A mão invisível, por Marcelo Miterhof

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Da Folha

Marcelo Miterhof

A mão invisível

A garantia dos direitos individuais não acaba com a necessidade de as pessoas se organizarem coletivamente

A mão invisível é a mais interessante ideia tratada no livro “Sete Ideias Ruins: Como os Economistas Convencionais Prejudicaram os EUA e o Mundo”, de Jeff Madrick.

Seu intuito é descrever como compradores e vendedores interagem livremente no mercado para alcançar o preço que equilibra as preferências dos consumidores, frutos de necessidades e desejos, e os custos (ou as dificuldades) de atendê-las.

Madrick destaca que Adam Smith, o criador do termo, usou-o só uma vez no livro “A Riqueza das Nações”, o que bastou para a imagem fazer a cabeça de muita gente.

Expressão cunhada em 1776, ano da Independência americana e pouco antes da Revolução Francesa, quando a individualidade ganhava força, começando a libertar o mundo dos grilhões das relações tradicionais, a mão invisível foi útil para reforçar a convicção moral de que agir segundo o que é um estrito interesse individual acaba sendo o melhor para coletividade.

A beleza da metáfora vem da perfeição que o mercado parece por natureza ter: descentralizado, automático e eficiente. O sucesso do capitalismo em elevar a produtividade e em criar novos bens e serviços parece corroborar essa impressão.

Então, por que a mão invisível é uma ideia ruim? Um problema é que ela supõe que os preços de mercado são capazes de sintetizar os estímulos do capitalismo.

De fato, o preço é um bom regulador da escassez de curto prazo. Se o conjunto de pessoas procura por um bem mais do que existe de oferta, seu preço subirá. Com isso, parte dos consumidores, conforme a intensidade de suas preferências e suas possibilidades de gasto, perderá interesse no bem, equilibrando demanda e oferta. Adicionalmente, os produtores são incentivados a elevar a produção e, se necessário, investir para ampliar a capacidade produtiva desse produto. O inverso vale para o caso de um excesso de oferta.

Tal mecanismo descreve adequadamente mercados de bens perecíveis, como o de peixe na feira. Porém fica menos poderoso se é possível estocar. Joseph Schumpeter mostrou que esse é um de vários “freios” à concorrência. Outros exemplos são marcas, volume de investimentos para iniciar uma produção etc.

Esses freios são em certa medida bons para o capitalismo. Ao conferirem poder de mercado –a capacidade de fixar preços acima do que ocorreria num mercado “perfeitamente” competitivo–, permitem gerar recursos para investir em inovações, assumindo riscos para tentar encontrar novas formas de se diferenciar dos concorrentes (ou para tirar a vantagem obtida por um inovador prévio), por exemplo, criando novos produtos ou novas tecnologias que diminuem custos.

Nesse jogo de diferenciação e “desdiferenciação” entre produtores, a concorrência se mostra mais fidedigna à realidade e mais frutífera do que no simples mecanismo alocativo da mão invisível.

A mão invisível também ignora o papel do Estado no complexo jogo competitivo. As compras estatais, as universidades, a política externa, os bancos públicos são formas de alavancar o poder inovador das empresas de um país. A inovação é uma atividade arriscada e dispendiosa. Os esforços podem ser malsucedidos. No balanço de uma firma, costuma não valer a pena assumir riscos por prazo muito longo.

Esse é um risco assumido pela coletividade, casos clássicos dos gastos militares –que nos EUA criaram a internet, o GPS etc.– e do desenvolvimento de medicamentos para a saúde pública.

Quer dizer, a mão invisível promove desarticulação artificial entre mecanismos competitivos e cooperativos. Em doses variadas, eles estão sempre presentes nas interações humanas. Mesmo num casamento há competição (pelo afeto dos filhos, por exemplo) e entre comerciantes a cooperação não é de todo excluída, como quando uma rua é conhecida por abrigar lojas do mesmo ramo.

A mão invisível teve um papel na fundação da modernidade. Mas ela esconde que a garantia dos direitos individuais não acaba com a necessidade de os seres humanos se organizarem coletivamente. Aliás, o mercado também é uma forma de organização coletiva (ninguém se faz sozinho). O desafio da democracia é como fazer o balanço entre competição e cooperação para promover eficiência e igualdade, dois requisitos da busca por mais liberdade.

Dedico a coluna às memórias dos ministros Adib Jatene e Márcio Thomaz Bastos. Quanta falta nos farão!

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MARCELO MITERHOF, 40, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas nesta coluna.

Ilustração – Envolverde

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. bom texto para debate.
    as

    bom texto para debate.

    as pessoas é que fazem o capitalismo ou é o capitalismo

    e suas conttradiçõe é que determinam o que serão as  pessoas?

    o batedor de carterias aprece ter uma mão quase invisível,

    quae ninguém nota que o cara afanou alguém, na maior.

    é simplificativo, mas é uma frase.

    quando é cooperartivo, até que o capitalismo [e deglutível.

    mas se a eccçusão é determinante, só se o cara for educado

    desde pequeno a levar vantagem em tudo.

    passa a perna num montão de gente e se dá bem!

    ou  vira  protestante, como bem analisou weber….

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