Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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Em algum lugar se perdeu, por Fernando Horta

Em algum lugar se perdeu

por Fernando Horta

O jogo dos tempos é um dos grandes desencontros da história. O homem só tem o presente. O passado o é por retenção, seja da memória ou da história. O futuro não é ainda, surge somente por projeção. Ao falar do passado, temos, nas palavras de Paul Ricoeur, um “presente-ausente”. O passado não está mais ali, embora dele falemos. Este processo de falar sobre o que já não existe configura um dos espaços da memória e, quando mediado por uma narrativa de alguém diferente de mim, chama-se História.

Parece simples, afinal nada soa mais inexorável ao ser humano do que o tempo. Contudo, a política é capaz de jogar com os tempos de forma a tornar confusa a orientação de todo um grupo de pessoas. Quando eu articulo um discurso de cunho nacionalista, que rememora símbolos, cores, personagens e etc., eu trago o passado de volta através de memórias que foram coletivamente construídas. Os sentidos sociais da memória atuam como mediadores de um tempo que não existe e que, quase sempre, nunca existiu para os que se valem deles.

Este jogo, de um passado que não passa, é uma das faces da política, que, no mundo contemporâneo, tem a ajuda da comunicação instantânea. Reconstruir o passado que se quer apenas por se dispor de mais recursos materiais é a grande arma política do século XXI. Com espaço na mídia, cliques, sites, perfis falsos, notícias falsas, fazendas de “likes” e alguns milhões do dinheiro que for, é possível criar narrativas que alteram as retenções do passado. Os cidadãos comuns, imersos nos problemas do dia-a-dia, mal conseguem reter as informações do que ocorreu na semana passada, o que dirá conseguirem defender-se deste ataque político, que usa a História, sua teoria e muito dinheiro.

Da mesma forma que o passado é reconstruído sob os olhares de especialistas (historiadores) atônitos, o futuro sobre a mesma distorção. Também o futuro é constantemente reconstruído através do “horizonte de possibilidades”, na terminologia de Reinhardt Koselleck. O que eu farei amanhã, com quem almoçaremos no sábado e quantos amigos vão viajar conosco em dezembro, são apenas algumas das construções de futuro que fazem, no presente, emergir ações que não aconteceriam se não fosse este futuro imaginado. Muito provavelmente se esperamos a viagem em dezembro, nos privaremos de alguns gastos presentes. O futuro, portanto, conforme construído imageticamente no presente, transforma este mesmo presente.

Em algum lugar desta ciranda dos tempos o Brasil se perdeu. Éramos o “país do futuro” na década de 70. Viramos o país de um presente eterno na crise dos anos 80 e 90. Nada mudava, vivíamos em um looping de expropriação, fome, diferenciação social aumentando todo o tempo. Tudo o que a maioria dos brasileiros podia esperar ocorria no espaço e uma semana. Após isto, a incerteza econômica e política roubavam do Brasil qualquer plano de futuro. A partir de 2003, pela primeira vez em muito tempo, o Brasil tomava para si o seu presente. As mudanças efetivamente aconteceram entre 2003 e 2014. Indiferente ao que hoje se constrói de narrativa.

O custo de reescrever este passado foi, porém, muito alto. Ele levou a democracia brasileira, destruiu parte das nossas instituições, libertou o fascismo que pensávamos morto desde Plínio Salgado e está jogando milhões na pobreza novamente. Tudo isto feito de forma racional mediante um cálculo de custo-benefício. Os grupos que se associaram para este ataque político tinham claro que os ganhos imediatos não seriam grandes, mas haveria a interdição de um futuro no Brasil. Um futuro em que nos tornávamos um país mais igual economicamente, em que viramos a quinta economia do mundo e tínhamos um projeto claro de nação, unindo a extração de petróleo e a educação. Educação que se transformava. E transformaria o Brasil, não fossem as gerações não educadas por este novo Brasil a se rebelarem, por não reconhecerem mais o “seu país”.

Este é o sentido o golpe e das transformações desde 2013. Em primeiro lugar, reescrever o passado recente de forma a que “nunca mais aconteça”. Que o Brasil nunca mais tenha a pachorra de tentar assenhorear-se do presente. Em um segundo momento, que fiquem garantidos os privilégios dos grupos sociais ricos e brancos. Privilégios existentes desde sempre. O Brasil volta a ficar emparedado entre um passado que não passa e um futuro que nunca chega. Este é todo o desespero da parte consciente de nossa população.

