Marco Temporal foi principal retrocesso para indígenas em 2023: entenda

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Retrocesso nos direitos aos territórios do povos originários do Brasil, foi um dos embates entre o Legislativo e o Judiciário neste ano

Garimpo na terra indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2020 – Foto: Chico Batata/Greenpeace

Após a derrubada dos vetos do presidente Lula, o Congresso promulgou a lei que institui o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas, nesta quinta (28). Representando um retrocesso nos direitos aos territórios do povos originários do Brasil, foi um dos principais embates entre o Legislativo e o Judiciário neste ano.

O que é o Marco Temporal

É a tese de que os indígenas só têm direito às terras que eles ocupavam desde outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada, e não garante as ocupações históricas e originárias destes povos antes dos anos 88, e menos ainda antes da colonização.

Embate

O caso estava em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e no dia 21 de setembro deste ano, a Corte entendeu que a regra era inconstitucional, ou seja, era contra o que garantia a nossa Constituição.

Mas uma semana depois, o Congresso aprovou um projeto de lei para definir o Marco Temporal como uma nova lei do país. Ao chegar nas mãos do Executivo para sancionar, o presidente Lula vetou o projeto, ou seja, impediu que o Marco Temporal fosse tornado lei.

Entretanto, o último poder de decisão sobre leis criadas pelo Congresso é dos próprios parlamentares. No dia 14 de dezembro, o Congresso derrubou o veto de Lula e manteve o Marco Temporal das terras indígenas.

Nesta quinta (28), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promulgou a lei.

Organizações indígenas buscam, agora, derrubar novamente a lei no Judiciário. Em resposta, a bancada ruralista já se mobiliza para aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), se o Supremo derrubar novamente o marco.

“Essa é uma batalha de setores do agronegócio interessados em seguir avançando sobre as terras indígenas, e povos e populações indígenas, movimentos sociais, que lutam pela sua sobrevivência, pelo direito de existir”, manifestou o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ).

Reação dos movimentos indígenas

Atualmente, organizações indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o próprio governo Lula, com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, motivaram ações no Supremo Tribunal Federal para impedir a validade dessa lei, por ser inconstitucional.

“O Ministério dos Povos Indígenas vai acionar a Advocacia Geral da União para dar entrada no STF a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade a fim de garantir que a decisão já tomada pela alta corte seja preservada, assim como os direitos dos povos originários”, disse a ministra Guajajara.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  1. Vários partidos de direita foram ao STF exigir que essa Lei seja declarada constitucional https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=523472&tip=UN . Em decorrência me senti obrigado a protocolar uma petição nos autos da ADC 87 pedindo minha admissão como “amicus curiae” e dizendo o quanto segue:

    “III- Antes de adentrar ao mérito da presente ação, o STF terá que decidir uma questão preliminar importantíssima: a que se refere à parcialidade manifesta do relator designado para atuar no caso sub judice.

    O Ministro Gilmar Mendes deve ser declarado suspeito para participar do julgamento desta ADC 87. Além de ser latifundiário, há décadas ele tem atuado no STF como se fosse parlamentar togado dos ruralistas, grileiros, madeireiros, garimpeiros e invasores de territórios indígenas. Gilmar Mendes não tem a imparcialidade necessária para proferir decisão em qualquer processo em que os interesses dos seus protegidos colidam frontalmente com os interesses dos indígenas.

    Ao receber a presente ação o relator poderia ter se dado por suspeito na forma da legislação processual em vigor. Como não fez isso, a Suprema Corte terá que resolver preliminarmente se ele pode participar do julgamento da mesma.

    IV- Não é possível submeter a presente ação a julgamento sem considerar os precedentes históricos da questão.

    Nos últimos 529 anos vários tratados firmados por Portugal e pelos colonos portugueses interferiram direta ou indiretamente na vida cotidiana dos indígenas e ameaçaram ou consolidaram de maneira precária a posse dos territórios que eles exerciam tradicionalmente no que hoje se chama República Federativa do Brasil:

    Tratado de Tordesilhas (1494): Este tratado dividiu o mundo entre Portugal e Espanha, atribuindo ao Brasil à Portugal. O tratado foi assinado por Portugal e Espanha, mas não pelos indígenas, que não foram consultados.
    Tratado de São Marcos (1512): Este tratado estabeleceu que os portugueses poderiam construir fortalezas e aldeias no Brasil, mas que deveriam respeitar os direitos dos indígenas. O tratado foi assinado por Portugal e os tupinambás, mas não foi respeitado pelos portugueses.
    Tratado de Iperoig (1567): Este tratado estabeleceu uma trégua entre os portugueses e os tupinambás, que estavam em guerra. O tratado foi assinado por Portugal e os tupinambás, mas foi rompido pelos portugueses em 1569.
    Tratado de Paz de São Paulo (1641): Este tratado estabeleceu uma paz permanente entre os portugueses e os tupinambás, que estavam em guerra. O tratado foi assinado por Portugal e os tupinambás, e foi respeitado até o século XVIII.

