Wikileaks: Agnelli e a ‘batalha por commodities’

Do Opera Mundi

05/07/2011 – 12:26 | Anselmo Massad/Agência Pública | São Paulo

Wikileaks: Agnelli alertou EUA que China estaria à frente na ‘batalha por commodities’

Os chineses são “desajeitados”, querem controlar a matéria-prima mineral da América do Sul e ameaçam o dólar. As três definições — ditas durante encontros com diplomatas norte-americanos — são atribuídas a executivos da Vale, segundo despachos da estrutura diplomática dos EUA no Brasil, vazados pelo Wikileaks. Além dos diretores, o então presidente da empresa, Roger Agnelli, também participou das reuniões.

Na última semana, a multinacional brasileira do setor de mineiração negou “veementemente” o conteúdo de um outro documento, rechaçando a possibilidade de que Guilherme Cavalcanti, que ocupava a diretoria de Finanças Corporativas da empresa e hoje é diretor de Finanças e Relações com Investidores tenha participado de reunião com diplomatas em outubro de 2009.

Os novos vazamentos são anteriores. O mais antigo data de 26 de maio de 2006 (http://apublica.org/2011/07/brasilia-001056/ ) . Do lado do governo dos EUA estavam o assessor econômico do consulado, o encarregado de negócios e o cônsul-geral, Edmund Atkins. Pela Vale, consta menção ao então diretor de Relações Internacionais da Vale, Renato Amorim (atualmente sócio da consultoria Carnegie Hill). O colóquio teria tratado da preocupação norte-americans com a influência dos “petrodólares” venezuelanos na América Latina e sobre a ascendência da China na região.

O segundo é de maio de 2007 ( http://apublica.org/2011/07/brasilia-000918/ ) . É narrado encontro no dia 18 daquele mês com menções à presença de Agnelli e Tito Martins (presidente da Inco, subsidiária canadense da multinacional brasileira). O centro da reunião com o embaixador Clifford Sobel teria sido a importância estratégica sul-americana do ponto de vista da mineração e o interesse da China no mercado de matérias-primas.

Em 11 de maio de 2009, uma nova audiência teria ocorrido com a presença de Cavalcanti (http://apublica.org/2011/07/rio-de-janeiro-000151/ ) . O tema, de acordo com o relato, foi uma consulta sobre possíveis compras da Vale de bens e equipamentos da indústria dos EUA – apesar da forte concorrência chinesa.

Desajeitados

De acordo com o primeiro despacho, Renato Amorim relativiza a suposta influência venezuelana e gasta algum tempo para sustentar que não via ameaças reais da China aos EUA na América do Sul. Nem coloca o Brasil como futuro posto avançado da potência asiática para fornecer matéria-prima.

Amorim qualifica de “desajeitada” a ação chinesa nos países latino-americanos. Diz ainda que a visita do presidente Hu Jintao em 2004 fez mais barulho e gerou mais expectativas do que resultados. O mandatário chinês esteve naquele ano em Brasil, Cuba, Chile e Argentina.

O diretor completa dizendo que a China precisaria reconhecer a região como mais sofisticada do que a África – onde estava promovendo uma ação “arbitrária” de caráter “colonizador”. Por tudo isso, diz o documento, ele avaliava que chineses e norte-americanos não teriam dificuldades para evitar conflitos em suas ações no continente.

Sob controle chinês

Um ano depois, o relato é de encontro do embaixador Sobel com Agnelli e Martins. Declarações são atribuídas apenas ao presidente da Vale, que teria enumerado as reservas relevantes de minério na região, incluindo urânio, ferro, estanho, ouro, petróleo e níque, o que explicaria a avidez chinesa para abastecer, com as matérias-primas, sua expansão industrial.

“O plano chinês é logo controlar não apenas as reservas minerais do continente (sul-americano) mas também as redes de distribuição e transporte bem como a infraestrutura portuária”, avaliou Agnelli, segundo o relato de Sobel. O caso africano aparece novamente como exemplo. A visão atribuída ao comandante da Vale é de que China ganhou influência excessiva naquele continente.

A reflexão prossegue: “Se a China trancar as reservas africanas, isso criaria desequilíbrios no mercado internacional na medida em que os consumidores nos EUA e Europa teriam de pagar preços mais altos”. Conforme o despacho, o governo dos EUA teria, na visão de Agnelli, de pensar seriamente no que fazer caso os orientais “vençam a batalha por acesso às commodities”.

A China estaria em vantagens por ter um governo centralizado tomando decisões em vez de várias empresas agindo de modo mais disperso.

A descrição é motivo de alguma surpresa para Sobel. “Como a CVRD (nome usado até o fim de 2007 pela Vale) obtém muito dos seus lucros recordes de vendas de minério de ferro para a China, em vários sentidos são parceiros”, diz. À época, Martins era diretor do Conselho de Negócios Brasil-China, e Agnelli tinha assento no comitê consultivo da organização.

As vendas da Vale à China representaram 29,5% do total no primeiro trimestre de 2011. O percentual é quase o dobro do que vai para o Brasil (17,8%) e três vezes o que vai para o Japão (10,7%), respectivamente segundo e terceiro destinos. No último trimestre de 2010, a fatia para o gigante asiático era de 34,6%. Em 2009, no perto do auge da crise financeira, eram 55%.

Ameaça ao dólar

No documento não classificado emitido pelo consulado do Rio de Janeiro, comenta-se um outro suposto encontro de Guilherme Cavalcanti, desta vez com representantes do Banco Export Import dos EUA e Sobel, há bastante detalhamento sobre o papel da China.

Cavalcanti teria enumerado, segundo o documento do consultado do Rio de Janeiro, grandes contratos firmados com empresas chinesas concorrentes das norte-americanas. Isso poderia se agravar em algumas frentes, já que as indústrias chinesas de equipamento e maquinário “em questão de tempo poderão competir com a Caterpilar (multinacional de tratores e máquinário de veículos pesados)”.

Com os chineses reduzindo a distância da qualidade dos produtos e com facilidade de crédito, os EUA correriam o risco de o dólar perder terreno como moeda global do comércio. O modelo imaginado para esse mercado envolveria exportações da Vale de minério de ferro para a China que, em contrapartida, exportaria equipamentos ao Brasil. “O próximo passo lógico seria substituir o dólar americano da cesta de moedas”, teria conjecturado Cavalcanti.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/WIKILEAKS+AGNELLI+ALERTOU+…

Luis Nassif

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