O caso dos estranhos objetos no Google Sky

Falso objeto formado por defeito numa das placas do DSS

Por Helio J. Rocha-Pinto

Recentemente nota-se uma grande quantidade de blogs e até artigos de jornal acerca de objetos desconhecidos que teriam sido flagrados por internautas nas fotos do céu disponibilizadas pelo Google Sky ou pelo Sky Map. Além dessas alegações sobre estranhos objetos, há outras sobre censura no Google Sky, motivada pela existência de grandes áreas escurecidas de formato retangular.

Todas essas alegações são fruto do desconhecimento sobre o modo como essas imagens foram obtidas e digitalmente processadas.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que as imagens que se encontram nesses aplicativos não correspondem a imagens em tempo real — assim como não o são as imagens da Terra no Google Earth –, mas sim a imagens obtidas há muitos anos, a maioria delas há mais de 10 anos. Ambos, Google Sky e Sky Map usam as imagens astronômicas do Digital Sky Survey (DSS), o grande projeto de digitalização de antigas placas astrofotográficas implementado pelo Space Telescope Science Institute.

As imagens do DSS cobrem 100% do céu. Tanto o Google Sky, quanto o Sky Map, e ainda um software equivalente usado por astrônomos profissionais chamado Aladin, fazem projeções dessas imagens digitalizadas numa grade esférica, usando a tecnologia análoga àquela usada no Google Earth, permitindo assim que diversas imagens individuais possam ser combinadas formando um aparente céu contínuo, por sobre o qual podemos navegar com os usuais controles do teclado e mouse.

Já nessa projeção podem surgir defeitos por diferença de escala ou distorção nos locais em que as diversas imagens vizinhas se interpõem. Certamente, o software que faz as projeções e combina as imagens corrige a maioria desses defeitos, mas distorções residuais devem ainda permanecer.

Imagens astronômicas profissionais, como as do DSS, usualmente coletam a luz do céu em faixas de frequência eletromagnética bem estreitas. Vistas individualmente no formato original, parecem-se como fotografias em preto e branco, porque o astrônomo profissional está mais interessado na diferença de intensidade das fontes luminosas em cada uma dessas faixas do espectro eletromagnético. Imagens DSS coloridas só são obtidas quando se combina três imagens originais para uma mesma região do céu, cada uma correspondente a uma faixa de energia espectral distinta. A cor será tanto mais próxima da cor real se essas imagens individuais retratarem, respectivamente, as faixas de frequência das cores azul, verde e vermelha, como numa típica combinação RGB que nossos televisores fazem.

Temos disso a segunda fonte de defeitos nas imagens do Google Sky e Sky Map: além das imagens individuais precisarem ser projetadas numa grade esférica, elas precisam ser antes combinadas em composições RGB. A junção desses dois processos não é trivial, quando feita de modo automático, porque cada imagem individual de uma determinada área do céu foi obtida sob condições específicas de limite de brilho detectável, iluminação noturna e qualidade de transparência atmosférica, que não são identicos aos de imagens para a mesma região do céu noutras faixas de frequência. Noutras palavras, cada imagem é ligeiramente diferente em termos de qualidade de todas as demais e o resultado da combinação em frequência (para criar o efeito de cor) e área (para permitir a navegação contínua) gera distorções e defeitos.

Vários desses defeitos parecem estar na origem das “áreas censuradas” do Google Sky — regiões do céu marcadas por retângulos pretos, que suscitou alguns usuários a supor que se tratavam de regiões do céu onde algo não poderia ser mostrado.

Não há motivo algum para que áreas do céu sejam censuradas pelo Google. Como foi dito acima, não são observações em tempo real, mas de anos atrás — a época média das placas usadas pelo DSS vai de 1987 a 1998. Ademais, as próprias placas originais podem ser consultadas pela internet e não há nada no local dessas áreas censuradas.

Por exemplo, a área centrada em 05:53:23.00 -05:58:30.0 é uma dessas áreas censuradas pelo Google Sky. A imagem do DSS desta área, num canal de frequência específico, é esta: http://stdatu.stsci.edu/cgi-bin/dss_search?v=poss2ukstu_red&r=05+53+23.00&d=-05+58+30.0&f=gif. A “área censurada” fica exatamente no centro dessa imagem.

Há ainda uma terceira fonte de defeitos nas imagens do Google Sky, que pode criar objetos espúrios. As placas astronômicas são fotografias sobre vidro ou filme transparente e, como tais, podem conter defeitos gerados no processo de revelação química, ou podem apresentar arranhões e desgaste da emulsão, no caso das mais antigas.

Esse é o motivo do estranho objeto encontrado em 22:35:55.00 -04:25:15, que vem sendo veiculado como Planeta X ou Nibiru em postagens sensacionalistas. Não existe qualquer objeto desse tipo nessas coordenadas.Trata-se de um defeito fotoquímico na revelação da placa POSS2/UKSTU Red do DSS, que não se encontra nas demais placas azul e infravermelha, como pode ser constatado pelos endereços abaixo:

placa vermelha: https://archive.stsci.edu/cgi-bin/dss_search?v=poss2ukstu_red&r=22+36+05.13&d=-04+27+15.4&e=J2000&h=15.0&w=15.0&f=gif&c=none&fov=NONE&v3=

placa azul: https://archive.stsci.edu/cgi-bin/dss_search?v=poss2ukstu_blue&r=22+36+05.13&d=-04+27+15.4&e=J2000&h=15.0&w=15.0&f=gif&c=none&fov=NONE&v3=

placa infravermelha: https://archive.stsci.edu/cgi-bin/dss_search?v=poss2ukstu_ir&r=22+36+05.13&d=-04+27+15.4&e=J2000&h=15.0&w=15.0&f=gif&c=none&fov=NONE&v3=

O endereço seguinte corresponde a uma placa apontada para a mesma área do céu, só que mais antiga: https://archive.stsci.edu/cgi-bin/dss_search?v=poss1_blue&r=22+36+05.13&d=-04+27+15.4&e=J2000&h=15.0&w=15.0&f=gif&c=none&fov=NONE&v3=
Nela pode-se ver arranhões ou marcas de pelo (em branco), defeitos inerentes à técnica que podem passar adiante nas imagens RGB combinadas e dar a incautos a impressão de que seriam objetos reais.

Para além de todas essas ressalvas, em pelo menos 1 caso alguém da equipe técnica do Google Sky forjou manualmente um objeto falso nas coordenadas 5h 11m 33.74s -12 50′ 30.09″. Esse objeto não existe nas imagens originais do DSS. 

É impossível evitar que algumas pessoas simplesmente sintam necessidade de constantemente alimentar paranoias com conspirações que envolvam a NASA, os EUA e os cientistas. Se você não tem essa compulsão pelo sensacionalismo ilógico, reflita sobre o seguinte: não há nenhum meio pelo qual um planeta ou asteroide de grande porte se aproxime da Terra sem que se torne visivel antes a todos, como são visíveis os demais planetas aquém de Urano. Não há como censurar o céu noturno.

Redação

4 Comentários

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  1. Nesses caso o mais recorrente

    Nesses caso o mais recorrente   é  a  aparição do planeta  cocô-de-mosca, bastando para tanto   a distração do editor.

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