Cuidado, os alquimistas estão voltando. Privatizar é viver, por Reginaldo Moraes

Cuidado, os alquimistas estão voltando. Privatizar é viver

por Reginaldo Moraes

Publicação de 1999 da Merril Lynch listava os “avanços” na privatização dos serviços de saúde e mostrava como fazer para lucrar com a educação. As mesmas promessas são vendidas, agora, por merril-lynchianos repaginados, aqui no país tropical

O tempo é cruel. Não apenas quando olhamos nossa imagem no espelho ou nas fotos de juventude. Contudo, paradoxalmente, esse exercício faz bem para a saúde. Exemplo claro dessa regra é uma brochura publicada pelo departamento de “pesquisa” da consultoria Merrill Lynch em abril de 1999. The Book of Knowledge. Título bíblico, mas o conteúdo não faz questão de sê-lo. Faz questão de selo, o da ML, que na época valia alguma coisa. O subtítulo esclarecia a quais crentes se dirigia: Investing in the Growing Educationand Training Industry.

Em suma, era um panfleto promocional travestido de “estudo”. Mas era revelador como pseudo-estudo. Não vou comentar os numerosos detalhes instigantes do texto. Selecionarei dois ou três, quem sabe volte a ele no futuro. Para os interessados, o book está disponível na aqui

Leia com cuidado, tendo sempre na mente duas coisas: quem escreve e quando. Olhando para quem escreve você tem uma ideia de onde eles querem chegar. E olhando para a data, você tem como ver onde é que eles chegaram (ou onde nos fizeram chegar).

A finalidade da coisa era vender um novo filão de “investimentos” a clientes da ML – ricaços, claro, mas também os administradores sedentos de fundos de pensão ou de finanças municipais em busca de investimentos dourados para suas reservas de caixa.  Gente que é paga para administrar o dinheiro dos outros.

O volumoso panfleto deixava claro o que pretendia. Enumerava os “avanços” que se registravam na privatização dos serviços de saúde e mostrava como era preciso “avançar” na área da educação, uma “indústria” que, nos Estados Unidos da época, movimentava quase 800 milhões de dólares em vários sub-ramos – educação elementar e média, vocacional, superior, materiais didáticos e sistemas, equipamentos, softwares e assim por diante.

São reveladores os “obstáculos” que o estudo menciona no sistema de escola elementar e média (o chamado nível K-12 – do kindergarten até a high school). Dizem os merrill-lynchianos que é a fatia mais gorda do mercado. Só que é preciso vencer a resistência dos professores e seus sindicatos, a desconfiança das famílias, o “corporativismo” dos administradores públicos. Curioso é que os camelôs da ML vendem corporações a corporações, de cujo “corporativismo” nem ouvimos falar.

Em suma, o pseudo-estudo não apenas disseca o mercado potencial, ele sugere quais as iniciativas necessárias para torná-lo “natural”, isto é, desregulado. Entre outras coisas, mexer no famoso Título IV da lei federal de educação, que impõe limites a repasses e subsídios para instituições educativas com fins lucrativos.

Algum sucesso houve na receita. O sistema de educação “for profit” cresceu em todos os níveis, alterando, sim, a lei, de modo a injetar recursos públicos em instituições privadas visando ao lucro. Algumas delas chegaram a ter 80% ou 90% de sua receita vinda desses fundos públicos. No nível superior, as empresas lucrativas acolhiam apenas uns 2% do estudantado na época da publicação (1999). Dez anos depois, tinham chegado aos 15%. Nisso foram eficientes. No que diz respeito à conclusão de cursos, porém, patinavam tremendamente. Matriculavam muito, graduavam pouco. E, sobretudo, penhoravam os estudantes. O resultado disso foi uma multidão de ex-estudantes endividados e sem perspectiva de emprego para pagar o débito.

Mas isso, afinal, faz parte do risk-taking, não é mesmo? Quem mandou? Fora todas essas promessas radiosas com final triste, um outro traço bem curioso do panfleto, outro que o tempo maldosamente deforma, é a lista de profetas que os “pesquisadores” cortejam.

