A crise de Obama

Do Valor

Pacotaço americano

Antonio Delfim Netto
17/08/2010

É prematuro concluir pela insuficiência do grande pacote de apoio ao setor real da economia formulado pelo governo dos EUA para amenizar os efeitos da crise financeira. Essa foi construída sob os olhos míopes e generosos das autoridades monetárias, que deixaram de preveni-la. Para evitar as conclusões precipitadas que têm sido tiradas desse desastre sobre o papel do Estado na organização de um sistema econômico eficiente, é preciso insistir que a “crise” revelou, ao mesmo tempo, uma “falha do mercado” e uma “falha do governo”.

A sua solução está longe de exigir, portanto, mais Estado-Produtor. Esse tende a esclerosar o sistema produtivo, como provam as inúmeras experiências dos países em desenvolvimento vividas no século XX. Exige, sim, um Estado-Indutor, ele mesmo constitucionalmente controlado e suficientemente forte, para exercer o papel de regulador amigável dos mercados no seu funcionamento. Deve, além disso, estimular as inovações e assegurar a apropriação pelos indivíduos dos benefícios decorrentes da sua liberdade de iniciativa.

OpacO “pacote” de estímulo ao setor real da economia foi da ordem de US$ 800 bilhões, assim distribuídos: 1) dispêndios governamentais diretos (seguro-desemprego, assistência médica etc.) da ordem de US$ 200 bilhões; 2) gastos discricionários da União (investimento em infraestrutura, ajuda a Estados etc.) da ordem de US$ 300 bilhões; e 3) estímulos fiscais (corte de impostos) da ordem de US$ 200 bilhões. Tais gastos devem acontecer ao longo do tempo: de 2009 a 2012 serão dispendidos um pouco mais do que 90% do programa, assim distribuídos: em 2009, 34%; em 2010, 42%; em 2011, 13%; em 2012, 3%; e além de 2013, 8%. 

Neste início do segundo semestre de 2010, podemos estimar que 50% do estímulo ao setor real da economia já esteja funcionando. Como é evidente, os efeitos efetivos desses estímulos sobre a produção e o emprego dependerão dos “multiplicadores” de renda associados a cada um deles (a propensão a consumir de cada recipiente e a rapidez com que transformam o estímulo recebido em novos gastos).

O seguro-desemprego recebido, por exemplo, transforma-se quase imediatamente e totalmente em dispêndio. Estimativas (sempre discutíveis) associam a ele um “multiplicador” da ordem de 1,6. Grosseiramente, US$ 1 aplicado no seguro-desemprego gera renda da ordem de US$ 1,6. No caso do estímulo aos Estados (para construção de estradas, manutenção de escolas etc.), o “multiplicador” é qualquer coisa como 1,3. Tais “multiplicadores” foram usados para estimar a “potência” do pacote no aumento da renda e do emprego que haviam sido consumidos com a interrupção do circuito econômico pela crise 2007/2009.

A esperança original da equipe econômica do presidente Obama (explicitada pela economista Christina Romer, que agora está deixando o governo) era que os estímulos reduziriam o desemprego em dois pontos percentuais em meados de 2010 e que criariam (ou salvariam) mais de 3,5 milhões de empregos.

O gráfico 1, abaixo, mostra a dramática falha dessas previsões. Vemos que a taxa de desemprego atual (mais de 27 milhões de desempregados) é maior do que a “prevista” pelos autores do pacote e, pior, superior à que “previam” sem ele. A diferença entre a realidade (9,5%) e a estimada com o pacote (7%) para meados de 2010, dá uma ideia de por que o prestígio de Obama está em rápida erosão. Outro aspecto dramático é que essa alta taxa de desemprego está associada a uma redução da relação emprego civil/população, o que sugere certo “desânimo” para procurar emprego.

Talvez o aspecto mais grave é que as novas solicitações semanais de seguro-desemprego, que passaram por seu máximo no primeiro trimestre de 2009 (em torno de 650 mil), reduziram-se razoavelmente até seu homônimo de 2010 (em torno de 450 mil), mas a partir daí nada mais aconteceu. A média móvel de quatro semanas de pedidos do seguro-desemprego estabilizou-se em 450 mil, como se vê claramente no gráfico 2.

A explicação para isso é que a política econômica de Obama não conseguiu cooptar o setor privado para correr o risco de voltar a consumir, a investir e a exportar (agora existe um programa especial para as exportações) e, assim, restabelecer o circuito econômico normal.

Os EUA continuam a ser, potencialmente, a mais inovadora e flexível economia do mundo. Mas seus consumidores não podem mais acomodar a variação do seu consumo com crédito e seus empresários só investem para aumentar a produtividade do trabalho (equipamentos poupadores de mão de obra e computadores importados) aproveitando as vantagens da depreciação acelerada. Isso nem aumenta o produto, nem aumenta o emprego! Há uma grave desconfiança do setor real da economia sobre se a equipe de Obama sabe mesmo o que está fazendo. Esse cabo de guerra talvez seja resolvido nas próximas eleições legislativas…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: [email protected] 

Luis Nassif

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