Governo Tarcísio assume “vingança institucional” na Operação Escudo

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Defensoria e Conectas acionaram a Justiça contra abusos dos militares que atuam na Operação no litoral paulista

Protestos pela suspensão imediata da Operação Escudo aconteceram no Guarujá e em São Paulo. Retomada, operação tem primeiro protesto em Santos. Foto: Junior Lima @xuniorl

A Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas Direitos Humanos ingressaram na madrugada de segunda-feira (5) com uma ação civil pública para que a Justiça do Estado obrigue o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) a instalar câmeras corporais nos uniformes de policiais que atuam na Operação Escudo, que ocorre no Guarujá e na Baixada Santista, litoral paulista. 

No despacho encaminhado à Vara da Fazenda Pública, as entidades ressaltam que a operação, iniciada em 27 de julho após a morte do policial Patrick Bastos Reis, oficial da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), da Polícia Militar, já fez 27 vítimas fatais e efetuou mais de uma centena de prisões – neste último caso, de “jovens, negros e sem antecedentes“, que em sua maioria não envolveu a apreensão de armas e tampouco a apreensão de drogas. 

À época em que a operação foi deflagrada, o governo Tarcísio sustentou oficialmente que sua finalidade seria a de “combater o tráfico de drogas e o crime organizado” no litoral e, por isso, a ação seguiria por tempo indeterminado. 

No entanto, desde o início da operação, “há relatos de execuções sumárias, tortura, invasão de domicílios, destruição de moradias e outros abusos e excessos praticados pelas forças de segurança“, de acordo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Em meio a situação, Defensoria encaminhou cinco ofícios à Secretaria de Segurança Pública (SSP) solicitando esclarecimentos e recomendando o uso de câmeras corporais “para que as abordagens sejam capturadas e passem por controle pelas autoridades competentes”.

Foi então que, em uma de suas respostas, a SSP assumiu que a Operação Escudo “é uma iniciativa de resposta imediata das Forças de Segurança do Estado diante de atos de violência direcionados a Agentes Públicos do Estado, independentemente do segmento ou esfera da Administração Pública a que pertençam (Agentes de Força de Segurança, Poder Judiciário, Ministério Público etc.)”. 

Vingança institucional

No final de julho, moradores de comunidades afetadas pela ação policial relataram que a própria PM prometeu que 60 pessoas seriam assassinadas em forma de vingança pela morte do soldado da Rota.

Na ação civil pública, os autores destacam que a ação se trata de fato de uma “vingança institucional”, seguindo os moldes à de um “esquadrão da morte“.

Importante destacar que esse modus operandi não é novo e remonta ao ‘Esquadrão da Morte’, como relatado por [jurista] Helio Bicudo ao expor como a morte de um agente de segurança instaurou uma lógica de vingança institucional [nos anos 1960] que ‘despertou nova onda de histeria na Secretaria da Segurança Pública, de tal modo que voltou a soar a promessa de que, a cada investigador morto, dez marginais pelo menos deviam pagar o crime com a própria vida’“, relembra a Defensoria e a Conectas.

“As questões de segurança pública e a responsabilização pela morte do policial devem atender rigorosamente à lei, privilegiando-se a atuação baseada na inteligência, planejamento e respeito a vida de moradores de territórios vulneráveis. O cumprimento da lei e o controle dos abusos são regras básicas do Estado de Direito, protegem as instituições e a própria sociedade”, afirma Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos.

Ato público ocorreu na Praça 14 Bis, no Guarujá, denunciando que a Operação Escudo é, na verdade, uma chacina. | Foto: Ailton Martins/Ponte.

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Caos e terror nas comunidades

A Defensoria e a Conectas destacam que é fundamental o uso das câmeras corporais pelos policiais militares e civis de Santos e do Guarujá, escalados para a operação em curso, tendo em vista que somente em um de 25 casos que analisaram, por meio de Boletins de Ocorrência, o uso do equipamento já havia sido incorporado.

Para além das mortes e prisões, as incursões policiais realizadas no âmbito da “Operação Escudo” têm provocado caos e terror nas comunidades atingidas, afetando a rotina das pessoas que residem e trabalham na região”, afirmaram os defensores.

Destaca-se, ainda, as narrativas recorrentes de ‘varredura’ por domicílios alheios onde não se descreveu, como é necessário, situação de flagrante delito ou socorro. Em verdade, em vários dos boletins analisados, os depoimentos apontam que, convenientemente, as portas estavam entreabertas ou que teriam ouvido o choro de uma criança“.

Dos 25 Boletins de Ocorrência analisados, em 15 deles consta a informação sobre o número de disparos realizados. Ao total, 70 disparos atingiram as vítimas fatais, o que totaliza uma média de 4,6 disparos em cada ocorrência“.

Além disso, é de extrema importância realçar que, em mais de um dos casos, os policiais justificaram novos disparos em indivíduo JÁ ALVEJADO [grifo da Defensoria], uma vez que este estaria ‘tentando alcançar a arma’. No mesmo sentido, houve também casos em que dispararam contra indivíduo EM FUGA, ou seja, correndo em direção contrária aos policiais, o que, por certo, não deveria autorizar a adoção imediata de medida tão gravosa quanto é disparar contra as costas de um ‘suspeito’.

Não bastasse esse quadro de violações de direito, chama atenção a postura adotada pela administração pública estadual em relação ao uso das câmeras corporais durante a Operação Escudo. Apesar da mobilização de 600 policiais militares, a Secretaria de Segurança Pública [SSP] descartou o uso de câmeras por parte dos agentes de segurança envolvidos na operação na Baixada Santista“, dizem os autores da ação, citando entrevista coletiva da SSP.

Com isso, a Defensoria Pública e a Conectas pede a obrigatoriedade da utilização de câmeras corporais no uniforme de todos os policiais militares e civis “para que ações ostensivas, abordagens policiais, cumprimentos de mandados judiciais, ordens de prisão em flagrante, outras medidas que impactem a liberdade ou a integridade física, mental ou patrimonial de indivíduos ou coletividade sejam capturadas, armazenadas, atendendo a todos requisitos de cadeia de custódia, e passem por controle pelas autoridades competentes”.

Na ação, os defensores também pedem que sejam disponibilizados “os metadados das imagens já capturadas no decorrer da Operação Escudo pelas câmeras corporais utilizadas por policiais militares” e que “cumpra, na forma e no prazo estabelecidos, as requisições e solicitações de informações da Defensoria Pública, disponibilizando acesso às informações necessárias para a prestação de assistência jurídica às vítimas e seus familiares“.

Por fim, requer-se a condenação do réu em verbas sucumbenciais e honorários, a serem destinados ao Fundo da Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Atribui-se à causa o valor de R$ 500 mil para fins de alçada“, concluem.

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

2 Comentários

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  1. Faz sentido. Militares como Tarcísio de Freitas entendem mais de experiência de expedições punitivas letais do que de segurança pública e direitos humanos. Vai piorar, porque ao garantir verbas para os salários acima do teto dos promotores e juízes paulistas o interventor militar eleito com ajuda do Estadão já tem o MP/SP e o TJSP na algibeira dele.

  2. Só muda se os yuppies da Faria Lima começarem a ter depósitos congelados no exterior. Aqui não é Rússia; nem tampouco eles são oligarcas com algum patriotismo. Do contrário o governo vai continuar mandando matar “ppps”. E São Paulo em breve vira um Rio de Janeiro total. Quem manda é o dinheiro. Os pistoleiros, de todos os calibres e coturnos só obedecem alegremente.

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