Com ou sem impeachment, a crise continua, diz Leonardo Avritzer ao GGN

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Atualizado às 13h

Jornal GGN – “Independentemente do resultado da votação de hoje, a crise continua”, analisou o cientista político Leonardo Avritzer ao GGN. Doutor em Sociologia Política pela New School for Social Research, pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Avritzer esclarece alguns pontos do cenário de crise política, que desencadeou o processo de impedimento contra a presidente Dilma Rousseff, que será votado pela Câmara na tarde deste domingo (17).

“A crise continua por dois motivos: Se a presidente conseguir barrar o processo de impeachment, na verdade, o que vai acontecer é que vão tentar outras estratégias. É possível que amanhã [Eduardo] Cunha diga que está aceitando outro pedido [de impedimento] e daqui a 40 dias a gente ter uma outra votação. Então, a vitória da presidente não consegue estabilizar o governo dela. (…) E a vitória do impeachment também não encerra [a crise], porque vai ao Senado e lá pode durar até 180 dias, e temos um problema semelhante: 80% dos brasileiros dizem em pesquisas que não querem também que o Michel Temer seja presidente, 58% dizem que querem o impeachment dele e, ao mesmo tempo, se tem uma fraude eleitoral absoluta, no qual o vice toma o poder para exercer um programa que não é o que foi eleito e que saiu das urnas. A alternativa Michel Temer é absolutamente inconsistente”, afirmou.
 
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“Temer vai ter o beneplácito da mídia, que foi parte desse processo a grande mídia e, de em parte, de alguns partidos de oposição, mas provavelmente ele não vai conseguir estabilizar a situação política do país nos próximos meses”, completou. Com base nesse cenário, Avritzer defende a tese de que, se a presidente Dilma Rousseff sair vitoriosa na votação de hoje, ela deveria chamar novas eleições gerais, através de uma emenda constitucional.
 
O pré-impeachment
 
“Esse cenário [de impeachment] é resultado tanto de uma questão econômica, quanto de uma relação absolutamente deteriorada entre o Executivo e o Legislativo”, disse o cientista político. Para ele, esse último fator se deve porque “a base congressual que a presidente elegeu na sua campanha não tem o mesmo programa que ela, então você tem uma disjunção absoluta entre Congresso e Presidente”. 
 
Da mesma forma, ressalta a crise política como resultado de questões econômicas. “A presidente não foi cautelosa na mudança das principais orientações da política econômica. Ela, de alguma maneira, reconheceu que a política dela anterior precisava de correções, mas, da mesma maneira que ela fez uma política anterior um pouco sem cautela, ela fez também a mudança sem cautela. Evidentemente que a economia não era o único motivo dessa crise e, junto com o problema econômico, nós temos um problema muito forte no Congresso, que é resultado de um processo absolutamente sem controle de financiamento privado, que não deu à presidente a possibilidade de estabilizar a economia, quando ela podia ter feito no primeiro semestre do ano passado”, analisou.
 
Fenômeno Eduardo Cunha
 
Dentro das motivações para o cenário de crise política, Avritzer entende que parte dela se deve ao peemedebista Eduardo Cunha, desde que assumiu a presidência da Câmara e que a sua liderança foi construída previamente. “Ele é um negociador, vamos dizer, de vantagens do Estado brasileiro. Ele o fez através de diversos partidos. Começou a carreira no PRN, continuou no PTN, um pouco ligado à coalizão do governo Garotinho, até que ele chegou ao PMDB. A chegada do Cunha à presidência da Câmara, em primeiro de fevereiro do ano passado, é a chegada de um certo bloco de poder muito mais do que do PMDB. Num bloco de poder no qual ele, ao que parece, financiou ou contribuiu decisivamente campanhas de quase 100 deputados”, disse. “Era muito difícil ele não ser presidente [da Câmara]”, destacou.
 
“Ele [Eduardo Cunha] é, sim, parte fundamental dessa crise, e o é por dois motivos: numa rivalidade contra a presidente, do qual ele usa a Câmara sem escrúpulos. Então ontem [16], quando existia notícias de um possível fortalecimento da posição contra o impeachment, ele já falou que [a Câmara talvez não votaria hoje. Ao mesmo tempo que algumas votações do ano passado, ele contrariando toda a tradição da Casa Legislativa, ele colocou diversas vezes em votação, e outras coisas ele simplesmente bloqueia e não vão à votação. O Cunha significa a chegada ou até a tomada do poder de um grupo antipolítico, negociador de vantagens do Estado, esse grupo que está hoje, vamos dizer, na liderança do processo de impeachment. Não tenho visto, por exemplo, a oposição, seja o PSDB, seja os Democratas, nesse processo de forma significativa”, completou.
 
