Questões de gênero e medo, por Tayná Leite

Do Self DH

Questões de Gênero e o medo

Tayná Leite

Sempre me incomodei quando alguém usava como argumento para não querer ter um@ filh@ gay o fato de que est@ teria que sofrer muito em uma sociedade como a nossa”. “Mas não seria mais um motivo para fazermos – ou tentarmos fazer – do mundo um lugar melhor ao invés de torcermos para que noss@ filh@ não faça parte de um grupo constantemente humilhado e assediado em todos os sentidos?” Torceríamos então para sempre termos somente filhos homens e heteros já que são os que menos sofrem em nosso mundo cis???” Assim se iniciaram muitos debates e muitas conversas que normalmente me deixavam apenas com raiva, pois no fundo esse argumento era apenas algo que a pessoa gostava de dizer para si mesma para não ter que assumir seus próprios preconceitos.
 
Pois bem, hoje, ao acompanhar a votação do Plano Municipal de Educação (PME) na Câmara de Vereadores de Curitiba, pela primeira vez senti esse medo! Olhando ao meu redor só o que eu via eram rostos raivosos! Ouvia gritos quase que de guerra usando o nome de Deus para justificar a intolerância, o machismo, o racismo e a homofobia. Como se um filme estivesse passando na minha frente em câmera lenta no qual me vi completamente espectadora me senti pela primeira vez realmente assustada! Olhei para o alto e vi parte dos manifestantes LGBTs com balões coloridos espremidos por um número pelo menos 10 vezes maior de conservadores com faixas que diziam coisas como: “Curitiba sem gênero e sem diversidade!” “Homem é homem, menino é menino e macaco é macaco”. Olhei no olho de um menino em especial no meio daquele tumulto e não pude evitar de sentir medo!
 
Ao ouvir os vereadores que deram voz ao que viria a ser o posicionamento da Câmara mais tarde meu coração se enchia de tristeza e desconsolo (as expressões gênero e diversidade foram excluídas do PME assim como aconteceu no âmbito nacional). Não vou entrar no mérito das inconstitucionalidades dessas medidas conservadoras que afrontam diretamente o estado laico (para quem tiver interesse segue a nota oficial da Presidência da OAB sobre o tema) pois este não é o foro e há muitos por aí explorando muito melhor do que eu a parte técnica do tema, mas questiono-me hoje após esse dia tão difícil (ainda está sendo votado na Assembleia Legislativa o Plano Estadual enquanto escrevo) quais os rumos que o nosso país e a nossa sociedade estão tomando. Não tenho receio em dizer que já estamos em um estado fundamentalista! Ao finalizarem suas falas em plenário os vereadores “cristãos” (e sim, cabem aqui MUITAS aspas) foram aplaudidos e saudados com gritos de “aleluia” “glória a Deus” e “Jesus é o nosso rei”. Em discursos efusivos foram defendidas a discriminação de gênero, a homofobia e a manutenção de um sistema que exclui, que agride e que mata!
 
Olhava ao meu redor contemplativa tentando imaginar o que Jesus pensaria daquilo. O que o homem que veio pregar o amor e a tolerância, que andava com putas e excluídos pensaria daquelas atitudes inflamadas que, em algum momento, também o consideraram subversivo e o crucificaram? O que ele sentiria ao saber que em seu nome crianças são mortas, homens e mulheres são espancados e estuprados de forma “corretiva” e tantos outros levados a tirarem suas próprias vidas por não conseguirem conviver com tanta intolerância?
 
Fitava os olhares cheios de ódio, cheios de raiva e só conseguia pensar no meu futuro filho ou filha. No mundo que os espera… e se for menina? E se for gay ou lésbica? Ou trans? E se for negro(a)? O que será desses filhos que ainda não tenho? O que será de mim? Em que momento esse estado nada laico conseguirá silenciar a minha voz de mulher subversiva que deveria estar em casa cumprindo o seu papel “bíblico”?
 
E foi neste momento que me lembrei d@s muit@s que lutaram e lutam – bem mais do que eu -por um mundo justo e igualitário. Lembrei-me de tod@s que sofreram e sofrem apenas para terem minimamente assegurado seu direito a existir. Lembrei-me, que eu não tenho outra opção a não ser continuar lutando e acreditando, afinal, como disse Sally Kempton: “Tornei-me feminista como uma alternativa a ter que me tornar uma masoquista”
 
Hoje serviu, dentre outras coisas para confirmar que não mais vivemos em um estado laico real. Hoje me mostrou que é cada vez mais essencial mostrarmos a noss@s amig@s a importância de fazer-se presente e de posicionar-se ao lado do que é justo e humano! Se nós não estamos articulados eles estão. Hoje serviu principalmente para agradecer a tant@s que continuam nessa luta diária que, acreditem, não é fácil!
 
