O desafio do emprego no novo mundo dos serviços, por Marcio Pochmann

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por Marcio Pochmann

Se a economia debilitar a qualidade e a importância dos empregos na indústria, a precariedade se refletirá também nos empregos criados do setor de serviços, o que mais cresce no mundo do trabalho

Nas antigas sociedades agrárias, a ocupação agrícola chegou a representar quatro em cada cinco postos de trabalho. Com a passagem para a sociedade urbana e industrial, a partir do século 19, o emprego da mão de obra no setor secundário das economias (construção civil e manufatura) chegou a alcançar quase dois quintos do total da ocupação, especialmente nos países de industrialização madura.

E desde a segunda metade do século passado a nova transição da sociedade industrial aponta para a concentração dos postos de trabalho no setor terciário (serviços e comércio). Nas economias desenvolvidas, o setor de serviços responde por 83% do emprego da mão de obra.

Na passagem do século 19 para o século 20, por exemplo, o esvaziamento relativo e absoluto dos postos de trabalho na agropecuária foi acompanhado simultaneamente pela expansão das vagas criadas com a maior dinâmica na economia urbana (setor secundário e terciário). Os Estados Unidos servem de exemplo, uma vez que no final do século 20 o país limitou a empregar apenas 2,2% do total dos postos de trabalho na agropecuária e mineração, enquanto que 100 anos antes registravam mais de um terço das ocupações no setor primário de sua economia.

Nos dias de hoje são 2 milhões de trabalhadores no campo que conseguem manter uma das agriculturas mais avançadas e produtivas do mundo. Já a construção civil responde atualmente por um terço dos empregos do setor secundário, sendo a manufatura responsável pela absorção de menos de 14 milhões de trabalhadores.

Para o Brasil, a trajetória da composição ocupacional tendeu a ser a mesma, porém distinta na intensidade ao longo do tempo. Pela demora de sua industrialização, o Brasil conviveu até a década de 1950 com o setor primário sendo o principal absorvedor de mão de obra.

Somente no ano de 1960 os postos de trabalho urbanos tornaram-se majoritários. Nos dias de hoje, o país possui comparativamente aos Estados Unidos quase dez vezes mais ocupados em relação ao total dos empregos no setor primário, não obstante a pujança da agropecuária nacional.

Também no setor secundário residem diferenças significativas. De um lado, o Brasil não conseguiu apresentar a mesma importância relativa da manufatura e da construção civil no total da ocupação verificada nos Estados Unidos. A melhor posição ocorreu ao final da década de 1970, com um quarto de todos os postos de trabalhos situados no setor secundário – diferente dos Estados Unidos, que chegaram a registrar na década de 1920 quase um terço da ocupação associada a construção civil e manufatura.

Desde a década de 1980 o Brasil passou a perseguir rapidamente o movimento equivalente ao verificado lentamente nos Estados Unidos desde a década de 1920. Ou seja, perda de importância relativa do setor secundário no total da ocupação.

A tendência de expansão dos empregos no setor terciário parece ser comum nos dois países em consideração. Atualmente, os Estados Unidos possuem 83% dos empregos nos serviços e comércio, enquanto o Brasil, um pouco mais de 66%.

Em virtude disso, convém atentar apara o fato que o setor terciário da economia não detém dinâmica própria na propulsão quantitativa e qualitativa de suas ocupações. O segmento produtivo (primário e secundário) exerce influência decisiva sobre a quantidade e qualidade sobre os postos de trabalho no terciário. Isso porque o mundo dos serviços (trabalho imaterial) resulta heterogêneo, comportando tanto postos de trabalho de grande qualidade, com remuneração associada a elevação da qualificação profissional, como de extrema precarização (baixo rendimento independente da qualidade da mão de obra existente).

Os exemplos podem ser obtidos na estrutura ocupacional dos Estados Unidos e do Brasil. Se for ocupação originada no setor de serviços de produção e sociais, por exemplo, a remuneração tende a refletir a qualificação da força de trabalho, diferentemente dos empregos nos serviços pessoais e de distribuição que geralmente não conectam a qualificação profissional com o predomínio da desvalorização do trabalho.

A determinação do mundo dos serviços depende, em síntese, da qualidade e importância da manufatura no interior do sistema econômico. Sem isso, os serviços tendem a expandir muitas vezes sustentados pelo trabalho precário, aprofundando a separação entre ocupações nobres e pobres e demarcando uma estrutura social ainda mais iníqua.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas

* Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. o que gosto dos economistas é

    o que gosto dos economistas é dessas interpretações históricas para chegar ao que  é mais importante para a sociedade brasileira: acabar com a iniquidade da distribuição de renda e da desigualdade social.

