Série Riocentro: Como procuradores atuaram para levantar o caso

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “Toda transição é diferente. Todavia, não importa onde se concretize, a verdadeira justiça de transição só se realiza quando traz justiça para as vítimas”. Essa é a abertura do relatório do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, criado pelo Ministério Público Federal para investigar os crimes da ditadura militar. Um dos braços fortes de atuação está no Rio de Janeiro, onde vem desenvolvendo um meticuloso trabalho com esse impulso: trazer a verdade e promover a justiça sobre o caso Riocentro. (Anexo 1)

Depois de conversar com Procuradores da República e do acesso a documentos de investigação do MPF, o Jornal GGN traz com exclusividade detalhes da luta diária por provas e dos bastidores, até que o GT do Rio de Janeiro conseguisse recontar uma história guardada há 33 anos, e intocada há 15.

Acompanhe, na primeira reportagem da Série Riocentro: O trabalho incansável do Ministério Público Federal, como ocorreu a reabertura do caso, as investigações anteriores e os primeiros passos do grupo.

A seguir, entenda os instrumentos utilizados para identificar os codinomes da aranha de informações do comando do DOI em 1981, como transformaram os codinomes em nomes de Guerra, outras metodologias investigativas e a resistência do Exército nas novas buscas.

Instrumento 1: Livros

A leitura de uma série de livros do período referente aos atentados à bomba foi indispensável. Muitos dos escritos na época eram de jornalistas, que conseguiram as informações a partir de entrevistas em off (sigilo). Essas fontes ajudaram, e muito, as investigações.

Eram informações não comprovadas em áudio, inquéritos ou relatórios e, portanto, sem validade judicial, mas que guiaram os procuradores a encontrar os caminhos, que pudessem confirmar posteriormente. (Anexo 2) 

Relações entre dois ou mais militares, situações chave e até a personalidade de um ou outro investigado puderam ser captadas pelos depoimentos das obras. A produção de parte da imprensa e de seus livros teve um papel decisivo para a investigação do Riocentro.

A partir daí, a pista deveria ser perseguida até conseguir a sua comprovação.

Um livro, especialmente, permitiu a descoberta do MPF de que o plano para explodir o Riocentro estava sendo desenhado um ano antes.

Chamado “A História Oral do Exército”, a obra foi encontrada na biblioteca do Exército, a BibliEx, e traz uma série de entrevistas na década de 90 de militares que teriam participado da construção de unidades ou marcado períodos históricos institucionais. O objetivo do livro era documentar os feitos.

No volume 9, há o depoimento do coronel Romeu Ferreira, sob codinome doutor Fábio. Ele conta que, na época do atentado, era subcomandante do DOI e que lhe foi apresentado o plano para explodir o Riocentro um ano antes. Não sabia, entretanto o nome do militar, apenas o seu codinome: doutor Silvio.

As provas presentes nos livros foram escaneadas pelo GT.

Instrumento 2: Fotografias

A busca por fotografias e a sua comparação não foram utilizadas nas investigações de 99. Dessa vez, entretanto, o grupo do MPF aderiu ao instrumento. A comprovação de quem era o doutor Silvio, denunciado no livro, foi feita dessa forma.

Com suspeitos, mostrando foto por foto, o coronel Ferreira foi chamado ao MPF do Rio de Janeiro e confirmou: “foi ele que me apresentou o plano”, apontando a imagem correspondente. Isso permitiu apresentar uma parte da trama que nunca tinha sido revelada. Em outros casos, a mesma técnica foi usada.

Resistência das Forças Armadas

Muitas dificuldades foram encontradas pelos procuradores do GT do Rio de Janeiro.

Inquérito de 1981 não indiciou, mas tornou os autores vítimas do atentado

Foram solicitados inúmeros documentos, além dos próprios inquéritos – de 1981 e de 1999 – ao Superior Tribunal Militar. A resposta era de que havia uma espécie de fungo que tornava os arquivos insalubres para pesquisa e que, portanto, não poderiam ser encaminhados.

Depois das insistências, um assessor chegou a enviar 50 páginas – o inquérito original tinha 20 volumes, entre o processo principal e anexos. As investigações continuaram e foi preciso recorrer à Justiça Federal, que deferiu o pedido e determinou que o STM enviasse os documentos.

Pouco antes da decisão da Justiça, foram remetidas caixas e caixas das cópias do inquérito e das representações arquivadas na Justiça Militar. Depois, foram enviadas as folhas de alterações e documentos funcionais dos militares.

Mas até hoje não foram enviados os áudios das votações, revelados em reportagem de O Globo, que derrubaram a tese do primeiro inquérito militar e possibilitou a reabertura do caso em 1999. O requerimento também corre na Justiça Federal.

Enquanto isso, o grupo tinha que suprir, por outros meios, a deficiência ocasionada pelas Forças Armadas. (Anexo 3)

Instrumento 3: Bancos de dados

Esses meios, basicamente, foram consulta a bancos de dados públicos, incluindo as bibliotecas das Forças Armadas. Foi na BibliEx que os procuradores consultavam o almanaque do Exército para, enquanto não tivessem acesso pelo STM das folhas de alterações, encontrar as transferências de unidades dos militares.

Nesses bancos de dados também era possível identificar, partindo do nome de Guerra, o nome completo de alguns investigados, nos autos do ano de 1981. Foi a partir desse instrumento, e dos demais citados anteriormente, que possibilitou ao grupo revelar os nomes, ou pelo menos os nomes de Guerra. O passo seguinte era encontrar quem eram essas pessoas.

Leia mais na próxima reportagem da série Riocentro:

Série Riocentro: Novas provas, busca por suspeitos e dificuldades

***

Anexo 1: Série Relatórios de Atuação – Grupo de Trabalho Justiça de Transição – Atividades de Persecução Penal desenvolvidas pelo Ministério Público Federal) 2011-2013

Anexo 2: Trabalho investigativo da imprensa e de livros – Reportagem de Maria Inês Nassif, em 1985, que levantou alguns nomes envolvidos, a partir de um livro publicado na época.

Anexo 3: Denúncia dos cinco militares e um delegado pelo Ministério Público Federal à Justiça

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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