Não que saiba falar sobre almas, por Maíra Vasconcelos
Não que eu saiba falar sobre almas, mas sempre desconfiei dos seus esconderijos e jeitos para se balançar no ar. E que almas não podem ser como estátuas, porque almas existem no movimento. Nada muito fixo no tempo possui alma. Museus, por exemplo, não têm alma. Museu tem história e história não tem alma, é cronologia, pretendem medir o tempo e apontar o que está morto e não volta mais. E a alma está na vida, junto. Assim como a música que brinca entre mentes e corpos sem ter hora para sair e voltar. Também a alma gosta de bater asas.
Em meu peito sei quando é sinal de alma e quando não é, quando despertam essa parte que gosta de se expressar e sorrio pela leveza que o mundo pode ter. Claro, pois perceber o que é da alma também nos mostra o peso de tudo. E não convém achar que intuir sobre coisas da alma seja algo bonito ou elevado. Não é. Não que eu saiba falar sobre almas, mas se aprende a sorrir. Como ontem no jardim ou como acontece em alguns despertares sem rigidez, sem muros.
Ah, almas odeiam muros. Buenos Aires tem lugares e pessoas deslizas com menos muros, tal como em toda cidade onde se supõe tenham espaços assim transparentes. Almas não gostam de sombras e véus a tapar nada. Almas gostam de ver tudo entre todas as coisas, como se fossem fantasmas, mas não é. Está, mas também deixa de estar, aquele chegar-e-partir alternado e espantoso. Como Buenos Aires, que tem a poesia de uma neve leve que irá se derreter, não adianta, a neve irá se derreter em nossas mãos.
Mas estava a falar de alma. Não que eu saiba falar sobre almas, mas talvez melhor do que sobre carros ou marcas de eletrodomésticos. E isso me é um traço importante para existir ou pensar alguma existência. Alma primeiro, depois os carros e os utensílios. Porque almas gostam de passear, livres, e poder olhar ao longe. E isso é muito importante: descansar o olhar. Como hoje, que olhei para a neve em Buenos Aires. Mas, que se saiba, em Buenos Aires não neva desde 2007.
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