A palavra morte é pobre demais ou apenas estritamente objetiva para uso dos jornais, por Maíra Vasconcelos
Diria que pensar a morte de 40 mil pessoas, por exemplo, é como entender e buscar várias outras palavras. É uma substituição alucinante de uma palavra por tantas outras, é como passar de um entendimento a outro. Ao invés de se dizer morte, falar em justiça e homenagem. Ao escrever, dar vida à ausência, sentir a temperatura das mãos passar do calor ao frio. E a alternância calor-frio sendo a vida que é, enfim, movimento. Mas os jornais não podem dançar assim com as palavras ou fazer associações demasiado fora do cotidiano.
Os jornais são, talvez, a coisa mais cotidiana que temos fora de nossas casas. Sua linguagem não pode mais do que servir a todos, sem exceção e sem inventar bolhões de sinônimos. Morte nos jornais será, no máximo, falecimento. Nunca será, por exemplo: jardim. Como quem clama: é necessário projetar um imenso jardim florido em homenagem a nossa gente.
Mas os jornais não usam linguagens deslumbradas. Mesmo que seja com a melhor das intenções, como fazer cada leitor entender que a morte não é apenas aquela da casa-de-cada-um. A dor que se sente dentro de casa pode ser a mesma que se sente em praça pública, diante de um jardim. Mas, cuidado, há sempre quem veja apenas as plantas do jardim da própria casa.
E, insistentemente, o jornal estampará novas mortes, que ali estão porque são de interesse coletivo. Ainda assim, os jornais amanhã servirão para embrulhar peixe. E a palavra morte irá embora junto com o jornal. Porque a palavra morte, assim sozinha, é pobre demais ou apenas estritamente objetiva para uso dos jornais. E nada mais. Então, essa urgência por outras palavras, formas, práticas, textos para se falar sobre justiça e homenagem num amanhã. Depois de se ler o jornal, todos os dias, e jogá-lo no lixo ou com ele embrulhar peixe.
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