  2. “Lamento sertanejo”

    Bom dia a todos, autores, comentaristas, antagônicos ou não, blogueiros, conservadores, liberais, progressitas, entre outros.

    ja li livros do presente autor. São interessantes e pareceram-me bem coerentes com a “realidade” brasileira. Também li alguns livros do Ricardo Antunes. Enfim, do pessoal da unicamp. São os “terríveis” pensadores atuais da “esquerda”.

    Ora, não sáo terríveis coisa nenhuma. Apresentam uma realidade bem coerente com a situaçao brasileira. O Antunes transita pelo mundo no trabalho não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. O Pochmann idem, e  a meu juizo,  procura embasar todas as suas opiniões naquele estilo econômico, de gráficos, tendëncias, histrogramas, projeçoes etc. 

    Enfim, são autores importantes e respeitáveis e eu aprendi muito com eles.

    Dito isso, volto-me agora especificamente para o texto acima.

    Não sei se o texto acima faz parte de um texto maior no qual poderíamos ter acesso às premissas embasadoras deste texto. De qualquer forma, data maxima venia, não posso concordar com muito do que foi dito acima.

    De cara, já discordo da comparaçao entre Brasil versus EUA. Isso porque, Brasil é Brasil; EUA é EUA.

     Mas, se quiserem insistir na comparaçao então vamos comparar tudo. E pra ficar na linguagem econômica – aquela que pra mim serve muito para MASCARAR “realidades” – então comecemos pelo PIB. Melhor ainda, com o PNB. 

    PNB do EUA e PNB do Brasil. Em seguida, também para embasar o “pensamento econômico”, comparemos o número de bombas atômicas de propriedade do Brasil e dos EUA. Depois, ainda no “pensamento econömico”, vamos comparar o número de cadeiras constantes e imutáveis que possuem o Brasil e os EUA, no CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU.Aliás, vamos comparar as participacóes brasileiras e estadunidenses da própria criação do ONU, sua sede , etc. 

    E as comparaçoes continuam ad eternum nessa linha. Esgotadas as comparaçoes, ai sim, passemos a tecer as conclusões sobre os dois paises, sem os sofismas de sempre.

    Quanto à questão trabalhista – tema que foi mais abordado, pelo menos aparentemente  – vejamos uma passagem incial do autor: 

    Na passagem do século 19 para o século 20, por exemplo, o esvaziamento relativo e absoluto dos postos de trabalho na agropecuária foi acompanhado simultaneamente pela expansão das vagas criadas com a maior dinâmica na economia urbana (setor secundário e terciário).

    Ora, cabe a pergunta: 

    Que postos de trabalho existia no Brasil nessa passagem?  Existia sim, escravos “livres” – mas que não estavam livres coisa nenhuma  naquele período tão próximo da tal lei áurea – bastante criticada –  e ponto final. Existia sim, um golpe de estado com um “republicano” linha dura mandando e desmandando no país do caudilhismo eterno.

    Logo, essa premissa inicial do respeitável autor é flagrantemente frágil. Desenvolver um pensamento trabalhista a partir daí  para seres humanos , agora subordinados, não condiz com o próprio pensamento do autor em suas obras.

    Lembrando-se ainda que OIT  surge somente em 1919 , depois daquela guerrinha econonômica terrível!  Também só a partir dai podemos dizer alguma coisa mais ou menos próxima dos direitos de segunda dimensão. Antes disso era Say, natureza, “liberdade” e ponto final.Era o que se via e o que não se via, com herança, é claro.  Em nosso caso, voto do cabresto e público ,além de censitário e proibido para as “mulheres”. Aliás, para todas as mulheres , isto é, para todas as mulheres dos senhores sexuais ociosos do engenho geradore de ilegitimidades e do tão respeitável direito patrimonial civil!

    Portanto, caro e respeitável autor, sem mais delongas, V.Sa.  sabe muito mais  que muitos   que esse papo furado de “setor terciário” versus primário e/ou secundário, enfim, essas baboseiras econômicas alienígenas não se aplicam aos “indígenas” ameríndios do sul, com a cor de sangue, sem a sua propriedade, geradores de  mestiços, mamelucos, caboclos, africanos do eito e do banto, com banzo, e suas minas, com e sem jesuíta  e com muito sexo e sífilis, na monocultura latifundiária da escravidão, com sertão e com sítio do picau amarelo escuro,  nessa terra de café PRETO,  com leite e com acuçar, com ouro branco e preto, para a derrama, nos autos da  devassa , vindas do velho continente, tão apreciadas pelos bachareis mineiros funcionário públicos , copiadores frustrados da luz, com suas teses “para ingles ver”. 

    E até hoje, mais de cem anos depois, na passagem do século 20 para o 21, essa dinamica da economia urbana , mormente na construçao civil, alvo de recorrentes analogias ao “trabalho” realizado, com muita força, até 1888, ainda persisti em nosso “velho quadro social”…

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador