Estado empreendedor e desenvolvimento, por Cintia Neves Godoi e Sandro Luiz Bazzanella

Um Estado Empreendedor ou Neodesenvolvimentismo sem um plano nacional de desenvolvimento pode parecer insuficiente.

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Estado empreendedor e desenvolvimento

por Cintia Neves Godoi e Sandro Luiz Bazzanella

            As abordagens sobre a compreensão do Estado como empreendedor representaram significativa contribuição aos pesquisadores e atores sociais que por décadas pensavam e debatiam a importância do Estado na geração de riqueza, de inovações e seus impactos no desenvolvimento humano, social, local e regional.

            No entanto, passados os anos de avanços teóricos e práticos, começam a surgir inquietações. Embora seja óbvio é preciso relembrar que não há capitalismo sem Estado, e portanto, nunca houve estruturação de geração de riqueza sem esta instituição garantidora das forças necessárias para a divisão e regulamentação do trabalho, para a divisão das classes, para a garantia da propriedade privada. Ainda nesta direção, o Estado é a garantira de investimentos em setores produtivos, para investimentos em novos produtos e ideias, bem como investimento na garantia do uso da força contra os que não considerem normas da propriedade, de conduta, e do trabalho, normas estas definidas por pequenos grupos que comandam nações.

            Uma certa lógica do discurso alivia os que consideram que o Estado é garantidor de esforços para inovação, pesquisa e desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, começa a trazer dúvidas sobre onde se quer chegar com esta flexibilização dos últimos anos, pois até então, como bem mostrou Mazzucatto  – e os que corroboram com seu entendimento do Estado como agente ativo na geração de inovações, riquezas e etc – o Estado era visto como pesado, atrasado, moroso e como uma estrutura que não colaborava na geração de inovações, de soluções, pois estas, por vezes foram apresentadas como apenas oriundas do setor privado.

            De fato, expor a dinamicidade das estruturas estatais, das instituições geradoras dos investimentos nas inovações base para inovações derivadas, foi extremamente importante para que  pudéssemos entender e conhecer os investimentos feitos para a construção da rede mundial de computadores, internet, estruturas utilizadas na aplicação e criação dos telefones inteligentes, relógios inteligentes, “correção de solos” para produção agroindustrial, dentre outros. Conhecer o pesado investimento da sociedade por meio do Estado para geração das condições para revoluções tecnológicas é essencial.

            Mas, de lá pra cá, esta ideia força ” o Estado é empreendedor” parece passar a operar por ela mesma. Assim, em países como o Brasil, os receituários do desenvolvimento tem continuidade, afinal, agora além de o setor produtivo ser extremamente dinâmico e inovador, o Estado também o é. Bem, desta maneira surgem expressões que acompanham a ideia fim, ou o horizonte utópico de nossa sociedade há alguns bons anos: o desenvolvimento. Passamos por nacional-desenvolvimentismo, desenvolvimentismo nacional, novo desenvolvimentismo e estamos exatamente agora no neo-desenvolvimentismo, conforme apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria Comércio e Serviços, em 2023.

            Neodesenvolvimentismo com Estado dinâmico e setor produtivo dinâmico parece muito bom. Nos atenderia na geração de um novo Welfare-State, pois o primeiro foi anunciando na promulgação da Constituição de 1988, mas somente vivenciando em seus movimentos iniciais  com a presidência de Lula na década de 2000, considerada pelo Banco Mundial a década de ouro do Brasil. Queremos crer que talvez possamos vivenciar a segunda experiência de um Welfare-State a partir de 2023.

            No entanto, nos parece válido problematizar que Estado Empreendedor ou Neodesenvolvimentismo sem um plano nacional de desenvolvimento pode parecer insuficiente. Por isso, talvez aqui estejamos sendo de maneira muito ousada e petulante neodependentistas. Ou seja, argumentando que é preciso considerar se as elites oligárquicas, burguesas, financeiras nacionais estão dispostas para a construção de um projeto de país soberano assentado em experiência de democracia participativa e  justiça social, ou se buscam permanecer sócia minoritária dos centros de poder e capitais internacionais.

            E este problematizar visa cooperar para discutir o Brasil como objeto de análise.

            Vejamos, a partir da década de 2000 construímos Parques Tecnológicos em todo o país, bem como foram abertas incubadoras, a expressão startup passou a ser recorrente no vocabulário de muitos, a juventude passou a considerar a possibilidade e viabilidade de abrir empresas de aplicativos, de jogos, de serviços de gameficação … uma série de instituições, pautas, discussões, estruturas, currículos voltados à inovação. Ora, a inovação é apresentada como elemento que movimenta a economia e permite geração de riqueza, e desta maneira, investimentos em inovação, advindos do Estado ou do setor produtivo são indiscutíveis. Pero … será que nossos investimentos em inovação estão razoavelmente canalizados? Será que há disponibilidade de incentivos e investimentos para a inovação, desde que ligada ao desenvolvimento? E, aí como sempre, questionamos, que desenvolvimento? O que é o desenvolvimento?

            Há diversas acepções de desenvolvimento, e nenhuma delas parece estar ligada à autonomia tecnológica dos países do Sul, pelo contrário, parecem dar continuidade a uma condição periférica. Keun Lee (2013) economista chinês, professor e pesquisador em análise considerando Schumpeter e a inovação como importantes para compreensão de estratégias de geração de inovações de forma mais rápida do que outras economias industrializadas, medida pela diferença na taxa média de crescimento anual de patentes internacionais, expõe que os caminhos apontados pelas discussões sobre desenvolvimento se apresentam mais como uma lista de compras do que uma receita para desenvolvimento efetivo.

