolvimento com distribuição de renda no Brasil nos próximos anos.

Daniel Consul de Antoni – Economista e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense (PPGE-UFF).

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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[1] Foram cinco alterações nos seis primeiros anos de vigência da regra, de acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal (Relatório de Acompanhamento Fiscal, janeiro de 2023).

[2] Dados para dezembro de 2022. Fonte: Banco Central do Brasil.

[3] Dívidas externas públicas e privadas. Dados para o terceiro trimestre do ano de 2022. Fonte: Banco Central do Brasil.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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  1. OS PREPOSTOS DO MERCADO NA GRANDE MÍDIA FICAM ATORDOADOS QUANDO O PRESIDENTE LULA OU ALGUM MEMBRO DO GOVERNO FAZ ALGUMA CRÍTICA ÁS POLITICAS MONETÁRIAS DO BCB. APESAR DE ESTARMOS NUMA DEMOCRACIA, NÃO SE PODE CRITICAR A ATUAÇÃO DO BCB, POIS TAL CRÍTICA PODER MEXER COM A ULTRA SENSIBILIDADE DOS NOSSOS MINOTAUROS FINANCEIROS E PROVOCAR A SUA IRA, TRANSFORMANDO SEU APETITE EM AUMENTO DE JUROS EXTORSIVOS E QUE NO FINAL REDUNDA EM MAIORES LUCROS QUE POR SUA VEZ, TRAZEM MAIS MISÉRIA PARA O NOSSO POVO. ESSES ARAUTOS DO RENTISMO REPERCUTEM A IMPORTÂNCIA DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL EM RELAÇÃO A INTERFERÊNCIA POLÍTICAS NAS SUAS DECISÕES, MAS ESQUECEM QUE, NA VIDA REAL, ELE É CONTROLADO PELO LEVIATÃ CHAMADO MERCADO.BASTA DÁ UMA VERIFICADA NA PROCEDÊNCIA DOS SEUS DIRETORES.

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