Autorizar aborto em caso de Zika é uma discriminação que beira o nazismo, por Marcelo Auler

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A decisão do procurador-geral da República de estender o aborto legal às gestantes contaminadas pelo Zika vírus é “discriminatória e preconceituosa”, beirando a ideia nazista de atingir a perfeição. Essa é a avaliação do jornalista Marcelo Auler, que publicou um artigo, nesta sexta (9), abordando o tema – em consonância com artigo de Luis Nassif, no GGN, sobre o mesmo assunto.

Para Auler, “a decisão de Janot, portanto, é discriminatória sim e preconceituosa. Pode ser entendida como a busca  por um sociedade perfeita, tal como pretendiam os nazistas. Limita o direito de as mulheres decidirem a interrupção da gravidez àquelas que são portadoras do vírus da Zika, quando, na verdade, isto deveria valer a todas.”

Nesta sexta, o Senado Federal, provocado pelo Supremo Tribunal Federal, enviou um parecer contrário à postura da PGR. A Casa presidida por Renan Calheiros sustentou que o aborto é rejeitado moralmente pelas famílias brasileiras e, por isso, não deveria ser concedido em casos de Zika. Principalmente porque, segundo ele, não está comprovado que todo fruto de uma gestação com o vírus terá graves sequelas como a microcefalia.

Por Marcelo Auler

Janot: aborto nãao deve ser crime, mas não pode servir à eugenia

Sexto de uma família de sete filhos, durante os meus 61 anos de idade convivi com meu irmão mais velho, José Francisco, uma pessoa especial. Faria 69 anos na próxima semana, mas faleceu em julho. Viveu bem, feliz, com apoio da família, de muitos amigos, de algumas instituições que juntos lhes proporcionaram até mesmo uma vida social intensa.

Ao longo da minha vida sempre pensei na coragem de meus pais que, mesmo após descobrirem que o primogênito tinha problemas, encararam mais seis filhos pela frente. Se assim não o fizessem, jamais eu teria vindo ao mundo.

Trago este depoimento no momento em que o procurador geral da República, Rodrigo Janot, assume um posições a favor do aborto para gestantes que contraíam Zika. Ele, conforme consta do site da Procuradoria Geral da República (PGR), enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer no qual diz defender a ampliação de direitos de pessoas com microcefalia e outras consequências decorrentes da epidemia do vírus Zika.

A questão principal por ele defendida é a possibilidade de interrupção de gravidez, somente para os casos diagnosticados de infecção pelo vírus da Zika, por decisão da gestante.

É justamente nesta questão, da autorização do aborto para gestantes que tenham detectado o vírus, que mora o perigo ou, quem sabe, o preconceito. Janot está autorizando a chamada Eugenia, muito em prática na Alemanha nazista.

Independentemente de questões religiosas, o aborto deve ser autorizado pelo Estado a todas as mulheres que o desejarem fazê-lo. Elas devem ser apoiadas na liberdade de decidirem sobre o próprio corpo, de acordo com suas consciências e com o que preconizam suas crenças e seitas. Trata-se, acima de tudo de uma questão de saúde pública pois a hipocrisia de uma lei que criminaliza tal prática acaba gerando muito mais mortes e problemas a grávidas do que aconteceria com a liberação e o devido acompanhamento médico e psicológico, inclusive por hospitais e postos de saúde públicos.

Autorizar o aborto apenas para as gestantes que detectam o vírus é, como afirmou Luís Nassif em artigo no JornalGGN –  Procurador Janot e a eugenia para crianças com deficiência – mostrar duas facetas negativas de Janot: a discriminação e o sentimento de eugenia.

Discriminação por manter a criminalização do aborto para as demais gestantes quando a elas também deveria ser dado o direito de optarem de acordo com suas consciências. Eugenia, no momento em que o aborto valeria apenas para evitar o nascimento de crianças com necessidades especiais. No caso, vale questionar, por que apenas para as mulheres que detectam o vírus da Zika? E gestantes que descobrem outros tipos de anomalias em seus fetos? Não estariam na mesma situação?