Estão nos roubando muito mais do que apenas dinheiro. Estão roubando a nossa noção de futuro. O futuro deles é o passado que não queremos, e que tanto lutamos para não ver de volta. Que nossos filhos nos perdoem.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

7 Comentários

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  1. então  ..porque esperar pelo

    então  ..porque esperar pelo tempo ? Porque esperarmos por 2018 se sequer sabemos se os golpistas nos devoverão o direito que nos roubaram, o direito minimo de escolhermos a quem colocar no comando ?

    Verdade é que adiamos com medo ..sonhamos ..medo de encararmos o que verdadeiramente somos

    No corpo social o nutriente que alimenta as células cidadãs também é o sangue, no caso representado pelas MÌDIAS ..mídias que nos trazem também conceitos vagos, mas preciosos a qualquer NAÇÃO  ..conceitos e valores como o patriotismo, justiça, verdade, integridade, humanidade, urbanidade  ..e se este fluído ora se encontra, como que num processo auto imune, se encontra INTOXICADO, só posso concluir ..POBRE BRASIL

  2. em….

    Não se perde o que nunca se procurou e nunca se encontrou. Somos o resultado da Redemocratização e desta ConstituiçãoEscárnioCaricaturaCidadã, depois de quase meio século. A crença em párias e mediocres como Lula, FHC, Montoro, Serra, Sérgio Motta, Teotonio Vilela, Marina Silva, Erundina, Genro, Dirceu, Ulisses, Tancredo, Pires, Plinio, Benedita, Marta, Haddad, Campos, Arraes e outras centenas e milhares como cancro canceroso parasitando o Orçamento do Estado Brasileiro, apoiados por uma pseudo-intelecualidade limitada e tacanha como finalmente começamos a enxergar, nos trouxe até aqui em 2017. Acobertados por imposições ditadoriais, voto obrigatório, censura descarada. Quem fez esta caminhada,nestas décadas todas, fora estes personagens? De quem é a culpa? Do povo que não entendeu a mensagem? Canalhas. Os garotos trucidados, linchados, esquartejados, decapitados de Pedrinhas e Alcaçuz ou outro presídio qualquer do país conheceram outros Governos? Outras Políticas? Outros Políticos? As meninas,mulheres, mães presas enquanto veêm Adriana Ancelmo ir embora para a casa, devem confiar em qual Judiciário? Não foi este todo empossado por Governos Progressitas? O Brasil é de muito fácil explicação.Hipocrisia é pouco.  

    1. Pois é, e sem dúvida com a

      Pois é, e sem dúvida com a sua hipócrita colaboração, que entre um cafezinho ou outro – servido por sua empregada, certamente – escolhe o que ver ou, quem sabe, do alto de sua torre de cristal só dê mesmo prá ver as atrocidades, porque as construções, progressos,transformações positivas e empoderamento popular não alcancem suas janelas. Medíocre é aquele que, gravitando em torno do próprio umbigo,torna-se incapaz de reconhecer, a não ser no espelho, inteligência,capacidade de luta e projeto para o país.

  3. O uso abusivo da história não

    O uso abusivo da história não tem sentido num mundo em que a própria história derreteu a olhos vistos.

    Bandeiras nazistas nos EUA seriam impensáveis em 1947.

    Carros norte-americanos rodando em Moscou no ano de 1953 seriam inevitavelmente perseguidos pela KGB.

    Berlin, a maior e mais tolerante capital européia dos refugiados sírios, não seria sequer imaginada em 1939.

    Negros sul-africanos vomitando superioridade racial e espancando violentamente homens brancos na Cidade do Cabo era algo inimaginável nos anos 1970.

    O mundo se move como um oceano. As vezes um furacão provoca a inundação da costa, quando as águas recuam os habitantes se deparam com conchas nas soleiras de suas casas. Quem viu a tempestada faz uma relação de causa e efeito. Um estrangeito que não viu o que ocorreu, que não fala a língua nativa e chegou no local depois do tsunami pode muito bem imaginar que o mar recuou porque a linha da costa foi elevada em razão da atividade vulcânica. 

    As sociedades não são construídas por histórias e sim por mitos. As histórias são subprodutos das ações humanas que se consumaram, mas raramente influenciam o futuro. Exceto, no que se refere à guerra. Não por acaso a Iliada segue sendo lida e estudada (inclusive em grego) nas academias militares. Durante a ocupação do Iraque, um oficial inglês fez questão de ir ao local onde Alexandre derrotou o exército de Dario III. Lembro-me bem do vídeo. O oficial inglês estava completamente imerso na narrativa da Batalha de Gaugamela (331 aC), como se ele mesmo fosse um soldado tardio na falange macedônica derrotando um herdeiro distante do rei Persa. 

