Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A engenharia do espírito no filme “A Origem”

Apesar da embalagem mística ou gnóstica (questionamentos sobre a natureza do real, os sonhos como um mundo paralelo, e personagem feminino que exorta o protagonista a despertar do sono da realidade) “A Origem” (Inception, 2010) de Christopher Nolan é extremamente reacionário ao fazer a apologia da engenharia do espírito das neurociências. Embora o filme trate do tema dos sonhos, em nenhum momento ouve-se a palavra “inconsciente”, substituída pelo termo “subconsciente”. Não é por acaso: toda a simbologia dos sonhos é substituída por uma verdadeira cartografia invasiva da mente. Dessa maneira “A Origem” é mais um exemplo de como Hollywood transforma em narrativas ficcionais a agenda política e científica futura.

 

É sabido que nos EUA a Psicanálise freudiana não goza de credibilidade científica. Conceitos como psiquismo e inconsciente são ignorados por não serem científicos, sem comprovação empírica. Discutir os sonhos e desejos humanos a partir da sexualidade e das relações infantis com a boca e excrementos é bizarro demais para o puritanismo norte-americano.

A cultura norte-americana é mais prática: se Freud pretendia analisar o simbolismo dos sonhos, o imaginário tecnológico atual pretende fazer uma cartografia e topologia dos sonhos. Muito mais prático, como bem comprovam as neurociências e o neuromarketing. Símbolos são filosóficos demais, enquanto uma cartografia e uma topologia é muito mais eficaz para apontar caminhos para inserir ideias nas mentes.

“A Origem” (Inception, 2010) comprova essa agenda tecnológica. Embora a narrativa do filme ocorra nos sonhos, nenhuma vez ouvimos a palavra inconsciente. Ela é substituída pelo genérico conceito de subconsciente, expondo essa matriz do pragmatismo neurocientífico.

Embora a princípio “A Origem” pareça ser um filme gnóstico, esotérico ou “filosófico”, tal como “Matrix”, ele tem um profundo sentido pragmático: a exploração do último refúgio do indivíduo (a mente, os sonhos) no invasivo mundo atual dos interesses corporativos (marketing, publicidade, fusões, aquisições etc.).

Embalagem Gnóstica

A narrativa de “A Origem” utiliza muitos elementos e tiradas dos filmes gnósticos, atribuindo uma roupagem “séria” à estória, dando a entender ao público que estamos diante de profundos insigths filosóficos. Por exemplo, quando os protagonistas vão para Mombasa recrutar um farmacêutico especialista em drogas pesadas para auxilia-los na missão, encontram em um porão dezenas de pessoas adormecidas. Elas vão para lá diariamente para viverem seus sonhos como uma realidade paralela. “Elas vêm aqui não para dormir, mas para despertar”, diz o responsável pelo local. Evidente tirada gnóstica que lembra as questões do personagem Morpheus no filme “Matrix”. Mas os protagonistas estão naquela farmácia de manipulação menos para discutir a natureza filosófica ou místicas dos sonhos, mas para usar pragmaticamente as drogas para resolver os problemas corporativos do cliente de Cobb (Leonardo Di Caprio).

Ou ainda a personagem Mal, a falecida esposa de Cobb. Aparentemente ela representa o personagem mítico gnóstico de Sophia, ao alertar Cobb sobre a natureza fictícia da realidade, apelando para que seu marido desperte. No sonho está a realidade e a realidade é uma ilusão! Ela constantemente fala para Cobb “retornar para casa” com ela, ou seja, retornar a uma origem idílica perdida durante o sono da realidade. Ela fala para Cobb: “você não se sente atormentado, perseguido pelo mundo por empresas anônimas?” Uau! Parece até que estamos diante das tramas gnósticas de Philip K. Dick! A personagem feminina que vai conduzir o protagonista para o despertar, como no filme O Pagamento (Paycheck, 2003).

Puro engano. Mal não passa de projeção do subconsciente de Cobb, originado pelo sentimento de culpa pela morte da esposa. Tal como nas terapias baseadas em neurociências (PNL, Cientologia etc), ele apenas quer deletar a culpa da sua consciência. Toda a aventura dos protagonistas nos diversos níveis dos sonhos em inserir (inception) a semente de uma ideia na mente de uma pessoa por interesses corporativos, servirá apenas para resolver os problemas de Cobb com sua consciência: deletar a projeção subconsciente da culpa.

O Reacionarismo de “A Origem”

Por isso, “A Origem” é um filme extremamente reacionário. Comparado com filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), O Pagamento (Paychek, 2003) e Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), “A Origem” glorifica as tecnologias neurocientíficas que querem basear a felicidade no esquecimento. Se nos filmes gnósticos há a denúncia da secreta aliança da tecnologia servir aos interesses que nos aprisionam a uma realidade por meio do esquecimento, em “A Origem” temos a apologia da eficácia das tecnociências.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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