Ao longo da vida, não apenas por conta do meu irmão, convivi com diversas pessoas com necessidades especiais. Ainda criança, adorava frequentar o Instituto Brasileiro de Reeducação Motora (IBRM) inicialmente em um pequeno sobrado na Rua Conde de Bonfim, na Muda da Tijuca Hoje, funcionando no Andaraí, graças à força de vontade e dedicação da minha madrinha, a fonoaudióloga Ruth Pereira, já falecida há tempos, que dedicou sua vida e seus recursos ao atendimento de crianças com poliomielite, entre outras com necessidades especiais.

Eram e/ou são (muitos ainda devem estar vivos) seres humanos que conviviam com grandes dificuldades as quais, não raras vezes, conseguiam superar. Mesmo os que tinha muitas limitações, alegravam-se com questões pequenas. Sofriam, é verdade, mas nem por isso desejavam o fim da vida. Aliás, pessoas que não possuem necessidades especiais, por outros tipos de sofrimentos, pregam o fim da vida. Basta lembrar que estamos no mês dedicado à prevenção aos suicídios.

Ao longo da vida, assisti as mudanças que vários setores da sociedade promoveram ao lidar com pessoas especiais. Não apenas no caso do meu irmão ou de amigos deles, cujas limitações não eram das maiores. Exemplo claro, são os portadores de síndrome de down que antes sofriam tremenda discriminação e hoje, cada vez mais, estão integrados na sociedade.

Surpreende mais ainda que esta decisão venha a público justamente quando o país recebe a Para-Olimpíada, na qual pessoas com necessidades especiais demonstram como é possível superar suas limitações.

O que sempre existiu e continua existindo – e isto Janot como fiscal da lei deveria cobrar – é a omissão do Estado. Alguns ainda prestam atendimento, mas muito menos do que deveriam prestar. Outros, nem isso fazem. Deixam que iniciativas privadas por meio de ONGs, ou de instituições religiosas, busquem o amparo necessário a esses cidadãos.

A decisão de Janot, portanto, é discriminatória sim e preconceituosa. Pode ser entendida como a busca  por um sociedade perfeita, tal como pretendiam os nazistas. Limita o direito de as mulheres decidirem a interrupção da gravidez àquelas que são portadoras do vírus da Zika, quando, na verdade, isto deveria valer a todas.

Além disso, omite-se no principal, que é a exigência de que o Estado preste o devido atendimento às futuras mães e/ou a seus filhos, independentemente da opção que elas façam. Seja no reconhecimento do direito da mulher a decidir sobre seu próprio corpo em qualquer situação de gravidez indesejada, exigindo do Estado o apoio médico e psicológico às que pela interrupção da gravidez optarem livremente. E assim, retira-las do mercado paralelo e nefasto das clínicas clandestinas, evitando que se tornem vítimas nas mãos de aborteiros despreparados. Seja para prestar a mesma assistência médica e psicológica às famílias que gerarem crianças especiais, exigindo que o Estado lhes garanta adequada atenção.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Debate trágico: discordo do Auler e do Nassif

    Caros,

    Prezo a opinião do Nassif e do Auler.

    Mas discordo.

    Permitir o aborto não é torná-lo obrigatório.

    Aqui, apenas se faculta à mãe pobre aquilo que a rica e a de classe média já fazem nas clínicas particulares.

    Já ouvi – inclusive – relato de amiga de amiga médica que recorreu ao aborto em clínica particular depois de exame de aminiocentese detectar o problema da microcefalia.

    Sou favorável à descriminalização do aborto – como ocorre em todos os países mais avançados.

    Não é porque o problema como um todo não é resolvido que não se pode tentar resolver uma parte.

    “Se não pode todo o aborto então não pode nenhum aborto!”

    Discordo: não sou daqueles que usa esse tipo de raciocínio como álibi.

    Daqueles que dizem, por exemplo, que é “supérfluo discutir ‘perfumarias’ como machismo, meio ambiente, homofobia, maus tratos a animais, ‘enquanto tem tanta criança na rua e tanta fome no mundo’ ”.

    Álibi para a inação, que pode ser reduzido à máxima: enquanto não se resolver tudo, que não se resolva nada.

    Se aborto de deficiente é “eugenia e nazismo”, então toda a Europa Ocidental é hoje nazista.

    Sim, porque na Europa Ocidental os países permitem aborto de feto com trissomia do cromossomo 33 – síndrome de Down – até depois do prazo legal de 3 meses da autorização geral para o aborto. Ou seja, no caso de síndrome de down o prazo é maior.

