Teria o PT se transformado no Partidão?
por Roberto Requião
No dia 21 de setembro, às vésperas da primavera (algum simbolismo?), participei também do lançamento do “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil” proposto pelo PT. E, mais uma vez, fiquei com a sensação da incompletude, de que minha fome, voracíssima fome, por um programa revolucionário, verdadeiramente transformador para as nossas desgraças tão antigas e encrostadas, ficou na vontade de comer.
Ah, diriam: não é um programa, é um plano. Tipo assim a Carta aos Brasileiros, que era um plano para quebrar as resistências das elites conservadoras e vencer as eleições e que se tornou o programa dos governos do PT?
(Desculpem o mau jeito. Talvez devesse começar o texto elogiando os aspectos positivos do texto, que os há às pencas, para só depois fazer reparos. Mas, vamos em frente.)
Por exemplo, gostaria de entender se os tais pressupostos da macroeconomia, aquele trio famoso, são apenas parte de um plano ou são elementos fundantes de um programa.
(Ou seriam os pressupostos macroeconômicos uma entidade que paira acima das terrenas disputas político-ideológicas, etérea e intocada lá nos céus das verdades eternas?)
Enfim, o que eu quero dizer é que não existe -porque nunca existiu nos governos do PT- essa distinção entre plano e programa. Uma coisa é outra coisa, e outra coisa é a primeira coisa. Tudo misturado e batido, a mesma coisa.
Se não tocamos nos pressupostos, esses sacralíssimos bovinos, o que nos resta, então? Se não temos uma política radical de reversão de todas! as privatizações; de recuperação de cem por cento do pré-sal; de revogação de todas as reformas e medidas lesivas aos interesses dos trabalhadores e aos interesses nacionais; se o capitalismo financeiro continuar correndo solto, sem o bridão do Estado; se não recuperarmos total e incondicionalmente a soberania nacional sobre o solo e o subsolo, sobre o ar, os mares, os rios, as florestas; se isso e muito mais, o que nos resta?
Resta-nos a generosidade das políticas compensatórias e identitárias. Enfim, fazer cócegas, se tanto, nas crostas insensíveis do monstro. Não mais que isso.
(Com tristeza d’alma e aperto no coração, vejo que é proporcional o aumento de espaço na agenda da esquerda para as políticas identitárias à diminuição do espaço para as propostas de transformação revolucionária da sociedade brasileira. E há todo um esforço, que não diria assim tão inocente, de substituir as lutas dos trabalhadores e das periferias pobres por comida, moradia, salário, saneamento, saúde, educação, segurança dignidade, por bandeiras políticas distantes das emergências de suas desgraças.)
Os mais jovens não se lembram, mas nós, os mais velhos e a geração dos anos 80, deveriam dar uma espiada na história, para recordar. Como surge o PT e como se forma a ala dos autênticos do MDB? Frutos do que fomos, quem emulamos, com quem litigiamos e demandamos para florescer? Com o PCB. O Partidão viu o seu quase monopólio sobre a esquerda brasileira esfarelar-se por causa de suas posições reformistas, frentistas, amplas e conciliatórias.
Por que descaminhos se perderam os revolucionários dos anos 80?
Outra coisa: um plano com 210 páginas?
(Mais uma aproximação com o antigo Partidão, que vivia sempre o dilema de ser um partido de quadros ou um partido de massas. Um plano com 210 páginas é para um partido de quadros. É isso, então?)
Desculpem-me a sinceridade, mas redigi este texto com a mesma franqueza com que o Papa Francisco combate o domínio absoluto do capital financeiro sobre a humanidade. O longo, o longuíssimo texto do Plano não transmitiu ao povo brasileiro aquele sentimento de esperança e de mudança imprescindível, conditio sine qua, para insufla-lo.
O que haverá de mobilizar os brasileiros, os trabalhadores, os assalariados de todas as classes, as massas pobres e deserdadas da cidade e do campo, as cada vez mais empobrecidas camadas médias se não fortes, peremptórios e sinceros acenos de mudança?
Amigos, companheiros, camaradas são as minhas aflições. Relevem as amarguras e as angústias deste velho companheiro. Mas, pensem no que ele disse.
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Requião é o Lula na juventude enquanto o Lula é o Requião na mocidade.
RR : Então somente farsa em momentos distintos. Bem Vindos a 90 anos de Brasil. (P.S. A afirmação é sua não minha)
“Se não tocamos nos pressupostos, esses sacralíssimos bovinos, o que nos resta, então? Se não temos uma política radical de reversão de todas! as privatizações; de recuperação de cem por cento do pré-sal; de revogação de todas as reformas e medidas lesivas aos interesses dos trabalhadores e aos interesses nacionais; se o capitalismo financeiro continuar correndo solto, sem o bridão do Estado; se não recuperarmos total e incondicionalmente a soberania nacional sobre o solo e o subsolo, sobre o ar, os mares, os rios, as florestas; se isso e muito mais, o que nos resta?”
