Kolombolo Diá Piratininga, 20 anos de samba e resistência, por Daniel Costa

Kolombolo  significa galo, em kimbundo (língua banto); Diá significa de, também em kimbundo; Piratininga, ou peixe seco, em tupi

Kolombolo Diá Piratininga, 20 anos de samba e resistência. Não chegamos até aqui à toa!

por Daniel Costa

Em uma sociedade onde a cultura ainda é tratada por aqueles que detêm o poder e ditam os rumos das políticas públicas como algo de menor importância, desconsiderando que ao lado da saúde e educação o tema é pedra fundamental para a formação do cidadão, uma agremiação independente comemorar vinte anos de existência é significativo, ainda mais quando carrega em seu nome a palavra resistência.  “Atravessei mata fechada. Rio eu cruzei de canoa. Eu venho de Kolombolo não cheguei aqui á toa“, quem frequentou alguma das inúmeras rodas promovidas pelo Kolombolo Diá Piratininga com certeza já cantarolou os versos de Toniquinho Batuqueiro, T. Kaçula e Renato Dias, a letra que é o hino oficial da agremiação traz para seus componentes uma enorme carga simbólica, pois se hoje podemos comemorar vinte anos é porque não chegamos até aqui à toa.

A idéia da fundação do que viria ser o Grêmio Recreativo de Resistência Cultural Kolombolo Diá Piratininga, surgiu ainda em 2002 durante uma conversa entre o historiador e arquivista da FAPESP Max Christian Frauendorf, o compositor e pesquisador Renato Dias (que se desligaria do grupo em 2019) e a produtora cultural Ligia Fernandes sobre a evolução e os rumos do carnaval de São Paulo, desde a época dos cordões, até o formato de campeonato de escolas de samba que assistimos hoje.

Ao mesmo tempo em que as escolas de samba de São Paulo passaram a  adquirir maior visibilidade e os desfiles ficavam cada vez mais parecidos com os realizados no Rio de Janeiro, era perceptível o distanciamento de suas raízes. Grandes figuras que contribuíram para a construção do carnaval  e consolidação do samba paulista, em sua maioria pessoas pretas, oriundas das classes populares, foram aos poucos alijadas do processo, ficando à margem dessa nova e perversa dinâmica (exemplo dessa mudança pode ser observado no processo de escolha dos sambas enredo, onde compositores de fora passaram a disputar os sambas com membros da escola), assim como os novos compositores que buscavam seguir a trilha iniciada por esses mestres.

Partindo da compreensão do samba enquanto expressão cultural que melhor representa o Brasil, principalmente pelo fato de ser encontrado em todo o seu território e trazer consigo seus múltiplos sotaques. Podemos afirmar que sua grandeza se faz não somente pela ampla execução, mas, principalmente, por apresentar inúmeras vertentes, de acordo com as influências culturais recebidas,que podem ser interpretadas através do contexto social e do estudo da história e realidade de cada local.

E com o samba de São Paulo  não seria diferente. Sotaques, ritmos, versos e danças que acompanham suas manifestações, do samba de bumbo ao cururu, passando pelo jongo e pelo carnaval, possuem características próprias provindas da formação étnica, das religiões, costumes e da história política local. Ou seja, São Paulo, apesar de ser uma metrópole conhecida por absorver inúmeras culturas e apresentar essa diversidade em suas ruas e bairros, também possui uma pujante cultura tradicional que se manifesta artisticamente de diversas formas.

Esses contextos, quando observados mais de perto, abrindo-se especialmente para as histórias de comunidades e dos seus indivíduos, revelam muito da nossa identidade e diversidade cultural. E é dessa forma que o Kolombolo acredita contribuir para o desenvolvimento daqueles que entram em contato com a história e os mestres do samba de São Paulo.

