Creative Commons e direitos autorais

Acompanhei com interesse a discussão sobre essa questão estes dias, e gostaria de destacar alguns aspectos do debate.

1. a maneira como, de parte de vários comentadores, principalmente dos defensores do CC, era travada a discussão: com uma virulência nada recomendável numa discussão fraterna, que deseje chegar a algum lugar, como costumam e deveriam ser a deste blog. Os frequentadores deste blog já sabemos que, quando se troca a argumentação construtiva pelas cacetadas, é por falta de argumento consistente ou por espírito de seita. O xiismo da argumentação dos pró-CC parecia se enquadrar nesse caso.

2. desde o primeiro post sobre o CC, a discussão teve outro vício pernicioso num blog aberto como este, que trata de assuntos de interesse geral para o público geral, isto é, não é um blog especializado. Um assunto essencial — e cultura é essencialíssimo— foi tratado com espírito de seita esotérica, numa espécie de reedição internáutica do pitagorismo em seus piores momentos. Nenhum dos defensores do CC (aliás, o primeiro post nem dizia o que significava essa sigla) se dignou de explicar aos não-iniciados o que é o CC, como funciona, que formas de expressão cultural abrange (parecia que fundamentalmente música…), qual seu propósito. Trabalho há 40 anos na área editorial, sou razoavelmente bem informado, e não tinha a maior ideia do que era o tal CC, aliás nem mesmo o tal “licenciamento” de uma obra. Para mim, licenciamento era de automóvel, ambiental e coisas assim. Só agora, com o post do Nassif descobri que licenciamento é jargão para tratamento legal que o artista deseja dar à sua obra, durante sua vida e depois, se bem entendi. Resultado: escanteia-se quem não é especialista no ramo.

3. outro vício é o de misturar as coisas, como para forçar a barra para o seu lado, atitude quase sempre acompanhada de um certo terrorismo: fazem isto, para nos fazer engolir aquilo. Se tiram o selo do CC, é para nos impor na marra o abominável Ecad. Mais um gol contra dos defensores do CC, que deveriam ter explicado por que o CC é melhor do que o Ecad. O Ecad é tudo que se disse dele, e mais alguma coisa. Mas reduzir a discussão a “ou CC, ou Ecad”, é primitivo demais, à parte restringir a produção cultural a uma parte dela: a produção musical. E autor literário que não paga nada para o Ecad, fica onde nisso? E o pintor? E o dramaturgo? E o cineasta? E o fotógrafo? Do mesmo modo, malhar o instituto do direito autoral dizendo que 70 anos depois da morte é um despropósito (como também acho que é) é identificar duas coisas que idênticas não são: direito autoral com seu prazo de vigência.

O post do Nassif contribuiu para botar os pingos nos is, mas gostaria de fazer umas perguntas, para entender melhor a coisa, que espero ver respondidas sem rosnados.

1. para que tipo de obra o CC é fundamentalmente voltado? Música? O que e como cada uma das artes — música, artes plásticas, cinema, literatura etc. — tem a ganhar com ele em relação ao atual sistema de direitos autorais? Ou dá na mesma? Em outras palavras, precisamente em que pontos o CC é mais vantajoso para o A. do que o direito autoral (seria bom comparar, para ficar mais claro, o que as duas formas preveem)?

2. a única alternativa a esse sistema é o CC? Por quê? Não se podem criar outras?

3. o compositor é legalmente obrigado a entregar a exploração dos seus direitos ao Ecad?

4. noves fora a invocação de sinistras assombrações (o Ecad!), exatamente por que é prejudicial para o A. (afinal é ele que decide) a retirada do selo (?) CC do site do Minc? O A. não pode ter acesso de outro modo ao CC?

Duas observações:

1. o atual sistema de direitos autorais permite, sim, que o autor faça o que quiser com sua obra. O Lobato, citado aqui em cima e por um colega, poderia perfeitamente ter posto em testamento que legava sua obra, por exemplo, para a Biblioteca Nacional ou alguma entidade pública preservar, exigindo que permitisse sua reprodução sem ônus pelos interessados. Do mesmo modo o autor pode abrir mão dos direitos de uso gratuito da sua obra para quem ele achar merecedor. Já fiz e continuarei fazendo isso. E não há a menor hipótese de um herdeiro vir a cobrar retroativamente: basta assinar a cessão. Aliás, o Nassif pôs seu livro sobre o jornalismo dos anos 90 em pdf na rede: qualquer um pode baixar grátis.

2. discordo do Nassif quando diz que, no caso do livro, os direitos ficam com as editoras: o autor assina contrato com uma editora, com prazo determinado, geralmente dando a editora preferência após esse prazo. Nada impede o A. de trocar de editora. E entrega a uma editora seu livro se quiser: nada o impede de publicá-lo na rede, em forma digital, permitindo sua reprodução por qualquer um. Exemplos disso não faltam, como já lembrado na discussão.

Redação

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