O racismo estrutural do Peru

Por Vinicius Carioca

Peru tenta acabar com a discriminação racial contra afroperuanos

Dan Collyns, The Guardian

O Peru tem sido lento em resolver as desigualdades que deixaram sua população afrodescendente com oportunidades de emprego limitadas, mas isso pode mudar

Para muitos turistas que visitam o Peru, o porteiro do hotel será provavelmente o seu primeiro encontro com um afroperuano. É um trabalho feito geralmente por jovens negros no país; eles também muitas vezes trabalham como motoristas e carregadores.

Para o ativista Jorge Ramirez, esse é outro exemplo do racismo estrutural que existe na sociedade peruana, onde as oportunidades de trabalho dos afrodescendentes são muito limitadas. “Existe um preconceito de que só servimos para isso”, diz Ramirez, presidente da Associação Negra de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos.

No entanto, espera-se que haverá uma mudança agora. Pela primeira vez, o governo peruano estabeleceu uma agência dedicada exclusivamente à implementação de políticas que favorecem os afrodescendentes no Peru.

Entre 8% e 10% da população do Peru, de cerca de 30 milhões de pessoas, têm um herança africana, um percentual menor do que na Colômbia, entretanto, maior do que nos países andinos vizinhos, Equador e Bolívia.

No vice-ministério de interculturalidade, que pertence ao ministério da cultura, uma pequena equipe de funcionários está trabalhando para reduzir a “invisibilidade” dos descendentes de escravos africanos no Peru.

O plano tem três abordagens, explicou Rocío Muñoz, que pertence a essa equipe de duas pessoas: criar um plano de desenvolvimento multi-sectorial, que incluiria políticas públicas e ações afirmativas; realizar um levantamento especializado sobre a população afrodescendente e, assim, conhecer o seu nível de saúde, educação e emprego; e estabelecer uma secretaria permanente de políticas afroperuana.

“Sem dúvida, os países vizinhos tiveram progressos muito maiores do que o Peru”, disse Muñoz. Bolívia, Brasil, Equador e Colômbia reconhecem suas populações afrodescendentes em suas constituições, e também têm políticas específicas para o seu desenvolvimento, algo que no Peru, até agora, não existe.

Em um relatório de 2011, a La Defensoria del Pueblo afirmou que a população afroperuana sofre uma situação de “vulnerabilidade, adiamento e invisibilidade”, que tem um impacto negativo sobre os seus direitos humanos, especialmente saúde e educação.

De acordo com a Defensoria, apenas 2% daqueles que sofrem de doenças vão aos postos médicos ou hospitais; apenas 2% dos estudantes afroperuanos concluem os estudos universitários; mais da metade não conclui o ensino médio e 13,8% não completam o ensino fundamental.

Hugo Ñopo, co-autor de Discriminación en América Latina: Una Perspectiva Económica, um livro patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, observa que na América Latina a diferença salarial média entre a elite branca e a população indígena e afrodescendente é de 38%.

Ele diz: “Essas desigualdades no acesso aos serviços educacionais depois se traduzem em disparidades em capital humano, no acesso aos mercados de trabalho, na capacidade de gerar riqueza e, em geral, na capacidade de levar uma vida digna desenvolvendo-se plenamente na sociedade.”

“A política de igualdade de oportunidades, por excelência, é a educação. Dar educação de qualidade para as pessoas desde os primeiros anos é chave fundamental para seu desenvolvimento posterior. Como tal, as minorias estão em clara desvantagem em comparação com as maiorias brancas e as políticas públicas têm feito pouco ou nada para reverter tal situação. “

Ñopo disse que os programas de igualdade de oportunidades na Colômbia, no Equador e na Bolívia são muitas vezes “bem intencionados”, mas tem feito “pouco ou nada” para melhorar a situação das minorias afrodescendentes nestes países.

Ele acrescenta: “Na América Latina, temos uma dívida histórica para quitar. Esta não será resolvida com políticas corretivas de curto prazo como leis antidiscriminação ou quotas em várias áreas da vida pública A solução deve ser de longo prazo, atacando a raiz. É por isso que estou tão convencido de que a educação é o caminho.”

Os números, embora incompletas, demonstram que os afroperuanos sofrem mais problemas de saúde, e são mais pobres e menos alfabetizados do que a média nacional, em um país onde um terço da população vive na pobreza, com um dólar ou menos por pessoa, por dia.

Os afroperuanos não têm as mesmas oportunidades que os outros, diz Muñoz, que é especialista em questões afrolatinas. Ele acredita que “as reminiscências dos sistemas coloniais ainda seguem em sociedades aparentemente democráticas.”

“Sem dúvida, há uma série de estereótipos que têm confinado homens e mulheres afrodescendentes em determinadas áreas de trabalho”, disse ele. “Precisamos reverter esses padrões e criar oportunidades de emprego para eles. Em muitos casos, simplesmente não têm ooutras opções de trabalho.”

Em novembro de 2009, o Peru tornou-se na primeira nação latino-americana a pedir desculpas aos afrodescendentes pelos séculos de “abuso, exclusão e discriminação.” E também admitiu que a discriminação de origem racial ainda impede o desenvolvimento social e profissional de muitos afroperuanos.

No entanto, o tema afroperuano só foi incluido numa agenda ministerial com a chegada à presidência de Ollanta Humala, que prometeu no ano passado prometeu uma “inclusão social para todos.”

A nomeação da cantora afroperuana Susana Baca como ministra da Cultura foi bem recebida, sendo ela a primeira ministra afrodescendente, ainda que tenha durado apenas cinco meses no cargo.

Mas, apesar de Humala oficialmente ter implementado a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho, os afroperuanos seguem excluídos, diz owan Lay, um pesquisador do vice-ministério de Interculturalidade.

Em 4 de junho, durante o Dia da Cultura Afroperuana foi comemorado o aniversário de Nicomedes Santa Cruz, um influente poeta e músico negro. Mas ativistas afroperuanos argumentam que, ainda que seus compatriotas apreciem a sua contribuição para a cultura, música e esporte, eles não reconhecem suas habilidades em outras áreas.

“As pessoas têm que entender que não servimos apenas para dançar ou tocar instrumentos. Nós também podemos pensar e ocupar posições importantes”, disse Ramirez. Ele quer sejam tomadas ações concretas. “Nós esperamos por anos, e os afroperuanos ainda são humilhados, maltratados e excluídos. Se o Estado não agir agora, continuaremos sendo vítimas deste racismo estrutural.”

Luis Nassif

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