Meu obrigada especial vai à CEVIGE e as demais comissões da OAB que estão incansáveis nessas últimas semanas em busca de um mundo com menos ódio! Vai às pessoas que me fazem acreditar que é possível e que me ensinam tanto diariamente sobre o respeito e a tolerância! E o pedido de desculpas vai aos que estão por vir! Por não termos ainda conseguido preparar uma sociedade na qual os seres (não apenas humanos) são respeitados e valorizados na sua singularidade e na sua beleza única e não colocados em situação de humilhação constante e de sofrimento continuo em nome de um Deus que certamente está sendo mal interpretado! Por estarmos ainda em uma sociedade em que o verdadeiro deus é o poder e o dinheiro que pode comprá-lo e a religião é a arma usada para conquista-lo!
 
O medo bateu mas a coragem irá prevalecer! Afinal de contas não temos opção…
Redação

4 Comentários

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  1. A sociedade brasileira ia caminhando no sentido da aceitação,

    não digo mais da tolerância, porque quer me parecer que a gente passa a tolerar as diferenças apenas.( Lembra-me casa de tolerância e outras esquisitices do passado.) Estávamos caminhando.

    Creio que quem antes se expressava por esse pensamento “não gostaria que meu filho fosse gay porque “teria que sofrer muito em uma sociedade como a nossa” manifestava um momento de transição, de falta de compreensão ainda da diversidade etc. Talvez hoje já pense de forma mais fraterna e compreensiva das relações que se vive hoje.

    Entretanto, estes outros que reagem desta outra maneira, fundamentalista, de rejeição ao que entendem (sic) como o “errado”,  estes precisarão apressar os passos porque ainda estão muito aquém da compreensão do que é ser humano.

    Tomara Deus, o deles, o nosso, o de todos, possa ajudá-los a ter filhos gays e heteros e saber prepará-los para serem humanos.

    Tomara Deus! 

  2. O Estado é laico, a sociedade não!

    Cabe a cada um, à luz das suas razões e convencimento, prosseguir na luta pelos seus direitos e cumprir as suas obrigações. Precisamos ser libertários sem ser libertinos e entender que, o nosso direito e liberdade, apenas podem avançar até onde esbarram nos do outro: Esse é o limite do “conflito”.

    1. Se o Estado é laico q os religiosos nao s metam c/ a vida alheia

      Que fiquem com esses “valores” de merda para eles mesmos, sejam infelizes no casamento, discriminem os próprios filhos se forem homossexuais, mas que nao pretendam decidir sobre a vida dos que nao compartilham dos preconceitos deles! Porque, no tema discutido, os que querem interferir no direito dos outros sao eles! Que lutem por seus direitos, nao contra os direitos dos outros!

  3. Temos realmente que conviver

    Temos realmente que conviver com as diferenças! Esta é a maior riquesa da humanidade. É por causa das diversidades que as espécies se adaptam ao meio ambiente. Entretanto, meninos nascem meninos e meninas nascem meninas. Em alguns casos mais raros a natureza produz pessoas indefinidas no que diz respeito à sexualidade. Em outros conflitos familiares levam a variações desta última. Todos os indivíduos devem ser respeitados pelo que são de fato. Em alguns casos a pessoa que nasceu indefinida opta por sua real identidade na idade madura, entretanto, isto tudo é bem diferente de colocar na cabeça de todas as crianças que elas deverão optar no futuro pela sua verdadeira sexualidade!

    Não vamos confundir argumentos falaciosos, construídos com a finalidade de desagregar e destruir as estruturas sociais, que almejam transformar as pessoas em robos consumidores, com direitos humanos. Um exemplo de como operam esses argumentos é o seguinte: vamos acabar com o estigma da prostituição, transformando todas as mulheres em prostitutas.

    Jesus Cristo, de fato, andava com prostitutas, cobradores de impostos do Império Romano e leprosos, todos excluídos da sociedade judaica na época, entretanto, cobrava dos pecadores o comprimisso de não voltar a pecar. O significado disto é que ninguém é condenado por erros passados e sim pelo ato consciente de persistir no erro.

    Será que os cínicos que pregam esta tese esdrúxula de que nossa sexualidade é, em todos os casos, puramente uma decisão nossa estariam dispostos, pelo respeito à pessoa humana, a abraçar leprosos, cuidar de doentes de ebola e receber em sua casa pessoas com aids? 

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