A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), após o “ataque” que sofreu em 6 de dezembro com a “condução coercitiva” do seu reitor, Jaime Arturo Ramírez, sua vice, mais votada na lista tríplice para o próximo quadriênio, Sandra Goulart Almeida, e as ex-vice-reitoras, Heloísa Murgel Starling (2006-2010) e Rocksane de Carvalho Norton (2010/2014), além de outros professores e servidores, ainda deve uma explicação pública sobre o andamento da construção do Memorial da Anistia Política (MAP).
Ao que parece, a surpresa da ação policial e a forma como ela foi realizada – que acabou, como previmos, se transformando em um divisor de águas – leia em Provocado, Gilmar Mendes revê posição e suspende condução coercitiva – anestesiaram a direção da Universidade que, sob a desculpa do processo em segredo de Justiça, calou-se. Não veio a público nem mesmo quando o Blog publicou as explicações da Polícia Federal na postagem EXCLUSIVO: PF diz que UFMG “estaria manipulando documentos”. Ali consta suspeitas graves, que continuam merecendo resposta oficial.
O silêncio é quebrado agora não pela cúpula da UFMG, mas pelo procurador da República Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, que em Minas Gerais é o vice na Procuradoria Regional Federal do Direito do Cidadão PRFDC. Através da Recomendação MPF/PRMG Nº 48, de 19 de dezembro de 2017, ele incita o presidente da Comissão de Anistia, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, Paulo Henrique Kuhn, a concluir a obra e inaugura o Memorial. O documento recomenda que ele:
“(…) empreenda seus melhores esforços para: (i) evitar retrocessos no projeto de implantação do Memorial de Anistia Política do Brasil, localizado em Belo Horizonte/MG; (ii) adotar as medidas cabíveis, no âmbito da Comissão de Anistia, para a solução de todas as questões que envolvem a efetivação do projeto do Memorial de Anistia Política do Brasil, de modo a permitir a regular retomada do desenvolvimento das etapas que se encontrem pendentes“.
Compromisso assumido – A iniciativa do procurador é, na verdade, uma cobrança que a própria UFMG deveria fazer com respaldo de seus docentes, discentes e servidores junto ao governo Federal que paralisou a obra do Memorial.
Como lembra o procurador Netto Júnior, a construção do mesmo é também um compromisso que o Estado Brasileiro assumiu junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando do julgamento do famoso Caso Júlia Gomes Lund e Outros (Caso Guerrilha do Araguaia).
Verdade que as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos foram simplesmente desprezadas pelo governo federal e até pelo Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à ilegalidade da Anistia a agentes do Estado que cometeram atrocidades.
Mas, quando da contestação do Estado Brasileiro à ação movida por conta da omissão – inclusive dos governos pós-ditadura civil-militar, entre eles os do PT – com relação às arbitrariedades cometidas pelos governos militares, o país assumiu diversos compromissos. Inclui-se nos mesmos o do Memorial da Anistia Política como “uma das principais medidas de reparação assumidas pelo Estado brasileiro para enfrentar o legado de graves violações de direitos humanos perpetradas durante o regime militar no país“.
O memorial, como lembra a Recomendação do MPF (leia íntegra abaixo), foi abandonado pelo governo golpista de Michel Temer, que jamais teve qualquer compromisso com a memória da História Contemporânea. Como a própria Comissão de Anistia admitiu, por meio de um ofício encaminhado à Procuradoria, as obras encontram-se suspensas desde 09/09/2016.
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Das panelas vazias à ditadura togada, a amnésia popular.
Nassif, como um especialista em Direito Eleitoral como é o caso do ministro da Justiça poderia dar andamento a um Memorial de Anistia Política do Brasil se a presidente da República legitimamente eleita pelo voto popular foi destituída arbitrariamente, sem prova alguma capaz de justificar tal derrubada, e substituída por um vice-presidente que para manter-se no cargo subornou o Congresso Nacional? Como o ministro Torquato Jardim, a quem a Comissão de Anistia é subordinada, poderia dar prosseguimento à construção de uma obra destinada a “revelar as idéias, os movimentos, as utopias que inspiraram as ações das milhares de pessoas que sofreram perseguições por discordarem do regime político então vigente no país. O fio condutor será a luta do povo brasileiro pela instauração da democracia e da anistia.” – se não houve ainda a propalada redemocratização e o STF se auto-arvora em poder soberano do país, dando suporte a reformas estruturais só aventadas pelos programas pré-eleitorais dos partidos que perderam as eleições? É claro que Torquato Jardim, ex-assessor do ministro Jarbas Passarinho e do comando ditatorial de Garrastazzu Médici, não deve estar mantendo paralisada a edificação do Memorial por pruridos éticos, mas não deixa de ser irônico que estivesse assessorando o mesmo ditador responsável pelo Massacre do Araguaia que levou o Governo brasileiro a prometer mais tarde, em 2009, a construção dessa obra perante a Corte Internacional dos Direitos Humanos, “para preservar a memória da repressão política no Brasil, de 1946 até os primeiros anos da redemocratização, em 1985” consoante a Portaria Ministerial nº 858, de cinco de maio de 2009. Ironia maior ou tragédia, contudo, é constatar que tanto Lula como a ex-presa política Dilma Roussef não se empenharam, entre 2003 e o impeachment, em construir e inaugurar esse monumento em memória de toda uma luta anônima e desconhecida pela maior parte da população, que poderia ter evitado o golpe, caso conhecesse melhor sua História Contemporânea e não se dispusesse, como agora, sob o jugo das togas, a repeti-la, em continuidade à revolta das panelas vazias…