A delicada política econômica do governo Lula, por Luciano Alencar Barros

No atual contexto do Brasil, o desempenho macroeconômico ganha ainda mais relevância por seus desdobramentos políticos para a ordem democrática

A delicada política econômica do governo Lula

por Luciano Alencar Barros*

Uma boa gestão da política macroeconômica sempre é algo fundamental, dadas as suas consequências em termos de emprego, renda, e do seu impacto na provisão de bens públicos. No atual contexto do Brasil, no qual a própria democracia se viu (e se vê) ameaçada, o desempenho macroeconômico ganha ainda mais relevância por seus desdobramentos políticos para a ordem democrática. Mais do que nunca a política econômica precisa “acertar”.

Para analisar a política econômica atual, antes de tudo é fundamental distinguir duas dimensões: a dimensão técnica, da ciência econômica, que revela o que pode ser feito e quais seriam as consequências para a economia; e a dimensão política, do que é possível fazer no atual contexto, e quais as implicações políticas do que está sendo feito. Nestas duas dimensões a política econômica do ministro Haddad tem equívocos fundamentais.

No que diz respeito à técnica, desde os anos 1930 sabe-se que quanto maiores os gastos, maiores os níveis de renda. Uma vez que as condições externas são favoráveis, que o país possui um enorme reservatório de mão de obra (desempregado, subutilizado e na informalidade) e que os meios de produção estão com capacidade ociosa e podem ser produzidos, conclui-se que há grande margem para o crescimento sem que se esbarre em limitações da economia. E como a experiência de 2020 provou, não há falta de recursos para fazer expansão fiscal, ela não implica aumento dos juros e nem – uma vez que não se está em pleno emprego – inflação. Em suma: em termos técnicos, é possível expandir os gastos públicos de forma mais vigorosa, e isto implicaria maiores taxas de crescimento.

É justamente o aumento dos gastos em geral (e públicos em particular) que explica a alta taxa de crescimento esperada para 2023 em comparação à observada nos últimos quarenta anos. A PEC da transição possibilitou uma forte expansão dos gastos públicos, o que contribuiu para o aumento da renda real das famílias e, com isso, do consumo privado. Pesou também no bom desempenho do PIB o vigoroso crescimento das exportações, estimuladas pela super safra agrícola.

Uma vez analisada a parte técnica, é possível passar para a dimensão mais delicada, a política. Neste sentido, é importante discutir a viabilidade de uma maior expansão fiscal para os próximos anos, e as consequências de uma política econômica mais ou menos expansionista.

Nitidamente, o ministro Haddad e sua equipe elaboraram um arcabouço fiscal comedido para agradar as classes dominantes angariar apoio político. O problema é que ele foi comedido demais – prova disso foi a grande receptividade que recebeu no congresso, no mercado financeiro e na grande mídia. Era importante propor algo mais arrojado. Ainda que (e justamente porque!) os setores dominantes obviamente tentariam conter o expansionismo fiscal. Assim, a partir da disputa política, se chegaria a um meio termo. A opção feita foi derrotista, um arcabouço extremamente tímido que, por isso, foi facilmente aceito pelos setores mais conservadores.

O problema do atual arcabouço fiscal é que, por um lado, ele impede uma aceleração robusta do crescimento, na medida em que limita o aumento dos gastos a 2,5% ao ano em termos reais, independente do crescimento das receitas. Por outro, também inviabiliza uma política fiscal anticíclica para combater uma recessão já que, neste contexto, as receitas cairiam e o gasto subiria apenas 0,6%, não sendo nem de perto capaz de compensar as eventuais quedas dos outros componentes da demanda agregada. E em um cenário de baixo crescimento econômico, a comedida expansão dos gastos públicos não tem como impulsionar um movimento de aceleração da economia.