    Outros acordos de paz foram firmados entre os colonos portugueses e os indígenas, mas esses foram os mais importantes. Todos eles foram rompidos, seja pelos portugueses, seja pelos indígenas. As razões para o rompimento desses acordos foram diversas, incluindo:

    A expansão da colonização portuguesa: Os portugueses continuaram a expandir suas terras, o que levou ao conflito com os indígenas.
    A escravização dos indígenas: Os portugueses escravizaram muitos indígenas, o que gerou indignação e revolta entre eles.
    A violência portuguesa: Os portugueses frequentemente usaram a violência para subjugar os indígenas.

    Os acordos de paz entre os colonos portugueses e os indígenas foram importantes para tentar estabelecer uma convivência pacífica entre as duas partes. No entanto, esses acordos foram constantemente rompidos pelos colonos ou em decorrência da violência praticada por eles, o que levou a um longo período de conflito entre os portugueses e os indígenas.

    Após um curto período de pacificação da fronteira indígena sob a constituição de 1946, a ditadura militar voltou a avançar sobre os territórios indígenas e a praticar violências inenarráveis contra os povos originários.

    É cediço que a ditadura militar tratou a questão indígena de forma extremamente violenta e repressiva. O governo militar viu os indígenas como um obstáculo ao desenvolvimento econômico e social do país, e por isso implementou uma série de políticas que visavam a sua assimilação e integração à sociedade brasileira.

    Essas políticas incluíam a proibição da língua materna, a proibição de práticas culturais tradicionais, a remoção forçada de indígenas de suas terras e a abertura de terras indígenas para exploração econômica. Os casos mais conhecidos e grotescos de violências contra os indígenas durante a ditadura militar incluem:

    O massacre de Cururupu, em 1976: Um grupo de indígenas da etnia Guajajara foi assassinado por fazendeiros na região do Maranhão. Os fazendeiros estavam tentando expulsar os Guajajara de suas terras.
    O massacre de Haximu, em 1980: Uma equipe de missionários americanos foi assassinada por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. Os garimpeiros estavam aterrorizando os Yanomami, e a equipe de missionários estava tentando protegê-los.
    O massacre de Altamira, em 1988: Um grupo de indígenas da etnia Xikrin foi assassinado por madeireiros na região do Pará. Os madeireiros estavam explorando ilegalmente a floresta na área indígena.

    Além desses casos, houve muitos outros episódios de violência contra os indígenas durante a ditadura militar, sendo digno de mencionar aqui aqueles que resultaram da construção da BR-230 ou Rodvia Transamazônica, não por acaso chamada de Transamargura.

    Estima-se que mais de 8 mil indígenas foram mortos nesse período medonho da história brasileira. A violência contra os indígenas durante a ditadura militar foi uma violação grave dos direitos humanos. Esses crimes ainda não foram devidamente investigados e punidos, e os indígenas ainda sofrem com as consequências desse período.

    V- A promulgação da CF/88 colocou um fim na ditadura militar e pacificou as relações entre o Brasil e os indígenas, instituindo uma série princípios obrigatórios e autoaplicáveis. Os arts. 231 e 232, da CF/88 podem ser e foram efetivamente considerados pelos povos indígenas cláusulas do último tratado de paz firmado pelos homens brancos.

    Por força do disposto no art. 102, da CF/88, compete privativamente ao STF preservar esse tratado de paz, garantindo aos indígenas o direito de usufruir pacificamente suas terras e, quanto necessário, reintegrá-los na posse dos territórios que foram invadidos por ruralistas, grileiros, madeireiros e garimpeiros sem qualquer tipo de restrição ou marco temporal. Nesse contexto, é evidente que a presente ADC deve ser julgada improcedente.

    Ao instituir um marco temporal inexistente na Constituição Cidadã, os parlamentares brasileiros ligados aos terroristas rurais romperam o tratado de paz firmado em 1988 e declararam guerra aos índios. Se o STF não declarar referida norma inconstitucional o aumento da violência dos ruralistas, grileiros, invasores de terras, madeireiros e garimpeiros é previsível. O Estado não apenas será impedido de reprimir a violência do neocolonialismo como será obrigado a ficar ao lado dos terroristas rurais em caso da previsível reação dos indígenas.

    VI- A inconstitucionalidade do marco temporal já foi objeto de decisão do STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365. A Constituição Cidadã não outorgou ao Poder Legislativo competência para violar, revisar ou revogar precedentes da Suprema Corte. Portanto, o entendimento consolidado no Acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 1017365 não poderia ter sido modificado por Lei com evidente violação do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88.

    Note-se, ademais, que o Brasil assumiu obrigações internacionais referentes à proteção dos povos originários. Portanto, se decidir romper a paz celebrada com os índios em 1988, a Suprema Corte provocará uma guerra civil sem ter competência para fazer isso interferindo indevidamente na política externa do país. O STF é guardião da Constituição Cidadã e não pode invadir a competência da presidência da República.

    Ao legislar em causa própria rompendo a paz com os indígenas ao fim da ditadura militar, esvaziando o conteúdo programático dos arts. 231 e 232, da CF/88 e mutilando o Acórdão proferido no RE 1017365, a bancada ruralista no Congresso Nacional não levou em conta o interesse público. Os partidos que agora batem à porta da Suprema Corte para obrigá-la a legitimar uma declaração de guerra interna agem contra o espírito do art. 17, da CF/88.”

    Ninguém deve ficar calado diante do comportamento vergonhoso do Congresso Nacional em relação aos indígenas. Deputados e senadores não tem o direito de pisotear nossa constituição.

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