por Wilson Ferreira
Por decurso de prazo e fim do prazo de validade, depois de 30 anos lecionando e pesquisando na Universidade esse humilde blogueiro foi demitido. Para espiar os demônios internos, nada melhor do que dar uma olhada em como o cinema representa esse divisor de águas na vida de qualquer um. Representações alquímicas, mensagens motivacionais, meta-demissões, cruel antropologia corporativa e mergulhos nas águas profundas da rebelião, com direito a automutilação e chantagens, estão nas sete melhores sequências de demissão no cinema recente selecionados pelo “Cinegnose”.
Sabemos que o cinema surgiu como entretenimento na fase mais aguda da regularização das relações de trabalho na história do capitalismo. Por exemplo, o chamado cinema slapstick (os filmes mudos ou “pastelão” de Chaplin a Harold Loyd) surge no momento mais tenso das relações trabalhistas e sindicais nos EUA.
E esses comediantes e diretores começaram fazendo curtas para serem exibidos nos “Nickelodeons”, formas primitivas de exibição compostas por pequenas salas de cinema no início do século XX – com sessões contínuas frequentado por trabalhadores, migrantes e desempregados que bebiam, fumavam e discutiam enquanto assistiam aos filmes. Chaplin, Loyd, Alf Colins entre outros representavam personagens desempregados, semiempregados ou biscateiros, sempre às voltas com a repressão policial e vivendo no limite da legalidade.
Mais tarde o personagem do “adorável vagabundo” de Chaplin ou as trapalhadas do Gordo e o Magro e Os Três Patetas continuaram essa tradição de anti-heróis que desafiavam a Ordem, agora já em salas de cinemas maiores. Isso ser imposto o Código Hays na indústria do cinema que enquadrou o conteúdo moral e ideológico dos filmes.
Por isso o cinema sempre viveu um movimento pendular entre quebra da ordem e retorno a ordem. O que pode ser percebido nas representações que os filmes fazem sobre os momentos das demissões: ou são representados como momentos motivacionais e de virada na vida (“crise é oportunidade” e assim por diante); ou então de forma cínica e neutra mostrando como a cultura corporativa tenta dourar a pílula; ou de forma anárquica e explosiva onde o demitido subverte a ordem e põe as regras a seu favor.
Uma pequena lista do Cinegnose das melhores cenas com demissões no cinema e audiovisual com exemplos de movimento pendular das quebras e retornos a ordem.
7 – Série Breaking Bad (2008-2013): demissão e Alquimia
Ser demitido é um processo alquímico radical de transformação. Walt transforma seu desespero silencioso em redenção. Walter White é um professor de química do ensino médio e depois atendente de lava-rápido que desenvolve câncer terminal na América do seguro de saúde privado. Reagindo a uma série de injustiças que se acumulam, Walt decide produzir e vender metanfetamina (a utilização mais útil da Química) a ter que aturar um chefe idiota em seu segundo trabalho.
Uma das melhores cenas de rebelião raivosa desta famosa série. Ao lado de filmes como Blue Velvet e Beleza Americana, é um dos melhores filmes de aplicação dos conceitos alquímicos de transformação da matéria na vida pessoal de um personagem. Como na Alquimia, a primeira fase é a de mergulho no caos (o “caldo primordial”). E Walt mergulha de cabeça no submundo de dealers e drogados, depois de dizer “Fuck You Bogdan. I said fuck you and your eyebrows”. Mais sobre alquimia e Breaking Bad clique aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=Xq0a2BWE3zA]
6 – Amor Sem Escalas (2009): a meta-demissão
Com esse nome e o sorriso irresistível de George Clooney se esperava um roteiro de mais uma comédia romântica. Porém, o que vemos é um filme cínico e irônico, focado nos dramas existências do mundo corporativo em um mundo ética e economicamente em crise. Aqui, Hollywood vê a demissão de forma neutra e metalinguística.
O trabalho de Ryan Bingham (George Clooney) é demitir pessoas. Por estar acostumado com o desespero e a angústia alheios, ele mesmo se tornou uma pessoa fria. Além disto, Ryan adora seu trabalho. Ele sempre usa um terno e carrega uma maleta, viajando para diversos cantos do país. Até que o avanço tecnológico volta-se contra ele, passando a viver a ameaça de cair numa situação análoga aos seus demitidos: seu chefe contrata a arrogante Natalie Keener (Anna Kendrick), que desenvolveu um sistema de videoconferência onde as pessoas poderão ser demitidas sem que seja necessário deixar o escritório. Este sistema põe em risco o emprego de Ryan.
Um curioso roteiro com o argumento da meta-demissão. É a mensagem cínica: na América das oportunidades ninguém está livre de ter seu pedaço de queijo roubado.
Abaixo a sequência onde o novo sistema de demissão por video-conferência ameaça o emprego de Ryan.
