Oportunidades educativas permitem o resgate de memórias locais

Ana Luiza Basílio e Jéssica Moreira
do Centro de Referências em Educação Integral

“Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas, sim refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”, aponta Ecléa Bosi, no livro Memória e Sociedade – lembranças de velhos.

Promover o resgate de memórias e histórias locais é uma maneira de contribuir com a ampliação do repertório histórico cultural dos estudantes. Nessa perspectiva, a interação com o território e a visita a espaços públicos é uma importante ferramenta pedagógica. A partir de uma pesquisa prévia e da troca de conhecimentos é possível diversificar a aprendizagem, por meio da experimentação e do contato in loco.

Além de explorar as localidades, é possível interagir com coletivos e organizações culturais e propor a reflexão também a partir de expressões artísticas, como teatro, danças regionais e exibição de documentários. Todas essas atividades possibilitam resgatar a origem de costumes e fatos históricos, tão necessários para a formação das crianças e jovens.

O Mundial da Educação traz oportunidades educativas gratuitas nas cidades-sede do campeonato da Fifa que dialogam com a memória regional dos espaços. A partir de um trabalho integrado entre os professores, é possível promover atividades de História, Geografia e Literatura, que podem também ser integradas em planejamentos interdisciplinares.

Mesmo com as férias escolares, nossa dica é que professores visitem as exposições sozinhos e as registrem com o objetivo de trazê-las, ainda que não presencialmente, às salas de aula. Essa memória – em texto, fotos, vídeos – pode ser apresentada aos estudantes como uma espécie de “tour” virtual à agenda cultural da cidade.

Confira:

Em Brasília (DF), aconteceu no dia 18 deste mês a exibição do Filme Plano B. O longa, ganhador do 46º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro e vencedor do prêmio menção Honrosa, na categoria Memória, no festival Documental Ibero Americano, traz discussão sobre o planejamento e as contradições encontradas no planejamento da capital brasileira que, mesmo não tendo periferias, possui diversas cidades-satélites suburbanas. O resgate à história local, nesse caso, pode ser feita a partir de uma discussão de planejamento e mobilidade urbana que levante os principais problemas da capital. Embora o filme tenha entrado no circuito apenas nesta seção especial, é possível acessar uma série de trailers e pequenos trechos no canal do Vimeo do diretor.

Até 12 de janeiro, a cidade de Natal (RN), recebe exposição Natal Pintando a Copa de 2014, que conta com a participação de artistas locais e suas impressões sobre o mundial, com o objetivo de resgatar a arte potiguar, por meio de pinturas, esculturas, instalações e grafites. Esta atividade pode ser utilizada pelo professor para estimular que estudantes reflitam e produzam obras – em diferentes linguagens artísticas – sobre como percebem o campeonato e seus possíveis impactos na vida cotidiana. A partir da reflexão, o educador pode estimular que os estudantes reflitam sobre o papel que cada cidadão tem em garantir que o evento deixe impactos positivos na vida da cidade. Uma dica, é aproveitar a discussão e experiências apresentadas pelo Imagina na Copa, iniciativa que mapeia e apresenta virtualmente práticas de indivíduos e organizações que transformaram suas comunidades.

Em Manaus (AM), o resgate da memória local também recebe destaque com a Exposição Estilos, do artista Homero Amazonas, que apresenta em 13 obras experimentações sobre as paisagens amazônicas, cultura indígena e cabocla. Um dos objetivos é promover a reflexão sobre o desmatamento da flora amazônica e a perda de identidade do povo indígena. Em cartaz até o dia 31 de janeiro, a mostra é uma boa oportunidade para educadores estimularem que os estudantes reflitam sobre a importância e valorização da cultura indígena na formação da cidade – seus impactos e como a sociedade tem atuado no sentido de preservá-la e resgatá-la como patrimônio cultural local.

Em Belo Horizonte (MG), a apropriação do espaço público é tema da mostra “O Museu e a Cidade Sem Fim”, reunindo fotografias, objetos, vídeos, áudios e mapas que mostram as transformações das cidades modernas. Dentre os temas da exposição, destacam-se o trabalho, lazer/sociabilidade, festas/religião, arte, política e natureza. A mostra que vai até o dia 31 de dezembro pode ser aproveitada por educadores que desejam encontrar mais informações sobre a cidade, a fim de estimular que pensem como a mesma se configura hoje e ao longo da história.

O bairro da Lapa, no Rio de Janeiro (RJ) , recebeu no último dia 17 de dezembro uma manifestação por paz e alegria que trazia embutida a causa de revitalização de um dos principais pontos culturais da cidade. É possível resgatar a história do bairro no Rio de Janeiro, e a vida de moradores da região, como Machado de Assis. Usando o mote da data, professores podem levar seus estudantes para uma caminhada a pé pela região ou para, usando ferramentas digitais, uma pesquisa sobre a história do bairro. A partir da manifestação ocorrida, os estudantes podem ser convidados a refletir sobre a importância do local na capital carioca, explorar sua intensa vida cultural e verificar como o espaço se transformou ao longo dos anos.

Em São Paulo (SP), a oportunidade fica por conta do espetáculo Barafonda, da Cia. São Jorge de Variedades, no bairro da Barra Funda. Com uma proposta itinerante, a peça circula por entre as principais ruas do bairro interagindo com o comércio presente e também seus responsáveis, por vezes moradores da região. Gratuita, a peça pode estimular que estudantes descubram mais sobre a história do bairro e sejam convidados a pensar sobre o papel que a arte tem em reconfigurar os espaços e vida cotidiana.