    O conflito de civilizações, ideologia supostamente sofisticada que remonta o moderno conflito entre Ocidente e Oriente à invasão Persa da Grécia por Dario I e por Xerxes (século V aC), também é um mito. Os antecestrais dos norte-americanos viviam em taperas naquela época e tem tanta relação cultural com os gregos antigos quanto os modernos gregos tem com seus antepassados, mas isto não imorta. Um mito é sempre capaz de fazer história. Mas o conhecimento de história raramente é capaz de desfazer um mito.

    Cumpre, portanto, construir mitos que nos permitam construir a realidade á margem dos mitos inventados por nossos contrários. 

  4. Presente concreto: a vida é de verdade

    Quem se der ao trabalho de sair do aquário perceberá que há muito mais gente trabalhando o presente do que se pode imaginar daquela imersão. Os democratas, tendo a formação que tiverem, que estão nas ruas jogando ovos em privatistas infiltrados na administração pública, por exemplo. Estão também em sala de aula, nas ruas ou em seus lares – sejam esses casas ou não – aprendendo e ensinando sobre conquistas civilizatórias, sobre cidadania. Mas também aqueles que, mesmo não tendo ovos nem para comer, resistem em seus acampamentos improvisados, acampamentos de refugiados de guerra nas pariferias dos centros urbanos. Bem… estes estão realmente na periferia do capitalismo, e estão refugiados porque dele foram excluídos.

    De qualquer forma, muitas vezes não é porque não são “especialistas (historiadores)” que muitas pessoas não se conformam com o presente e sim porque a materialidade da fome e da falta de condições de realizarem seus potenciais humanos (“Você tem fome de que?”) os jogam com tanta concretude no presente que não dá nem tempo de ficar ruminando algum passado. Para quem tem algum conforto é mais fácil fantasiar e fantasiar-se, mascarar e mascarar-se.

  5. Claro que é uma narrativa

    Claro que é uma narrativa inteligente, bem ordenada. Se a luta política se cingir às palavras tão somente, o resultado pessimista está dado. Na narrativa: apenas temos como opção resgatar nosso presente, entretanto nada é mostrado para tentarmos esse caminho. A verdade é que, há muito, a luta política contra o golpe de estado de 2016 deveria ter base também, além do palavrório, ações mobilizadoras do povo que teve, como dito,  seu presente roubado. A luta contra um golpe de estado não pode ficar somente na discussão, exigindo respeito às leis, porque as leis não são respeitadas por golpistas, tentando mostrar o fosso moral em que entraram esses mesmo golpistas, porque ética e moralidade não rimam com golpe. Pesquisas por mais contundentes que sejam seus resultados contra os golpistas, que mostrem os desacertos de suas ações, não têm muito alcance político, nem muito menos formam opinião porque poucos têm condições de alcançar, entender os resultados que mostram. A fortaleza dos golpistas são os cargos que exercem no aparelho de estado (juízes, procuradores, parlamentares e militares), estado este do qual afastaram a hoje oposição, que no poder estava comprometida por eleições, que tocava um programa aprovado pelo povo. Nesse quadro, o caminho que está na legalidade, ainda respeitado, é a possibilidade de eleições em 2018, mas não se chegará até lá somente com palavras, porque impossível diálogo com os golpistas, que só serão abalados se suas posições na sociedade, caso seja explicitada a falta de apoio da população, se sentirem que seu caminho para continuarem  no poder está se estreitando. Para tanto, palavras na mídia é muito pouco para resgatar a legalidade constitucional rompida pelo golpe de estado, mesmo porque a mídia majoritariamente é golpista: ou destorcem as palavras, ou não as deixam chegar a quem interessa, o povo. As ações devem ser no sentido de organizar na medida do possível o povo, principal prejudicado das ações golpistas,  para resgatar o seu presente. Não é fácil, nem imediato. Nesse sentido, parece que somente o Presidente Lula enxerga o caminho a seguir: fala, discute, luta por seus direitos na Justiça, que certamente sabe precário, julgado por golpistas, mas tenta unir o povo para defender-se. Não há outra opção, a não ser rezar por dias melhores.

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