O ofício de “reality maker” II, por Sergio Saraiva

Aplainando contradições e desconsiderando fatos incômodos: como a grande imprensa enxerga o “Brasil cor-de-rosa” no “pós-Lula”.

óculos cor de rosa

O ofício de “reality maker” II, por Sergio Saraiva

Se você ler apenas os jornais, ficará sabendo que “a recessão terminou também no mercado de trabalho formal”. Quer dizer, não é bem assim. Na verdade, o número de empregos com registro em carteira na prática deixou de diminuir. Ou quase isso, já que “de dezembro de 2016 a dezembro de 2017, registrou-se a perda de cerca de 21 mil empregos celetistas no país”.

As frases em negrito foram retiradas do editorial da Folha de São Paulo “Ajudar o emprego” de 29 de janeiro de 2018. E sim, o editorial comemorava do fim da recessão e a recuperação do mercado de trabalho. Bastou extrair as frases e coloca-las em ordem lógica para ver que o próprio texto desmentia o que afirmava.

Havia mais no editorial: “nas estimativas otimistas, um crescimento econômico em torno de 3% permitirá a criação de 1,8 milhão de empregos neste ano. Nas mais espartanas, acredita-se em 1 milhão”.

Boas notícias se houvesse a possibilidade de o país crescer 3% no ano de 2018. Porém o mesmo texto lembra que “a recuperação não deve ser mais do que medíocre. O investimento público continuará escasso, o governo tem fracassado na tarefa de conceder obras à iniciativa privada e as empresas estão, na melhor das hipóteses, reticentes quanto à expansão da capacidade produtiva”.

Donde então o otimismo? Responde o editorial: “há ainda um ano inteiro pela frente…”

Lendo um dos articulistas com assento na página de política – a parte nobre primeiro caderno – ficamos sabendo, através do artigo ”O PT e o Judiciário: a criatura voltou-se contra o criador?”, que não foram “os governos do PT que lançaram as bases da autonomia e protagonismo das instituições de controle  – Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas. Essas características são o produto da delegação ampla de poderes a tais instituições ocorrida na Constituinte de 1987-88”.

Fosse assim e já existiriam nos governos FHC que são anteriores ao PT. Então caberia ao articulista explicar por que em tais governos o Procurador Geral da República era conhecido pela sugestiva alcunha de “engavetador geral da República”, ou por que, apesar de gravações comprovado a compra de votos para aprovar a reeleição, o Ministério Público não se interessou em aprofundar o caso. Talvez seja um caso de lapso de memória, por parte do articulista. Isso acontece.

Continuemos ainda na página de política do primeiro caderno e ficaremos que “em março de 2016, Lula e o PT estiveram então diante de uma bifurcação que conduz ou à glória ou à desgraça”. O artigo ”O Brasil transforma presidentes em divindades” trata da tentativa da presidente Dilma de nomear Lula seu ministro de Estado – uma “manobra”, segundo o articuçosta. Lula é tratado ainda pelo articulista com os termos de “mandachuvas” e “aiatolá petista”. Creio que o articulista estava tentando demonstrar sua isenção.

Em seguida, o articulista explica por que tal nomeação não ocorreu: Moro … tornou públicos os áudios feitos nas investigações … que, por ter colhido a presidente da República e ter ocorrido após o fim do mandado para escutas, não poderiam ter sido divulgados pelo juiz de primeira instância; e o ministro Gilmar Mendes atendeu pedido para suspender a nomeação de Lula … mas carregou na heterodoxia ao cercear a prerrogativa constitucional do presidente da República de nomear ministros”.

Não se trata de uma crítica ao Judiciário. Trata-se antes de um elogio. Como diz o articulista: “assim desmoronou a última cartada petista com chance de vingar…”.

Vejamos: um juiz de primeira instância comete uma ilegalidade – ou crime, como qualificou o ministro Marco Aurélio – e um ministro do STF avança sobre prerrogativas exclusivas do Executivo, mas quem executava uma “manobra” e tentava dar uma “cartada” era o PT.

O articulista tampouco cita que, ano depois, Moreira Franco foi nomeado ministro de Temer em situação análoga e o STF entendeu que não tinha poder para impedi-lo.

Às favas os pruridos da coerência, se diria, no passado.

Um jornal pode ser a favor ou contra. A isenção não é um pré-requisito para a credibilidade. Um jornal não pode jamais entrar em conflito com os fatos. Porém, quando articulistas de primeira linha do maior jornal do Brasil necessitam de tal contorcionismo lógico, algo está muito mal.

A credibilidade é o preço que a Folha, em particular, e a mídia em geral estão pagando na tentativa de construir o “Brasil pós-Lula”.

 

PS: a Oficina de Concertos Gerais e Poesia oferece a sua distinta freguesia um variado estoque de pão-pão e queijo-queijo.

Redação

2 Comentários

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  1. Pruridos? Sergio Saraiva, que
    Pruridos? Sergio Saraiva, que anacronismo, para dizer o mínimo. Os tempos são de, ao contrário, desfaçatez e escárnio. Como aliás vaticinado, né?

    SLP! Espero que tenhas avançado.

  2. Sérgio, tenho pena de vc

    Sérgio, tenho pena de vc cara: ter que ler as merdas que esses caras escrevem (para puxar o saco do patrão) é de ter de tomar engov trocentas vezes ao dia

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