A história de Cuiabá (MT), desde os períodos coloniais e imperiais até momentos recentes pode ser conferida até dia 31 de dezembro no Museu Histórico de Mato Grosso, que tem sete salas com a história oficial da cidade. As visitas que podem ser feitas de segunda a sexta e também aos sábados podem estimular que professores desenvolvam atividades para resgatar a memória e história da cidade. A partir da visita, é possível refletir sobre quais eixos temáticos da formação cultural e histórica do município podem ser trabalhados em sala de aula e em diálogo com a realidade atual dos estudantes.

Em Salvador (BA) a interação com o território pode ser discutida a partir da acessibilidade. No dia 5 de dezembro, o centro histórico da região ganhou sua primeira rota acessível com aproximadamente 5km de extensão. Uma visita à localidade pode ser o ponto de partida para uma discussão mais aprofundada sobre o tema, sendo possível até fazer um mapeamento de estabelecimentos e espaços públicos acessíveis pela cidade. Professores de física e matemática podem até convidar os estudantes a pensarem e desenvolverem aparatos e estruturas de mobilidade que facilitem o acesso das pessoas com dificuldades de locomoção.

Redação

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  1. Memória cultural

    Sobre a impermanência da memória

    por Josias Pires

    No começo do filme, “O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão Veredas”, de Tuna Espinheira, alguns moradores do povoado de Acaru, distrito de Monte Santo, travam uma discussão acerca do lugar exato da velha casa da fazenda que – soube depois pelo próprio Juraci Dórea – ficava (provavelmente) na rota das tropas do Exército que se deslocaram de Monte Santo em direção a Canudos no final do século XIX.

    É uma sequencia desconcertante do filme pois evidencia, de modo cômico, as armadilhas da memória. As dificuldades da memória em fornecer referencias precisas sobre fatos e objetos do passado. As dúvidas daqueles roceiros acerca do exato local da antiga casa que ali existiu funcionam como uma espécie de contraponto ao restante do documentário, que reitera o fato da obra artística de Juraci Dórea inscrever-se fortemente no campo da memória.

    O próprio artista-personagem do filme diz buscar no sertão mais recuado referencias culturais que foram perdidas na sua cidade natal, a quase metrópole Feira de Santana. Nesta busca, a sua pintura fixa em suportes variados – couro, madeira, tela – elementos típicos do mundo sertanejo. Naturalmente aquele é um mundo que também se transforma. Mas o que interessa ao artista não é documentar ou refletir sobre tais processos de transformação. A sua intenção, poderíamos dizer, é escapar da fragilidade da memória e, para além das mudanças, fixar nos quadros as histórias do sertão por meio de elementos característicos lançando mão de uma forma que dialoga fortemente com imagens de xilogravuras.

    Contudo, talvez ainda mais importante do que fixar aqueles elementos em quadros pintados, merece destaque outro dado inovador – e profundamente generoso – da obra deste artista: expor as pinturas nas feiras e mercados das cidades da região, fazendo interagir as telas diretamente com os roceiros e vaqueiros. Neste gesto inovador, Juraci Dórea recusa os museus e galerias das grandes cidades e propõe criar museus a céu aberto nas cidades das caatingas. Ao mesmo tempo tudo isto é meticulosamente fotografado e as imagens daqueles encontros são levadas para os museus e galerias das metrópoles. Neste registro a obra vai além das pinturas, pois os próprios homens e mulheres sertanejos – com suas indumentárias, gestos, etc – tornam-se referenciais. O registro fixa a memória. A memória permanece pelo registro e não apenas como lembranças humanas fugazes.

    Lembranças fugazes como aquelas registradas pela câmera super-8 do fotógrafo Robinson Roberto que acompanhou Dórea numa das suas viagens pelos sertões, exatamente para o povoado do Acaru, onde foi levantada uma das esculturas abstratas de couro e madeira – figuras fantásticas que dialogam com as paisagens sertanejas. Nesta viagem Robinson Roberto gravou a fala de uma personagem quase lendária, a Edwirges, de Monte Santo – figurante do filme Deus e Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, Edwirges lembra confusamente nomes de atores e atrizes que teriam atuado no filme, em mais uma demonstração de como a memória é imprecisa, ainda que impressionante, apaixonante, desconcertante.

    Mas Juraci Dórea vai além da imprecisão da memória. Saindo dos quadros para as instalações, embrenha-se nos sertões para levantar as esculturas abstratas de couro e madeira em locais inóspitos. Como afirma o poeta Antonio Brasileiro, com estas obras Dórea institui uma nova visualidade sertaneja. Rompendo de modo radical com o imaginário e/ou figuração típica do sertão, as esculturas impactam fortemente a imaginação do homem rural e, registradas pelas fotografias do próprio artista, chamam a atenção do mundo ilustrado das artes, das bienais internacionais e da crítica bem informada.

    Como a comprovar a impermanência da memória, a fugacidade de todas as coisas, as esculturas de couro e madeira constituem obras efêmeras, que são reconstruídas e, por fim, destruídas pelo tempo. O tempo que apaga e reconstrói as memórias, remodelam e transformam tudo o que existe.

    Tuna Espinheira trouxe do sertão da Bahia uma jóia rara: o imaginário de Juraci Dórea. Parabéns, mestre!

    http://cadernodecinema.com.br/blog/sobre-a-impermanencia-da-memoria/

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