            Em artigo sobre Parques Tecnológicos brasileiros discutimos como, de acordo com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, no documento Estudos de Projetos de Alta Complexidade – Indicadores de Parques Tecnológicos (2019), houve um crescimento do segmento dos parques tecnológicos no Brasil, que no ano de 2000 somavam 10 parques, e que em 2017, já eram mais de 100 parques concentrados nas regiões Sudeste e Sul do país. Mesmo com estes enormes investimentos, se analisarmos dados ao WIPO[i] – um ranking global de inovação, em 2011 o Brasil ocupava a posição 47, e chegou em 2022 na posição 54. Ou seja, houve queda da capacidade inovadora brasileira. Como forma simples de comparação, se verificarmos os dados da Índia, em 2011 esta ocupava a posição 62, e em 2022, a posição 40, o que representa significativo aumento da capacidade de inovação do país situado ao sul da Ásia.

            Compreender o sucesso ou não de estados-nação no que diz respeito ao desenvolvimento e crescimento econômico é exercício para diversos autores. Para Marin e Arza (2009) o crescimento econômico pode estar, por exemplo, vinculado aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento dos países. Para tanto, podemos analisar os dados de investimento em pesquisa e desenvolvimento em diferentes países. De acordo com os dados do IBGE Países, é possível verificar que a Índia, por exemplo, em 2011 investiu 0,82% do PIB, de um montante de 1,8 trilhões; ao passo que o Brasil no mesmo ano, investira 1,14% do PIB, de um total de 2,16 trilhões.

            Desta maneira é preciso dizer que, por vezes, embora o Brasil esteja fazendo investimentos em setores e estruturas consideradas adequadas, vinculando orçamentos à pesquisa, desenvolvimento, e inovação, indicadores não apontam para avanços na geração de soluções brasileiras com agregação de valor à produção nacional, ou melhor, não apontam para o que Keun Lee chamou de “trajetória de crescimento autodeterminada que se baseia no desenvolvimento de suas próprias capacidades tecnológicas.”

            A partir desta problematização há algumas questões que se pode considerar: será que o Estado empreendedor brasileiro tem empreendido em inovação para produção nacional? Será que pode estar ocorrendo, a partir das instituições nacionais, apenas uma captura da qualificação de setores ou grupos para dar conta de desafios que não se apresentam como desafios do desenvolvimento brasileiro? Será que nossa geração de conteúdo e produtos está vinculada a plataformas estrangeiras, linguagens informacionais, computacionais gerando apenas subprodutos dependentes de macroestruturas, estas sim, recebedoras dos investimentos que terminam por reforçar a capitalização de seus Estados-nação de origem? Será que nossa pesquisa e desenvolvimento, nossa ciência e tecnologia, estão funcionando como capilaridade do adentrar do capital estrangeiro para concentração de riquezas além-mar? Pensamentos e, questionamentos advindos da comprometida ação intelectual de Milton Santos (1993), que considerava que a lista das causas do subdesenvolvimento e da pobreza não poderiam estar completas sem que atentássemos para o papel desempenhado pelo planejamento disseminado no mundo, bem como considerava nossa ciência regional como instrumento da capilarização do modo capitalista de produção. Com estes espaços produtivos organizados, colocando o Estado empreendedor como investidor em inovações  base e gerando capital para derivadas estrangeiras, as ações se mostram como endereçadas a alcançar elementos de interesse em pontos diversos no Brasil. Tudo por um planejamento do desenvolvimento, planejamento este, a serviço do redentor desenvolvimento, construindo paulatinamente uma redenção que nunca nos chega. 

Cintia Neves Godoi – Professora de Geografia

Sandro Luiz Bazzanella – Professor de Filosofia

Referências

GODOI, C. N. .; BAZZANELLA, S. L. Espaços Organizados Da Produção, Inovação, Tecnologia E Os Limites Do Desenvolvimento. Anais do Simpósio Latino-Americano de Estudos de Desenvolvimento Regional, IJUÍ – RS – BRASIL, v. 3, n. 1, 2023. Disponível em: https://publicacoeseventos.unijui.edu.br/index.php/slaedr/article/view/22914. Acesso em: 27 jun. 2023.

Lee, Keun Schumpeterian Analysis of Economic Catch-up: Knowledge, Path-creation, and the Middleincome Trap, Cambridge University Press, 2013, ISBN: 978-1-107-04268-1, 273pp

Marin, A.; Arza, V. From technology diffusion to international involvement: re-thinking the role of

MNCs   in   innovation   systems   of   developing   countries. Handbook   of   Innovation   Systems  and Developing Countries-Building Domestic Capabilities in a Global Setting, Edward Elgar. 2009

MAZZUCATO, M. 2014. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público x setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguim.

SANTOS, M. Economia Espacial, Edusp, 2003.

WIPO (2022a). Global innovation index 2022. What is the future of innovation-driven growth? Geneva: World Intellectual Property Organization (WIPO). Available at: www.wipo.int/ global_innovation_index/en


[i]A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Wipo, na sigla em inglês) tem papel importante na análise das condições e, performance dos ecossistemas de inovação de 132 economias do mundo. Seus estudos e estímulos às políticas de inovação e tecnologia nos mais ricos e importantes países, se intitula “Índice Global de Inovação – Acelerando o Crescimento e Desenvolvimento”

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