Entre as celebridades do sucesso está, por exemplo, Michael Milken, louvado e incensado. Na época, era o Midas americano, transformava em ouro tudo o que tocava. Ou assim parecia. Dez anos depois foi preso por fraude e extorsão. Pagou multa de 600 milhões de dólares para comprar a liberdade. Não muito, o suficiente para seguir velejando em ilhas do mediterrâneo e acendendo charutos com notas de cem dólares.

Um outro profeta era o presidente da Chrysler Corporation, recitando as virtudes do livre mercado.  Em 2009, a corporação faliu e foi estatizada por Obama, que nela despejou o dinheiro do contribuinte. Os dirigentes, claro, foram premiados pelo insucesso.

Mas a cereja do bolo cabe à própria Merrill Lynch, autora do “estudo” e vendedora dos papéis de investimento podre. Faliu, mas o governo Obama mexeu os pauzinhos para que fosse comprada a preço simbólico pelo Bank of America. Seus dirigentes? Receberam os maiores bônus e prêmios de sua vida, uma remuneração adequada por terem destruído a firma e deixado no sufoco os pensionistas e contribuintes que tinham comprado a papelada sem valor.

A estória é divertida, vista de longe, não é? Mas é bom colocar as barbas de molho. As mesmas promessas mirabolantes são vendidas, agora, por merril-lynchianos repaginados, aqui no país tropical. Transformar saúde e educação em cupões e vouchers, em escolas charter, administradas por empresários “criativos”, substituir o “antiquado” SUS por modernos planos privados “baratinhos” e feitos na medida do freguês. É assim que começa, como as guerras norte-americanas. Como termina? Como as guerras deles.

do Brasil Debate
http://brasildebate.com.br/cuidado-os-alquimistas-estao-voltando-privatizar-e-viver/
 

 

Redação

3 Comentários

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  1. cuidados….

    Somos lunáticos.Ou somos imbecis. Não é possível. Miriam Leitão bradava todos dias  durante o Governo Dilma: “Dinheiro Público (BNDES)  não é para salvar Empresas”. Então Obama socorreu umas dúzias de Empresas Americanas, “estatizando” a GM, a maior de todas. Alguém calou a boca e sumiu. Será que não aprendemos nem com nossos erros? Farsa ou Tragédia? Consenso de Washington, Privatarias, Estado Minimo, o país sem comandar seu próprio território e politicas, venda de riquezas e recursos naturais e públicos por moeda podre, fabricadas por bolhas especulativas, que se dissiparam com amesma rapidez que foram tomadas riquezas nacionais. Falta de Industrialização, atraso, desemprego ou subempregos. BNDES financiando toda esta farra.Não pode financiar Empresas e Empregos Nacionais, ampliando nosso Parque Industrial pelo Mundo, mas pode financiar nossa escravidão. Financiou a Enron, norte americana,com alguns bilhõesdereais,dias antes desta falir. Levou os bilhões e toda a Rede de Distribuição de Energia Elétrica do Estado de SP. Lula ficou com o mico e a obrigação de manter o sistema funcionando. Busch falou: temos um contrato assinado. E Miriam bradando:contrato assinado tem que ser cumprido. Mesmo que dê todas as garantias, todos lucros, toda lucratividade e nenhuma obrigação. Privatarias novamenbte? Somos Surreais !!!

  2. Sem regulação, o capitalismo

    Sem regulação, o capitalismo levará o ocidente à bancarrota. Diante do controle dos estados pelas corporações financeiras, não deve ocorrer nenhuma regulação. A ganância é o valor maior desse nosso tempo.

  3. – “Ué, banco metendo o

    – “Ué, banco metendo o bedelho em educação?”

    – “Como assim, ‘educação’? Ah… é mesmo, né? Mas não é educação, é apenas dinheiro, negócios.”

    “Investing in the Growing Educationand Training Industry.”, bah! Não é à toa que grande parte dos estadunidenses quando crescem acabam se tornando “cucamongas”. Olha só a educação a que têm acesso, é mole? Cidadania é vestirem a bandeira do país deles enquanto executam crianças e mulheres no Iraque…

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