Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Buenos Aires, 8 de dezembro, de 2023, por Maíra Vasconcelos

Ricardo Piglia escreveu sobre o café “Los 36 billares” em seus diários ou em alguns de seus ensaios, tão pessoais e fictícios.

Buenos Aires, 8 de dezembro, de 2023

por Maíra Vasconcelos

Nesse momento, faz-se necessário estar com as melhores luzes que a Argentina foi e é capaz de gerar. A literatura tem seus holofotes e, quando necessário, recorremos a algumas dessas potências de vida. Ricardo Piglia escreveu sobre o café “Los 36 billares” em seus diários ou em alguns de seus ensaios, ao mesmo tempo, tão pessoais e fictícios. Talvez, Piglia tenha dito que alguns de seus frequentadores parecem viciados na jogatina. Aqueles que se sentam nas mesas do fundo e saem de lá apenas para fumar e formam uma roda de homens astutos na porta do café, na Avenida de Maio.

São duas horas da tarde, neste mesmo café, e essas palavras devem enfrentar a chegada de um governo de ultradireita. Essa tendência mundial por escolher governos xenófobos e misóginos. E os preços irão subir ao redor de 40%, a partir da próxima segunda-feira, dia 11 de dezembro. Na televisão, os apresentadores, em tom animado e alarmista, citam produto por produto, fazem uma lista de supermercado e comentam o aumento dos preços. A televisão, assim, muito saudável, além de muito prestativa, porque nos adiantam como vamos encontrar as gôndolas, nas próximas 72 horas.

Mas voltando às luzes. Pergunto-me em qual página e em qual livro Piglia escreveu sobre o “36 billares”. Também há algo que o escritor contou sobre a época da ditadura, entre tantas outras situações relatadas, que serve ao presente deste governo negacionista. O exército invadiu o edifício onde Piglia morava com sua namorada, mas eles não estavam. Avisados pelo porteiro comunista que os agentes buscavam um casal de jovens, antes de subir, Piglia deu meia-volta e foi pensar uma estratégia de moradia. Em seus diários, ou nos diários de Emilio Renzi, ele disse que nunca soube se quem a polícia buscava era, realmente, os dois. Piglia citou esse episódio para refletir sobre a interferência da política na vida privada, sobre a “interseção da história na vida pessoal”.

Agora, a sociedade argentina necessita uma esperança, uma resolução para a grave crise que se arrasta há mais de um governo. Mas como será essa nova interferência da política em nosso viver, uma interferência já anunciada de “shock”, não apenas pelos meios televisivos, como também pelo próprio Javier Gerardo Milei, que assume amanhã a presidência. Por isso, diante do “shock” previsto, a palavra esperança é por demais leve, iluminada, e muito distante da mão dura que se avizinha. Por isso, volto a me perguntar em qual página e em qual livro Piglia escreveu sobre este café onde agora me encontro ou sobre outros cafés. Por isso, faz-se necessário falar das luzes argentinas.

Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina

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Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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