Partindo da ideia trazida pelo dramaturgo Plínio Marcos em espetáculos como Balbina de Iansã e depois com as Histórias das Quebradas do Mundaréu (musical emblemático onde o dramaturgo santista dividia o palco com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, e que originaria o disco, Plínio Marcos em Prosa e Samba – Nas Quebradas do Mundaréu, lançado pela Continental) a pesquisa e as atividades do grupo teriam como objetivo, principalmente, registrar as histórias do povo do samba paulista em suas diversas vertentes e suas obras, disseminar esse conteúdo e, acima de tudo, incentivar a valorização de suas expressões criando espaços e situações em que elas seriam a principal atração, afinal como sentenciou Plínio: “Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas, jamais será um povo livre”.

A pesquisa sobre o carnaval de rua para a produção de um livro seria, então, a primeira ação promovida pelo recém criado grêmio composto por três integrantes e batizado de Mocambo  Paulistano. O símbolo escolhido seria o galo, por sugestão de Renato Dias, e as cores, vermelha, amarela e preta, como as da bandeira de Angola, parte da região de onde provém o povo banto que foi escravizado e trazido principalmente para a região sudeste, e cuja cultura ficaria para sempre enraizada nas manifestações tradicionais paulistas.

O nome seria trocado em 2004 após a publicação de uma reportagem sobre o grupo, que resultou na manifestação de um outro grêmio recreativo mais antigo que já usava o nome Mocambo Paulistano. Imediatamente, o nome foi substituído por uma junção de palavras que simbolizaria a formação étnica da região onde hoje está São Paulo, foco do trabalho da entidade: Kolombolo Diá Piratininga. Explicando: Kolombolo  significa galo, em kimbundo (língua banto); Diá significa de, também em kimbundo; Piratininga, ou peixe seco, em tupi (língua do povo indígena que povoou a região) e nome que seria dado ao primeiro vilarejo local durante a colonização (Vila de Piratininga, seguido por São Paulo de Piratininga).

Em 2007, a convite da Associação Sambatá – Música e Cultura, o Kolombolo passou a ocupar um espaço na Rua Belmiro Braga em frente a Praça Aprendiz das Letras e próximo à espaços que contribuíram para a retomada do samba na região, como o Centro Cultural Rio Verde e os bares Pau Brasil, Tamarineira e Ó do Borogodó, a partir daí, a agremiação começa a agregar novos integrantes e a realizar atividades com maior frequência, a começar pela Praça do Samba, um evento mensal, realizado em praça pública, iniciado em abril do mesmo ano, ao longo do tempo em que o Kolombolo Diá Piratininga permaneceu na região contou com a presença de grandes baluartes do samba de São Paulo, como seu Carlão do Peruche, Osvaldinho da Cuíca, Toinho Melodia, Bernadete, Dito Caipira, as velhas guardas das escolas de samba e importantes nomes da cena contemporânea.

Outro projeto de grande relevância desenvolvido pelo Kolombolo Diá Piratininga ao longo dos últimos anos foi a produção da coleção Memória do Samba Paulista, por meio de doze álbuns o público pode ter acesso a obras de compositores e intérpretes como Toniquinho Batuqueiro, Ideval Anselmo, João Borba, Denise Camargo e Tio Mário, além das velhas guardas da Nenê de Vila Matilde, Unidos de Vila Maria, Unidos do Peruche, Velha Guarda do samba da Vila Brasilândia, o ainda inédito álbum da Velha Guarda do Vai Vai e por fim os discos dedicados a Embaixada do Samba Paulista e as Tias Baianas Paulistas.

Com a consolidação do trabalho na região da Vila Madalena, além da realização de diversas atividades como o Cafezal Paulista, Dialeto Paulista, apresentações e oficinas de Samba de Bumbo e encontros para discutir a história do samba de São Paulo, foi sendo forjada uma comunidade que serviria de base para fortalecer o projeto que deu início ao Kolombolo Diá Piratininga, assim a promoção de desfiles nos moldes dos antigos cordões carnavalescos, tornou-se possível.

A convite de outro projeto cultural (a rua do samba), o  Kolombolo levou seu estandarte pelas ruas do centro de São Paulo nos carnavais de 2006 e 2007, mas foi somente em 2008 que a entidade conseguiu realizar o seu próprio desfile, agora pelas ruas da Vila Madalena com o tema, “O galo pioneiro homenageia Dionísio Barbosa”. Este desfile é considerado extra-oficial pela entidade devido a ausência de uma ala de compositores que ficasse incumbida de produzir o samba tema do carnaval.