Saída
 
“A soberania popular tem que estar envolvida na saída dessa crise. Essa é uma crise do sistema político, das suas deficiências de desenho institucional, e não existe uma saída boa no interior do sistema político para essa crise. Tem entrar por aqueles que, na verdade, são a fonte da legitimidade democrática”, defendeu.
 
“O sistema político brasileiro, da maneira como ele está estruturado, ele não funciona mais. Ele é um sistema fragmentado, mas não é um sistema enormemente fragmentado, no qual o partido que tem mais deputados têm na faixa de 10-11% do Congresso Nacional. Nós precisamos de algum elemento mínimo de cláusula de barreira que diminua o número de partidos, alguma reforma num sistema um pouco mais majoritário. Mas a questão fundamental é o seguinte: os deputados, antes de aprovar propostas de reforma política, fazem contas da sua posição. Esse é um Congresso fundamentalmente pautado por iniciativa privada, a tendência é não sair mais reforma política por esse Congresso. Então a gente precisa pensar numa maneira de fazer uma reforma por iniciativa popular através de plebiscito”, disse o pesquisador.
 
Leonardo Avritzer também analisou qual é o papel do Judiciário nesse momento de crise política e do trâmite do processo de impeachment, como o Supremo Tribunal Federal (STF) teria responsabilidade de balizar os limites legais do processo, considerando, ainda, que o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, presidiria as sessões de julgamento no Senado Federal, e outros importantes pontos do cenário de crise política, que desencadeou o processo de impedimento contra a presidente Dilma Rousseff. 
 
Leia mais: Impeachment, eleições e re-pactuação política, por Leonardo Avritzer

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Meu Deus! Meu Deus!

    Não há solução fora da continuidade do mandato da presidenta Dilma Roussef!

    Antecipar eleições é golpe!

    Quem propõe isso é golpista!

    Não à antecipação da eleição!

    Não ao golpe!

  2. com ou sem impeac…

    ” A soberania popular”? Só lembram da soberia popular nestes momentos? O que é democracia sem soberania popular? É esta forma de governo que administra o Brasil há mais de 500 anos? Nem esquerda, nem direita, nem nehum agente público e político neste país aceitou até hoje a dita soberania popular. Somos uma república de pequenos grupos organizados, politicamente instituídos, que quando chegarm ao governo e ao controle das receitas públicas começam a diminuir a importância da representatividade democrática. Representatividade democrática e soberania popular torna-se então voto obrigatório. Votaram? Muito obrigado, até daqui a 4 anos. O voto deve ser a consequência da soberanoa popular. Se todos os outros mecanismos desta soberania não funcionam, o voto representa apenas a manutenção de uma ditadura travestida de democracia. As ruas estão demonstrando isto, hoje como em 2013. Qualquer que seja a paixão política de seus manifestantes. 

  3. E o elemento externo?

    Boa análise, porém não considerou o elemento externo, que atua agora, assim como atuou em 64. Alguém imagina que as Organizações Globo estão nessa só por uma questão partidária? Por que a NSA espionou a Petrobras e a própria Dilma, meses antes de iniciar-se a Lava-Jato? Por que Moro participou de seminário patrocinado pelo Departamento de Estado? Porque, com tantos Cunhas para prender, foi preso o almirante que dotou o Brasil do ciclo de enriquecimento de urânio?

  4. Eleições Gerais

      Em teoria, como gostam os academicos, caso Dilma não seja afastada, ela propondo eleições gerais, colocaria um sério problema para o Congresso, afinal ela estaria abandonando parte de seu mandato, e eles para satisfazer a opinião publica e interesses externos, seriam pressionados a fazer o mesmo.

       Mas na pratica, como propor eleições gerais e somente para o plano federal, com a atual estrutura partidária ?

       Então tal proposta não passa de um delirio academico, somado a interesses externos, os quais não querem a permanência de Dilma no Poder, como tambem desconfiam das intenções e da “sobrevivência politica ” de um governo Temer/Cunha/Calheiros.

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