5 – Larry Crowne – O Amor Está de Volta (2011): demissão é motivação
Ao lado de atrizes como Meg Ryan e Jennifer Aniston, Tom Hanks é outro queridinho da América. No seu currículo filmes construtivos, motivacionais, sobre esforço e superação individual numa América ávida por exemplos de luta e vitória.
Mostra como é possível se reerguer após demitido. Como se redescobrir, viver novas aventuras e descobrir como as pessoas ao redor são importantes para alcanças o maior objetivo: viver feliz com aqueles que amamos.
A mensagem é se encher de otimismo, apesar da crise econômica. Crowne é a representação máxima do empregado esforçado e despedido por um detalhe: não tem diploma de nível superior. Parte então para uma faculdade comunitária para viver uma comédia romântica do self made man. Nesse filme, Hollywood retorna à ordem numa América pós-crise da explosão da bolha imobiliária de 2008.
[video:https://www.youtube.com/watch?v=9bsw7iYZwEU
4 – Queime Depois de Ler (2008): a Antropologia Corporativa de John Malkovich
Na sequência inicial vemos o agente da CIA Osborne Cox (John Malkovich) se dirigindo ao escritório de seu superior onde estão outros dois diretores da agência com rostos amarrados e olhar inquisidor. Ele recebe a notícia que está sendo “desligado”. “De que porra você está falando?”, reage Osborne. “Você tem problemas com bebidas”, acusa o diretor. “Você é mórmon? Perto de você todos têm problemas com bebida!”, retruca Osborne. Enquanto o seu chefe suplica: “isso não precisa ser desagradável!”
E no final, a indagação de Osborne que é uma síntese de páginas e mais páginas de teses e dissertações sobre Antropologia Corporativa: “Mas que raios é isso? Esqueci de beijar o rabo de quem!”.
Nesses filmes os Irmãos Cohen estão mais afiados do que nunca, mostrando o burlesco e o patético em situações como essas.
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Foi a melhor coisa que ocorreu comigo
Não se trata de (falsa) motivação. Menos ainda de verdadeira.
Mas há chances reais de que você venha a bendizer este momento.
Não dá para prever o futuro. Mas ele não necessariamente será ruim.
Arrisco dizer que as chances são bem melhores do que em um cara/corôa.
Parece pouco, mas não é, já que é possível contribuir para que a moeda caia com a face favorável a você. E ainda é possível jogar a moeda para o alto várias vezes.
Suerte, amigo.
Solidário a você,
Solidário a você, sugiro mais um filme sobre esse tema terrível: Sucesso a qualquer preço, (Glengarry Glen Ross), de James Foley, com roteiro de David Mamet, e excelentes atores, 1992. A cópia do trailer abaixo é ruim, mas o filme é facilmente encontrável.
[video:https://www.youtube.com/watch?v=AeIfQGzo-FY%5D
Da análise dos filmes e dos
Da análise dos filmes e dos discursos para uma realidade que ainda tende a aumentar a pressão sobre quem ainda tem ocupação. Nosso barco ainda navega sem que as pessoas corram o risco de serem jogadas ao mar. Ainda não somos imigrantes fugidos de países em guerra civil. Mas o medo da insegurança chegou para cada um habitante que povoa esse mundo. Lembro do tempo da guerra fria. O medo era o fim do mundo. Agora temos tempo com muitos riscos que envolvem despejos de casas alugadas, de planos de saúde que não podemos pagar, de isolamento social e destruição de todo e qualquer planejamento para nossa velhice. Do filme mais antigo que assisti tem que esqueço o título de um porteiro de hotel desempregado que, para não perder o respeito da sua vizinhança que o considerava um homem importante, vestia todos os dias seu uniforme e fingia que ia trabalhar. Das agruras do mundo moderno que mudou a concepção de trabalho incluindo o espaço corporativo, vem à mente o Denise está chamando, onde todos os personagens trabalham em casa no computador e planejam um encontro que nunca se realiza. Os filmes de Costa Gravas sobre a competição cruel para alcançar uma vaga de trabalho. Assim como o trabalho do empresário mocinho de Uma linda mulher, cujo empenho é destruir empresas produtivas sem nenhum escrúpulos e se apaixonar por uma moça de programa e transformá-la numa lady ou numa mulher do lar bela e recatada. Que será que a gente pensava sobre o trabalho nos nossos tempos de juventude? No meu tempo a gente tinha ou a juventude rebelde e politizada, ou a juventude transviada, ambas com futuros que necessitavam de urgentes transformações. E ainda tínhamos a geração do desbunde. Hoje sou aposentada, isolada e ainda lúcida, espero. Estou no momento pensando quais alternativas me sobram para viver com o mínimo de dignidade, sem apelar para a família que também vive dias incertos. E penso, como, nós, velhos, podemos pensar o mundo que nos cerca, com tantas dificuldades e incertezas. Incertezas essas anunciadas há muito. Talvez sempre. Estão até nas últimas tentativas de nos demitir da cidadania, depois de tanto caminhar juntos