Por alberto manoel ruschel filho
Logo que cheguei aqui, fui procurar um eletricista.
Achei o Gerônimo, pai de uma morena linda e espigada, biciclêtera veloz pelas ruelas esburacadas que nenhum prefeito enxerga.
Ela tinha me impressionado pelo discurso no balcão da lojinha de bermudas:
“Vou sair daqui pra estudar, mas volto, porque é aqui que está a Minha Gente.”
“Minha Gente”, entender essa coisa simples, é pra poucos. No máximo, uma família entende a ligação entre ter a mesma cara e o mesmo jeito e a Minha Gente restringe-se à família.
Mas a morena, jovem e veloz, já sabia quem era a Sua Gente.
Papo vai, reclamei do estado da casa que eu havia alugado e elogiei-lhe a filha.
PapoPapo vem, ele me respondeu que era preu ir me acostumando :
“A turma aqui é essa. Quem tem, quer mais pra ir embora, quem num tem, vai ficando por aqui sem melhorar, não ama a sua terra, parece que só espera um trem num lugar que nem trilho tem.”
O entendimento é raso. Só pelos anos de velhice, o perceber que o daqui prali está mais longe, se pergunta “Como será que ficaram velhos os meus velhos?”, o sujeito se interessa e curioseia por seus antepassados.
Tem um problema quem acha a Minha Gente inclui mais gente, reúne o vizinho de muro e de cerca ou percebe que, “ter gente” é ser gente da mesma turma.
Fica sozinho aquele que se considera gente do mundo.
Não há novidade, há espanto.
– Quem morreu?
– Foi o Tonho da Maria.
E a gente pensa, e sabe, foi o Tonho filho da Maria, posse e cria da Maria que morreu. O Tonho era da Maria. Sem Maria não haveria Tonho, nem morte. Com Maria, Tonho nasceu, viveu e morreu. Quando morreu Tonho, Maria morreu com ele.
Mas há morte sim quando quem morre não sabe que é de Maria. Curiusar o Passado, amar o presente e ver o Futuro é ser de Maria, é ter Maria dentro do peito.
No Rio de Janeiro dos anos 40, entre os que pensavam em “de quem eram”, o grupo dos curiosos freqüentado por minha mãe, os que pensavam e escreviam havia o Joãozinho.
Um dia, eu teria uns dez anos, andando pra lá e pra cá em dia de chuva dentro de casa, minha mãe recomendou.
– Pega um livro, sai de casa, viaja meu filho! Pega o livro do Joaozinho.
E me estendeu um livro grosso demais, grande demais.
Abri, e lá estava escrito que o livro era de Ara.
Nas reuniões dos pensadores curiosos tinha um Joaõzinho da Araci.
O Joãzinho era, e pertencia, a Araci.
“A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro”.
Humildes, Joãozinho e sua gravatinha borboleta viveram da Araci.
Eu sou da Ara, do Joãozinho, e juro, pertenço ao Brasil.
E há uma jovem morena que, um dia, será da Ara.
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