Rubens Paiva: da Comissão da Verdade, do MPF até à Justiça

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – O busto de Rubens Paiva, que será inaugurado amanhã (12) em frente ao antigo Doi-Codi na zona norte do Rio de Janeiro, terá um significado ainda maior. O Habeas Corpus que paralisava o processo contra cinco militares acusados de homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado foi retirado pela Justiça Federal, e a ação prossegue.

“Foi a primeira vez que a Justiça brasileira reconheceu que determinados crimes cometidos durante o período da ditadura militar configuram crimes contra a humanidade”, comemorou a procuradora regional da República, Silvana Batini.

A decisão da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) ocorreu nesta quarta-feira (10), concordando com os argumentos do Ministério Público Federal de que a Lei de Anistia não se aplica a crimes permanentes e de lesa humanidade. A partir de agora, o julgamento ouvindo todas as partes e testemunhas terá início.

A conquista é relevante, ainda, pela idade avançada de muitos envolvidos. De acordo com a procuradora, esperar o fim do julgamento do pedido de revisão do MPF pelo Supremo Tribunal Federal, onde o MPF levaria a ação caso fosse novamente negada, seria um risco de perder provas.

Os réus são os militares José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos, acusados de homicídio, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada.

Uma sequência de documentos e testemunhas possibilitou o grupo de procuradores da República do Rio de Janeiro, Justiça de Transição, desvendarem com novas provas e relatos o mapa de crimes cometidos durante a ditadura militar.

“No desaparecimento do deputado Rubens Paiva, conseguimos obter alguns documentos novos a partir do assassinato do coronel Júlio Molinas, em Porto Alegre”, contou o procurador Antonio Cabral ao Jornal GGN, em maio deste ano.

Leia mais: Caso Rubens Paiva: trabalho do MPF é reconhecido pela justiça brasileira

O MPF assegura que crimes contra a humanidade não abrigam incidência de prescrição. Além disso, a responsabilidade desses crimes é um compromisso internacional do Brasil.

“Não é a partir da constituição da Corte Interamericana, ou a partir da década de 90, após a redemocratização do Brasil. Esses princípios já eram válidos e convergentes para o Brasil pelo menos desde o segundo pós Guerra, quando o Brasil foi signatário de diversos documentos no Plano Internacional, que afirmaram que esses crimes são de lesa humanidade. Portanto, são insuscetíveis de anistia, de prescrição, não há óbices referentes a coisas julgadas e nada disso”, explicou Cabral.

Fotografia de Rubens Paiva e família

Esse foi o caminho sustentado pelo desembargador federal Messod Azulay, que durante o julgamento, afirmou o caráter permanente de crimes como sequestro e ocultação de cadáver, já reconhecido pela Suprema Corte. Também traçou um histórico do alcance da Lei da Anistia, que não foi amplo. “Se a Lei de Anistia não alcançou militantes armados, não pode ser interpretada favoravelmente àqueles que sequestraram, torturaram, mataram, e ocultaram corpos pelo simples fato de terem agido em nome da manutenção do regime”.

Em entrevista ao GGN, o deputado estadual Adriano Diogo, fundador e presidente da Comissão Estadual da Verdade, lembrou que o caso de Rubens Paiva não tinha motivos para ser arquivado.

“As iniciativas que o Ministério Público Federal tem tido estão sendo barradas na Justiça. O poder judiciário normalmente no Brasil é mais reacionário do que os militares. Ou é a grande porta de proteção dos crimes da ditadura, mandando arquivar os inquéritos”, criticou Adriano Diogo.

Para ele, o caso de Rubens Paiva tinha todas as evidências para ser concluído, e o monumento que será inaugurado representa a importância histórica de se julgar as causas de sua morte.

Justiça de Transição é o nome do grupo de procuradores da República que estão revelando novas provas e levando à Justiça mais indícios e denúncias do que ocorreu durante o período da ditadura no Brasil.

Mas também é a frente de trabalho com que lidam as Comissões da Verdade. “Justiça de Transição é a Memória, das vítimas; Verdade, que é do Comando, desse que eu chamo de algozes; e Justiça, que seria o julgamento desses crimes cometidos”, disse o deputado.

“O Brasil começou a mudar. Porque se parou de falar das vítimas para falar de quem produziu essas vítimas. E um dia nós vamos chegar à Justiça. Um dia nós vamos chegar…”, concluiu o presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, que também carrega o nome de Rubens Paiva.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Historico

    Esse busto marca um avanço, sera historico para lembraras vitimas e suas familias. Mas ja o juizes brasileiros têm deixado e muito a desejar quando se trata de responsabailizar os crimes cometidos durante a ditadura. 

    “O poder judiciário normalmente no Brasil é mais reacionário do que os militares”.

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