Uma vez que se tenha em mente que as exportações são basicamente exógenas, e que a maior parte do consumo e do investimento são induzidos pelo próprio crescimento da renda, deduz-se que este arcabouço fiscal condena o país a um crescimento medíocre. Por mais que se espere queda nas taxas de juros nos próximos meses, estas não têm capacidade – dada a magnitude da queda e seus efetivos impactos nos dispêndios privados – de deslanchar um crescimento mais robusto.

Assim, é possível passar para a análise das consequências políticas desta gestão macroeconômica. Dados os movimentos de estagnação da economia, concentração de renda e deterioração dos serviços públicos observados nos últimos anos, o governo Lula foi eleito justamente na expectativa de mudança. Uma vez que a política econômica adotada condena o país a um baixo crescimento, impede uma maior distribuição de renda e limita a provisão de bens públicos, é de se esperar uma erosão de sua já frágil base de apoio. E isto é preocupante no atual contexto político.

Tendo em vista o elevado grau de conservadorismo e mesmo extremismo do congresso e da sociedade brasileira – convém lembrar que o presidente Lula foi eleito por uma margem de menos de 2 pontos percentuais em relação ao seu adversário –, é fácil constatar que um bom desempenho macroeconômico do atual governo é imprescindível para a manutenção da estabilidade democrática. E para atingi-lo é fundamental que o governo reconheça as práticas econômicas corretas, e tenha capacidade política para adotá-las. Infelizmente não é o que vem sendo feito.

Cabe a indagação de até que ponto o ministro Haddad de fato acredita no discurso que vem adotando de que a contenção fiscal gera crescimento, e até que ponto tal discurso apenas integra uma “estratégia política”. Tanto esta concepção econômica quanto esta estratégia política estão equivocadas e trarão péssimas consequências para a sociedade brasileira.

*Luciano Alencar Barros é Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected] . O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Leia também:

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Duas verdades básicas da economia condicionam qualquer política econômica que pense um país no seu todo: ricos e pobres, rentistas, empresários, profissionais liberais e assalariados ( aqui incluído os aposentados/pensionistas ).
    O que faz a economia andar é o salário mínimo. Os pequenos salários são na grossa maioria totalmente utilizados na sobrevivência básica, há pouco/nenhum espaço para a poupança ou investimento. Por óbvio, quanto maior o salário mais é poupado/investido e menos gastos nos grupos básicos, percentualmente.
    O grande capital não corre riscos e investe com grande margem de segurança e por isto adoram o investimento em patrimônio público posto à venda. Ainda mais em setores oligopolizados ou, “melhor”, monopolizados.
    O Brasil ainda vive nos “bons tempos” da colônia e seus “protetorados”.
    Não por acaso, a educação nunca foi e continua não sendo regularmente bem financiada pelos governos federal, estadual e municipal, com eventuais e passageiras exceções.
    Assim , quanto maior a massa básica salarial maior o consumo e suas decorrências e investimentos de risco ou lento retorno só o investimento público. O particular objetiva o retorno quanto maior e mais rápido melhor e pouco risco.
    Vivemos tempos de busca feroz pelo último centavo de lucro e suas consequências: afundamentos de solo, depredação de biomas, produtos tecnicamente sofríveis, curtos prazos de vencimento, etc.

  2. Em linhas gerais concordo com as premissas do articulista, porém a análise peca em não discutir quais seriam as possíveis reações do outro lado, nesta conjuntura de 2023, às medidas propostas, e principalmente como enfrentá-las. Campos Neto jogando a SELIC para 20% a.a.? A mídia batendo bumbo contra Haddad? O capital pedindo o impeachment de Lula ao Lira? Somos reféns da autonomia do Banco Central e desse Congresso horroroso que o bolsonarismo deixou de herança. Como venho dizendo, um lance ousado do governo seria propor a correção do salário mínimo pela SELIC, um xeque nas altas taxas do Banco Central, o que provocaria uma ampla e engajadora discussão, com mídia e mercado tendo que se molhar, o Centrão rachando e Campos Neto sem poder fazer nada para retaliar.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador