Tania Maria de Oliveira
Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.
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Julgamento no STF: Nunes Marques, Fux e a noção jurídica de prejuízo, por Tania Maria de Oliveira

Destoando do geral, no entanto, o voto do ministro Nunes Marques evocou um universo de simplificações e equívocos em que parecia julgar o mérito das ações penais e não a questão processual que estava em pauta. Coincidiu com o presidente do STF, Luiz Fux

Julgamento no STF: Nunes Marques, Fux e a noção jurídica de prejuízo

por Tania Maria de Oliveira

“Mesmo que considerássemos tal juízo incompetente, eventual prejuízo para a defesa não foi demonstrado”. (Nunes Marques)

“qual foi o prejuízo da defesa? (…) Isso não ocorreu”. (Luiz Fux)

(STF – sessão plenária 15/04/2021)

Encerrado o julgamento sobre a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba no Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de quinta-feira (15), com a confirmação pelo plenário da decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações do ex-presidente Lula no âmbito da operação Lava Jato, uma questão tão relevante quanto espantosa foi suscitada como argumento de fala, ou melhor, como fundamento de voto, por dois dos ministros que foram vencidos no resultado.

No debate ocorrido, a maioria dos votos se pautou pela jurisprudência já consolidada na Corte, a despeito das convicções dos próprios ministros, sedimentando que as hipóteses não se enquadravam naquelas já anteriormente decididas no próprio STF, de vinculação do juízo apenas em relação às acusações de crimes direta e exclusivamente praticados em relação à Petrobras.

Destoando do geral, no entanto, o voto do ministro Nunes Marques evocou um universo de simplificações e equívocos em que parecia julgar o mérito das ações penais e não a questão processual que estava em pauta. Coincidiu com o presidente do STF, Luiz Fux, quando, para sustentar a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, ambos afirmaram que a defesa do ex-presidente Lula não demonstrou a ocorrência de prejuízo que tenha ele sofrido.

As afirmações passaram quase desapercebidas, sobretudo a do presidente do STF, que tentou adiar o fim do julgamento e, não conseguindo, externou sua posição já vencida pela maioria, em um discurso inconformado. Chocantes, as posições foram voltadas para dentro, em um vazio jurídico que buscava uma validação formal, alheias à realidade, como uma fórmula, incapaz de coexistir com elementos de fato, funcionando apenas como exposição persuasiva feita para fora e além do processo, em favor da operação Lava Jato e em defesa de uma legitimidade sem amparo legal.

Declararam a ausência de dano a um homem que foi e tem sido implacavelmente perseguido, que teve sua liberdade, um direito indisponível, cerceada por 580 dias; que perdeu o irmão e o neto enquanto estava no cárcere, e o primeiro não pôde sequer velar; que teve bens bloqueados, direitos políticos retirados, que foi execrado na mídia e sofreu um intenso assédio moral. Trataram carência de prejuízo como se, em uma fórmula matemática, o conceito pudesse se traduzir apenas e tão somente no acesso aos meios formais de recursos dentro dos tribunais. Como se falássemos de papéis e não de um cidadão, do sofrimento e das perdas que lhes foram impostos.

Os estragos e dores sofridos pelo ex-presidente Lula em decorrência dos atos de Sérgio Moro, um juiz parcial e incompetente, e dos membros do Ministério Público na operação Lava Jato, com a manipulação do sistema jurídico para dar aparência de legalidade à perseguição, são inomináveis.

O discurso de Nunes Marques e Luiz Fux durante o julgamento em que deveriam avaliar, de forma imparcial, a competência de um juízo para determinada causa, mostra como sofismas e exercícios retóricos podem ser usados como substitutos para uma fundamentação jurídica, por menos que tenham relação com o mundo real dos fatos. Quando essa fórmula de validade alcança sucesso, é incapaz de coexistir com qualquer ideal de Justiça. Felizmente não foi o caso, mas importa o registro.

Em verdade, os julgamentos no Supremo Tribunal Federal, que acontecem tardiamente, sobre os requisitos de validade processual da operação Lava Jato, são reveladores de uma intensa degradação do Sistema de Justiça, um fenômeno tão avassalador, que juízes da própria Corte ousam proferir impropérios à realidade, fazendo com que a mais tênue lembrança de dignidade humana perca espaço.

O julgamento terá continuidade na próxima quinta-feira (22) com a análise de legitimação do julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro já finalizado na Segunda Turma do Tribunal. A perspectiva deve se projetar para uma decisão jurídica vinculada e escorada nas normas regimentais e legais, consertada na esfera jurisprudencial e nas posições doutrinárias, que só pode se dar com a confirmação do veredito, sem interferência do plenário.

Qualquer decisão distinta disso, conduziria o Supremo Tribunal Federal a um prejuízo inestimável em sua busca de coerência e acerto de contas com os rumos da condução do devido processo legal constitucional. Os juízes da Corte precisam mostrar que estão à altura do mais exigente, difícil e ameaçador período de nossa história republicana. Reposicionar e corrigir as ilegalidades perpetradas pela Lava Jato é a proclamação de que não seguirão flertando com o abismo.

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