Desse modo, o cordão Carnavalesco Kolombolo Diá Piratininga ao realizar seus desfiles pelas ruas da cidade de São Paulo desde de 2006, passou a ser reconhecido por seus pares como um dos grandes defensores do carnaval de rua paulistano. Inclusive participando de forma ativa da construção do Manifesto Carnavalista, iniciativa surgida a partir de uma reunião de blocos e cordões carnavalescos que realizou grande ato em 2013 reivindicando o merecido reconhecimento e legalização do carnaval de rua da cidade. Esta iniciativa foi uma das grandes responsáveis pelo crescimento do carnaval de rua paulistano, ganhando a proporção que tem atualmente, um dos maiores do país. Recuperando uma tradição da folia de momo em São Paulo presente ao longo do século XX e que foi se perdendo com a concretização do modelo de competição de escolas de samba, realizada na sexta e sábado de carnaval.

Em 4 de julho de 2008 é fundada a Ala dos Compositores, e desde então, são sorteados três compositores que integram a ala para compor o samba tema do próximo carnaval. Desde a sua fundação, a Ala de Compositores do Kolombolo Diá Piratininga tem sido um ponto de encontro de novos compositores paulistas que visa a prática da composição compartilhada e a apresentação de sambas de diferentes autores contemporâneos.

Em 2020, após o carnaval em que o cordão homenageou o bairro  que foi sua casa por um longo período a agremiação encerrou seu ciclo na Vila Madalena, passando então a concentrar suas atividades no bairro do Bixiga, estabelecendo nova parceria, agora com a Casa Barbosa, tradicional espaço dedicado ao samba no bairro, onde passa a manter os encontros da sua ala de compositores as quartas-feiras, das 20h às 23h, e suas outras atividades. Assim,em 2023 o Kolombolo Diá Piratininga sairá pela primeira vez no sábado de pré Carnaval (11 de fevereiro) com seu cordão pelas ruas do bairro, cantando seus vinte anos de existência e também homenageando um dos baluartes da agremiação, o compositor Antônio Carlos, o eterno Tonhão.

Além dos projetos citados ao longo do texto, o Kolombolo Diá Piratininga, ainda realiza apresentações musicais em espaços diversos, como casas de shows, unidades do SESC e em coletivos culturais, geralmente, em formato de roda de samba e com a presença de representantes da velha guarda do samba paulista como convidados.

Nesses vinte anos onde vivemos alegrias, transformações, construções e muito aprendizado, diversas pessoas passaram pela agremiação, desde grandes nomes do samba, passando por artistas que estavam iniciando sua trajetória e hoje pontificam pelas rodas da cidade, até aquela pessoa que talvez pelo axé propiciado pela roda resolveu arriscar e rabiscar alguns versos, ou aqueles que comparecem apenas para aproveitar o samba. Cada um desses personagens, a seu modo contribuíram na construção de um lugar que respira samba. Cabe ressaltar que o Kolombolo Diá Piratininga enquanto espaço de resistência e difusor do samba da Paulicéia considera como paulistas, gentes de todo lugar, independente de onde nasceram ou sejam oriundos. A todos que abraçam a vida, respeitam, absorvem e compartilham culturas e ancestralidades nesta sofrida metrópole ou pelo interior e as cidades deste estado, mantendo acesa a chama da  resistência, com sua porta aberta a todos que desejam conhecer melhor o samba feito em São Paulo, como diz a letra do nosso hino: ninguém chega ao Kolombolo a toa.

Daniel Costa é historiador, compositor e integrante do G.R.R.C Kolombolo Diá Piratininga.

Redação

1 Comentário

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  1. Sou integrante da Ala de coompositores do Kolombolo Diá Piratininga.
    Testemunha da luta incansável desses guerreiros da resistência do Samba Paulista. Parabéns a todos pelos 20 anos de preservação da nossa cultura.

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