Sem isso aí não dá nem para começar a conversar sobre apoio da militância. Sem isso, o “plano” é apenas conversa mole para tentar ser aceito pela direita.
A esquerda domesticada tem pavor a revolução. Pode ver tranquilamente correr o sangue dos miseráveis, vide os massacres produzidos pelas polícias nas periferias, mas não tem coragem de fazer e ver correr o sangue das elites financeiras e do serviço público, bem como de vizinhos seus dos condomínios de crasse média. POBRES DE PERIFERIA QUE MORRAM enquanto ela emite notinhas e manifestos de indignação.
Excelente e oportuno comentário do ex-senador, uma figura de referência para aqueles interessados na transformação consequente da sociedade brasileira.
Transformação que priorize as necessidades dos trabalhadores e das periferias pobres por comida, moradia, salário, saneamento, saúde, educação, segurança e dignidade, e, não vamos nos esquecer, de uma previdência social básica e digna para todos.
Não é admissível ter um espaço desproporcional na agenda da esquerda para as políticas identitárias, às custas da diminuição do espaço para as propostas fundamentais de transformação da sociedade brasileira. Estas pautas tem sua importância, elas são inegáveis, mas com sua devida hierarquização.
Sem priorizar os interesses da maioria dos brasileiros pobres, remediados e miseráveis, esta maioria, esquecida pela esquerda, sempre será atraída pela linguagem da direita para seus fins últimos de escravização social e econômica.
Escravização esta realizada sob diferentes fachadas, sejam ela a direita de punhos de renda, dirigidas por FHC e Temer, seja a extrema direita, dirigida pelo atual presidente.
Democracia se faz com a legitimação conferida pela maioria dos cidadãos/eleitores. Esquecer ou relegar a um segundo plano os interesses da maioria, é a melhor receita para uma participação política figurativa, inconsequente.
Com esse tipo de plano, sem muito radicalismo, os EUA junto com nossas elites: Juízes, Desembargadores, PF, FFAA, MPF, e a casta de muitos políticos, imprensa e empresários, muito famosos e não menos corruptos, derrubaram 14 anos do governo que mais fez inclusão, que teve aprovação mundial e também aqui, mas não foi suficiente para impedir o caos que hoje vivemos, aqui e na América Latina. Qual a chance de concorrer a uma eleição com o “programa” proposto, ao invés do plano? Nem o Partidão nem o PT, quando tinham “programas”, conseguiam votos suficientes para implementar qualquer mudança, e esses tipos de cobrança me fazem lembrar o clássico “A esquerda só se encontra na cadeia”.
É muito engraçado o cara do PMDB (já que ele generaliza o PT, façamos o mesmo) reclamar da “conciliação exagerada” do PT. Mais engraçado ainda é propor um programa com “reversão de privatizações e reformas” num país em que 2/3 da população flerta com conservadorismo, o fascismo e o discurso anti-estatal e privatista. Mas o pior mesmo é ficar nessa lenga lenga de debate de “programa mais legal” quando isso não tem a mínima inserção na massa e/ou condição institucional de ser levado a frente. É uma grande sessão coletiva de autoindulgência. A esquerda, os republicanos e democratas devem é se preocupar com a base, em como chegar com seus discursos a todos, a desmistificar certos temas e debates, contaminados desde anos 90/2000 pelos vieses nocivos das redes de comunicação. Mais ainda, começar um trabalho de longo prazo para que essas ideias saiam de partidos e grupos específicos e entrem no dia a dia, no corpo do judiciário, etc. Aí talvez daqui uns 40 ou 50 anos, se ainda houver o que disputar, esse “programa Requião” talvez se torne factível.
A parte triste é ainda não terem entendido é que as “pautas identitárias”, especialmente no Brasil, atravessam todos os aspectos que Requião elenca como principais.
O que o PT lançou nem de plano se pode chamar. É uma junção de enunciados bonitos pra entreter a militância achando que são socialistas, um amontoado de pautas para cada interesse corporativo da base do PT se sentir representado e a lista de boas intenções vazias de sempre dos documentos do PT (demarcação de terras indígenas, quilombolas, reforma agraria, agricultura familiar etc) tão radicais quanto irreais no liberalismo social que o PT pratica quando é governo. Novidade mesmo é o peso cada vez maior do identitarismo e o copia e cola de bobagens vindas do Partido Democrata dos EUA. Falta Projeto de país. Falta Projeto Nacional.