    Não fosse assim, num continente onde não raro as mulheres têm filhos entre 40 e 50 anos, a proporção de crianças com síndrome de down seria algo já próximo ao quê? 1 em 10? 3 em 10?

    Não busco com isso eliminar o dilema moral!

    É sim eugenia.

    Eu mesmo nunca, nunca mesmo, queria estar submetido a esse dilema e ter essa possibilidade de escolha entre vida e morte.

    Mas não é porque não tenho resposta ou porque tenho uma diferente que devo tentar impô-la a outros.

    Por que submeter uma família – e uma criança! – a uma existência miserável de desamor mútuo?

    Não haverá de ser a possibilidade de aborto que aumentará sobremaneira a estigmatização da criança com deficiência, além daquela que já existe e que deve ser combatida com toda a força.

    Na analogia mais próxima que consegui encontrar:

    O aborto – legal ou clandestino – aumenta muito a estigmatização de filho “normal” de mãe adolescente? De mãe pobre “com uma penca de filho que abusa do bolsa-vagabundagem”?

    *

    Que se escrevam muitos artigos sobre a riqueza que é ter um filho com síndrome de down, sobre esses serezinhos que incarnam o amor e o afeto em estado bruto e a ausência de malícia, sobre o avanço na cidadania dos jovens e adultos com down, etc.

    Tenho na família, inclusive, parente com filho down. Assim como autista.

    Falo em down porque não posso descrever a criança com microcefalia, ainda desconhecida.

    *

    Tenho muitas críticas a Janot.

    Muitas mesmo.

    Mas tentar estender à mulher pobre o “direito” já exercido pela rica e pela classe média ao aborto – ainda que de forma muito limitada – não é uma delas.

    1. Caiu feito um patinho, Romulus:

      “Mas tentar estender à mulher pobre o “direito” já exercido pela rica e pela classe média ao aborto – ainda que de forma muito limitada – não é uma delas”:

      O assunto de ambos Auler e Nassif eh esse:  o “direito” sendo extendido nao eh um “direito ao aborto” -pelo qual eu ja me posiciono a favor na internet ha 15 anos.

      O “direito” sendo extendido “aas pobres” eh o direito aa eugenia.

      Como um DA de merda como Rodrigo Janot, que nao entende absolutamente nada de saude, justica, e que nao sabe sequer a diferenca entre microcefalia e acefalia vai latir em publico a respeito do que ele ACHA ou NAO ACHA?

      O filho da puta nao tem nem sequer protocolo de cargo pra cumprir nao?

      1. Eugenia não é direito, é

        Eugenia não é direito, é política de Estado. O que está sendo estendido é sim, o direito ao aborto, que é uma decisão individual ou familiar. Da forma típica da nossa política, isto é, aos pouquinhos, hipocritamente, na medida do indispensável, mesquinhamente. Mas “direito à eugenia” não existe, e “eugenia” sem coordenação estatal e eliminação obrigatória não é eugenia.

    1. Pelo que entendi, ele está

      Pelo que entendi, ele está dizendo que autorizar o aborto só às mulheres que tem zika é preconceituoso e discriminatório, porque O ABORTO DEVE SER AUTORIZADO EM TODOS OS CASOS, se a mulher assim o desejar. Autorizar só em casos de Zika é eugenia, pois dá o direito ao aborto só se for para não gerar crianças que não são perfeitas.

  2. Isso é um absurdo.
    Ninguém

    Isso é um absurdo.

    Ninguém está sendo obrigado a abortar em caso de Zika. Como pode uma decisão que dá a alguém o direito de decidir sobre abortar ou não ser “eugenia”?

    A verdadeira catástrofe que é para uma família já em condições de existência precárias ser acrescida de um membro que não poderá contribuir para a subsistência familiar não é levada em conta?

    Não querem que as mulheres pobres abortem por terem tido Zika? Ofereçam-se para adotar os filhos delas. “Combate à eugenia” com os minguados recursos dos outros é que é, isso sim, fascismo.

  3. aborto
    mas vc acredita q o estado vai ter condiçoes de fazer abortos?? como anda o atendimento da saude ai no rio??? caso de guerra??? mais realismo. nao se trata de de raça “perfeita” mas chega de miseria nesse pais, nem todos podem ter filhos, ponto.
    valter

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